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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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toda uma sorte de ordens e movimentos religiosos entre homens e mulheres.

Também acompanhamos de perto a solidão de Jesus e Maomé. O primeiro,

um humano divino, alguém cônscio de sua missão, mas nem por isso imune

ao seu sofrimento e dor. Jesus, estoicamente, mas muito humanamente,

aceitou a dor e a morte, preparando-se para ela com seu retiro, sua ascese.

Ainda assim, sentiu-se só e abandonado. Uma solidão para o equilíbrio, outra

solidão do desamparo, do abandono. Uma por opção, outra por absoluta falta

dela. Cristo, talvez por se lembrar dessa experiência humana última da morte

e do sofrer sozinho, visitou ou mandou consolo a santos e outros mortais em

momentos de isolamento provocado por doenças, como foi o caso de Inácio

de Loyola e Francisco de Assis, não por acaso ambos fundadores de ordens

religiosas profundamente cristocêntricas.

Maomé tremeu, sofreu, foi arrebatado, ridicularizado. São várias as

passagens corânicas que nos mostram quanto o povo em Meca e nas

imediações zombou de suas recitações e cobrava que ele realizasse milagres

ou experiências extáticas diante de todos. Diziam-no possuído por demônios

ou ensandecido. Depois de décadas triunfou, pois voltou a Meca como O

Profeta. Morreu em 632, sem que nenhum de seus fiéis duvidasse daquela fé

que nasceu solitária, apenas fruto das visões de um único homem. Uma

década depois de sua morte, toda a Península Arábica estava, pela primeira

vez, unificada. Inimigas mortais, politeístas, as tribos árabes constituíam a

Ummah, “a nação” dos crentes. Em um século, um imenso império, que se

estendia da Pérsia, passando por todo o norte da África e findando-se nos

Pireneus, constituiria essa comunidade de fieis, o Dar al-Islam, o território em

que a maioria da população é muçulmana e pode praticar sua fé sem

restrições.

De todos esses exemplos, mas também da iluminação de Sidarta ou do

isolamento de outras religiões, podemos perceber como é na solidão que se dá

a busca por algo maior que si mesmo. No deserto, no isolamento, na toca

forja-se, silenciosamente, um renascer, uma regeneração, uma nova

identidade. Os iluminados, à medida que se despojam de si próprios e de seus

bens, seus apegos mundanos, enfrentam seus demônios e, se perseverarem,

encontram paz, Deus, luz ou a si mesmos.

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