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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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acompanha até aqui. Se o Islã tem matriz comum com o Judaísmo e o

Cristianismo, malgrado certas diferenças teológicas, haverá muito território

comum para se pisar. Há um ditado árabe que nos serve de pista para o

começo de nosso raciocínio: “A semente só pode germinar na obscuridade”.

Ou seja, dentro da terra, solitária, a semente pode gerar nova vida. Assim, o

ideal do renascimento, da regeneração da experiência religiosa, está presente.

Para os muçulmanos, grandes transformações interiores só são possíveis em

khalwa, ou seja, na “solidão”, “reclusão”. Embora em correntes místicas,

como no Sufismo, a khalwa seja de fato um retiro espiritual com práticas

ascéticas; não há entre os islâmicos a idiossincrasia cristã do eremita radical.

O Profeta revelou que a religião “começou como algo estranho e vai voltar a

ser estranho, então dê as boas-novas para os estranhos”. Ou seja, viva entre

outros, no mundo, e não em renúncia total dele. Maomé via o corpo como

morada sagrada, algo a ser cuidado, purificado, mas não punido, mortificado

em excesso. Jejuns purificam, fome mata. O Ramadã ensina ao fiel islâmico

sobre a necessidade do sacrifício e da solidariedade aos pobres famintos.

A ideia é a da introspeção, que, segundo o Corão, é o cerne da crença. Uma

hora de introspecção vale mais que setenta anos de adoração, diz a palavra

sagrada. E tal silêncio contemplativo é inequivocamente solitário. Maomé

estava só, no deserto, quando recebeu as visitas do anjo Gabriel e boa parte

das revelações que ele lhe fez. Maomé era um homem vivido quando teve sua

experiência mística na solidão do deserto. Fora criado pelo tio Abu Talib, pois

era órfão de pai. Conduzira caravanas de comércio pelos desertos árabes por

toda a vida. Casara-se quinze anos antes com uma mulher que respeitava

profundamente, sua prima Khadija, uma viúva rica, primeira pessoa a quem o

profeta contou de suas visões e sua maior incentivadora, junto do tio.

Tiveram 4 filhos, mas só sua amada filha Fátima sobrevivera à dura infância

naquela região bastante inóspita. Naquele dia, o sol era abrasador, e Maomé

recolhera-se na gruta de Hira e buscava algum tipo de iluminação. O Corão

fala-nos como o Espírito da Verdade disse ao Profeta: “Leia!”. Assustado,

respondeu que não sabia ler. Então, Gabriel o segurou e apertou com força,

depois o libertou, repetindo a ordem: “Leia!”. Mais uma vez, o atormentado

árabe redarguiu que era incapaz. O anjo apertou uma vez mais e mais uma

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