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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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gostaria podia me render mais dores de cabeça. Mas creio firmemente que ele

precisa ouvir desaforos para que eu fique com a alma lavada. Ao meu lado,

está o novato inseguro, ávido por se sentir parte do grupo. Nesse momento,

faço como o Diabo no deserto: “Se você é realmente um de nós, se é corajoso,

xingue o juiz, pois é isso que todos nós fazemos! Você tem, agora, o poder de

fazê-lo”. Percebendo sua chance diante do sorriso do grupo, o incauto grita

impropérios a plenos pulmões. Sucumbiu à tentação, e eu, como o demônio,

posso sorrir: alcancei meu intento sem precisar sujar as mãos ou abrir a boca.

Não cometi o erro, minha vitória se deu porque induzi o erro.

Sendo mais direto, esse é o poder da sugestão. Nosso cérebro é

sugestionável, e isso é explorado das mais diversas formas por tentações

mais contemporâneas. Publicações intercalam anúncios a matérias de seu

interesse. Por vezes, fundem jornalismo e publicidade. Folheando (alguém

ainda faz isso?) uma revista ou jornal, o leitor se depara com uma

propaganda de certo alimento. Com fome, seu cérebro pode acionar o desejo

por consumir o que se anuncia. Mesmo sem fome, isso funciona. Mesmo as

matérias que não trazem publicidade, mas que criam diálogos que se

autorreforçam, podem criar uma sugestão na mente do leitor incauto. Em

publicações com linhas editoriais claras, de tanto lermos que um evento é

benéfico, tendemos a concordar se já estamos predispostos a isso. Na linha

oposta, leitores com outras predisposições encontraram outras formas de

reforço em outros veículos de mídia. O mesmo para programas de TV,

internet e redes sociais. Estas últimas, na verdade, têm seu inteiro

funcionamento baseado na estratégia demoníaca que combina

desejo/predisposição, oferta e reforço positivo. Você quer, tome um e mais

um; volte, pois sempre haverá mais do que você gosta, dizem os algoritmos

que programam nossas leituras e visualizações.

Essa espécie de hipnose também pode ser induzida por nós mesmos. A

medicina e a indústria farmacêutica estão cientes do chamado efeito placebo

há décadas: muitas pessoas relatam melhoras em testes de medicamentos

novos ainda que tomem “pílulas de farinha”, ou seja, sem princípio ativo

algum. Melhoram porque acreditam que vão melhorar. Em artigo controverso

publicado em 1998, Irving Kirsch e Guy Sapirstein compararam os reais

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