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Comer e beber, na tradição católica dos pecados capitais, são apenas indício
de todos os tipos de desejos (logo vícios) físicos.
Viesse uma oferta de vinho, água, embutidos e queijos, e hedonistas
contemporâneos teriam abraçado pedras, pedregulhos e rochas. Cerveja
gelada, um refrigerante ou um milk-shake convenceriam outros tantos.
Sabendo que Jesus era frugal, o Diabo sugeriu pão. A tentação do próprio
Jesus é um dos episódios mais interessante sobre o papel demoníaco no Novo
Testamento. Está sempre à espreita, possui pessoas, animais, ameaça tomar o
mundo. Sua ousadia não encontra paralelo, porém, como diante dessa
passagem de Jesus no deserto. O que esperava o demônio ao tentar o Filho do
Homem? Encurtar uma história que ele sabe que perderá? Como enredo
contemporâneo, a Bíblia tem spoilers. Nem sempre há tensão narrativa, pois
sabemos que o bem triunfa sobre o mal depois de milhares de anos que
começam com uma peleja no céu e terminam com a ascensão da Segunda
Jerusalém.
Pois o Diabo leva uma invertida do solitário Jesus, que reafirma a
passagem do Deuteronômio: “Está escrito: nem só de pão viverá o homem,
mas de toda palavra que sai da boca de Deus”. Se o demônio começa a
primeira tentação com uma partícula condicional, colocando em suspeição a
natureza do Salvador dos cristãos, a resposta de Jesus é taxativa: está escrito.
“Verba volant scripta manent”, diz o adágio latino. “As palavras voam ao
vento”, como na música de Bob Dylan, mas a escrita permanece, desafiando
os tempos e as eventuais falhas de memória. O Diabo tratou Jesus como
fazemos quando queremos que pessoas inseguras em busca de afirmação
façam coisas por nós. Vejamos a situação concreta. Estou com um grupo de
amigos que, todos os fins de semana, se reúnem em um estádio de futebol
para ver nosso time jogar. Hoje, um colega novo no grupo veio conosco. É sua
terceira vez num grupo que já tem intimidade há tempos. Ele está inseguro,
sedento por se sentir parte da matilha, mas ainda não está plenamente
integrado, não conhece as brincadeiras e as músicas que entoamos. Logo após
nosso time tomar um gol, fruto de um pênalti inventado pelo árbitro, desejo
muito caluniar a família do homem com o apito. Acontece que o juiz em
questão também é meu chefe. Cidade pequena, futebol de várzea. Dizer o que