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também pode ser lido como local de libertação. No mesmo livro do Êxodo, o
povo libertado do Egito chega a reclamar: Será que fomos libertados para
morrer no deserto? Depois, reconhecem a libertação e comemoram aquela
jornada. Tornaram-se verdadeiramente livres no deserto. Outro profeta,
Jeremias, retomará esse sentido quando assevera: “Assim diz o Senhor: O
povo que se livrou da espada, logrou graça no deserto” (Jr 31,2).
Esse é um dos sentidos da solidão do eremita religioso cristão: libertar-se.
Em meio às provações que o deserto impõe, os fortes e resolutos na fé
crescem. A lógica bíblica, nesse ponto, é simples e lembra a da clara em neve:
para crescer e ficar firme e consistente, pronta para o uso, é preciso bater as
claras do ovo até que se transformem. Não existe fé sem teste dessa mesma
fé. Crer quando se tem tudo é fácil. Logo, é desprovido de tudo que se deve
crer. Lembram do episódio de Jó? Enquanto tinha tudo e adorava a Deus, o
Diabo dizia que era justamente por ter tudo que era fiel. Deus foi lhe tirando
saúde, riqueza, família e, ainda assim, Jó creu. Acreditou mesmo diante de
um deserto em sua vida.
Nesse sentido, vemos o deserto metafórico como um sinal de crescimento
na fé. Mas o deserto real também cumpria esse papel. João Batista, o primo de
Jesus que o antecedeu no batismo, segundo o Evangelho de Lucas, viveu,
cresceu e se fortaleceu em espírito nos desertos, “até o dia em que havia de se
manifestar-se a Israel” (Lc 1,80). O santo se alimentava frugalmente de
insetos e castanhas. Nutria-se mais do Espírito, ecoando uma célebre
passagem do Deuteronômio que vale narrar porque ela voltará a aparecer por
aqui. Nas muitas tribulações que os judeus passaram na travessia do Sinai,
Deus deixou que tivessem fome, mas também proveu maná, um alimento
miraculoso que aparecia quando evaporava o orvalho da manhã e que, quando
cozido, podia render bolos com sabor de mel. Nessa alternância entre
privação e provimento, o texto diz que tudo foi feito para que entendessem
que “nem só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do
Senhor” (Dt 8,3). Entender as coisas do Espírito é nutrir a alma, prepará-la
para a Salvação, diz a interpretação cristã dessas passagens. Logo, o deserto,
como provação, significa a possiblidade real de nos tornarmos clara em neve,
sairmos do estado inicial do ovo, crescermos e nos tornarmos mais fortes.