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enfrentou a todos. Teve o corpo surrado com violência, quando os demônios
lhe apareceram sob a forma de diferentes feras, que dilaceraram seu corpo a
dentadas, chifradas e unhadas. O próprio Cristo o salvou com uma “claridade
admirável” que pôs em fuga todo o mal que o afligia, curando
instantaneamente suas feridas. Perguntando a Cristo por que não o acudira
antes e onde estava o Salvador enquanto era ferido daquela forma, ouviu: “Eu
estava aqui, mas ficava vendo-o combater. Como você lutou com vigor,
tornarei seu nome célebre em todo o universo”.
Bosch pintou As tentações de Santo Antão várias vezes, sendo a de Lisboa e a
do Masp as mais aclamadas, embora haja uma lindíssima no Museu do Prado.
Em todas elas, esse pintor de quem sabemos tão pouco imaginou a solidão de
Antão de forma atormentadora: em todas elas, o santo está rodeado de
demônios em formas de animais híbridos, monstruosos, que lhe tentam. Em
Madrid, ele está sozinho, dentro de um tronco de árvore, com os olhos
contemplando os céus, a Bíblia num saco junto de seus óculos amarrada à
cintura. Bosch pinta seres diabólicos saindo da água, ao lado do eremita, atrás
da árvore, tentando apagar a chama simbólica do fervor de sua fé. Um
homem solitário, segundos antes de ser atormentado pelas bestas-feras que
dominam tudo à sua volta.
Nas cenas de São Paulo e Portugal, o santo está de joelhos, em roupa
monacal, no centro da imagem. Vira o rosto para longe de uma mulher que
lhe mostra um prato de prata. O vestido dessa aparentemente gentil senhora
alonga-se numa cauda vermelha. Os diabos tangem alaúdes, dedilham
harpas. Trazem comida. Outros apenas espreitam e parecem conversar entre
si. Estão no lago abaixo do santo, voam nos céus acima dele. Ao fundo, aldeias
queimam um incêndio impossível de se combater.
Michel Foucault, em seu estudo sobre a loucura, escreveu que o Antão de
Bosch tem a sabedoria dos ensandecidos, algo de que os homens racionais
carecem. Ao despir-se das convenções mundanas e retirar-se ao ermo para
viver solitariamente, o santo vê aquilo que não é permitido a outros. Essas
revelações mostrariam os andaimes do mundo, o interior das coisas como
elas realmente são. Nós, “os sãos”, veríamos apenas a superfície delas. Essa
era a crença do início da Modernidade. Aos loucos, em sua parvoíce, tudo era