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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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apenas um empregado negro muito fiel, vê sua vida isolada mudar após

conhecer um forasteiro do norte, aventureiro que quer apenas divertir-se

com a solitária mulher. Criticada severamente pelos guardiães de sua moral,

indiferentes à sua solidão brutal, forçada a mandar embora o amante e a

receber a visita de primas para salvaguardar os bons costumes, parece aceitar

o controle da cidade sobre sua vida amorosa. Depois de um tempo, serenados

os bisbilhoteiros, as parentes partem. Determinada, recebe de volta o amante,

que é visto, pela última vez, entrar na casa para nunca mais sair. Logo depois,

Emily compra na farmácia local, à revelia do vendedor, arsênico (única pista

para a ocorrência de algo sinistro). Anos se passam, Emily finalmente morre,

quando então se descobre a verdade grotesca e lúgubre: Emily passara

décadas com o cadáver, depois transformado em esqueleto, do aventureiro do

norte, em sua cama. A solidão primeiro imposta pelo pai e depois

autoimposta enlouqueceu Emily. Para horror de todos, a sua necrofilia

tornou-se evidente. Com medo de perder o amante, devastada pelo medo da

solidão decorrente, preferira assassiná-lo e conviver a vida toda com seus

restos. Macabro ao extremo...

“Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas

tempestivas, nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro

da noite.” A autora do depoimento é Chaya Pinkhasovna, a nossa Clarice

Lispector. Versátil em seus conhecimentos, estudou línguas (francês,

hebraico, inglês, iídiche), antropologia e formou-se em direito. Muito nova,

publicou seu primeiro romance, Perto do coração selvagem. Abraçou o

jornalismo com ardor, tendo trabalhado no Correio da Manhã, no Diário da

Noite e na Agência Nacional. Brilhou com uma escrita intimista, permeada de

fluxos de consciência e profunda introspecção. É compreensível que “sua

força estivesse na solidão” para produzir intensamente obras que dialogam

com as angústias e os conflitos existenciais: seus livros leem o leitor de forma

visceral, provocando verdadeira epifania (palavra tão apreciada por ela!) do

ser. De perto, todo coração é selvagem.

O romance A paixão segundo G.H. é a trajetória de uma mulher madura,

solitária, escultora nas horas livres, sem problemas financeiros, que parece

entorpecida para a realidade, até que um fato aparentemente banal, a decisão

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