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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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selfs; as experiências vividas como homem no passado e como mulher nos

séculos XIX e XX dão-lhe uma sensação de completude, de compreensão

alargada do gênero humano; a mudança de sexo é fator irrelevante, o que está

em jogo é a expressão do eu na existência. Várias vezes, mergulha em torpor

inconsciente. Dada à sua nova condição feminina, sente na pele a inibição, a

insegurança para mostrar seu poema para uma avaliação crítica, mas percebe

rapidamente o poder que como mulher exerce sobre os homens. Interessante

observar que não importa que o personagem seja ele ou ela, a época que

esteja vivendo, o local, sua companhia frequente é a solidão, imprescindível

para sua autoavaliação e criação. O narrador-biógrafo afirma: “Orlando

naturally loved solitary places, vast views, and to feel himself for ever and

ever alone” [Orlando naturalmente amava lugares solitários, paisagens

amplas e sentir-se para sempre sozinho]. Há também a ironia por parte do

narrador-biógrafo ao comentar sobre o novo estado de Orlando, agora como

mulher: “When we are writing the life of a woman, we may, it is agreed,

waive our demand for action, and substitute love instead. Love, the poet said,

is woman’s whole existence” [Ao escrever sobre a vida de uma mulher, é

provável, segundo consenso, que tenhamos de abrir mão da possibilidade de

exigência de ação e substituí-la por amor. O amor, diz o poeta, é toda a

existência da mulher]. Ora, Orlando mulher deixa-se levar pelo espírito da

época em que está vivendo. Há um momento em que sente a necessidade de

encontrar um marido, e este praticamente cai aos seus pés. Há a constatação

paradoxal de que ambos se perguntam se o outro é de fato o seu gênero.

Assim como Virginia Woolf, em dado momento do seu romance Orlando:

uma biografia, escreve sobre a solidão do homem, o norte-americano William

Faulkner, nascido no “Deep South”, sul dos Estados Unidos, isto é,

Mississippi, ganhador de vários prêmios literários, inclusive o Nobel de

Literatura em 1949, escreveu sobre a solidão extrema da mulher em um conto

intitulado “A Rose for Emily” [Uma rosa para Emily, 1930, sem tradução em

português]. A história gira em torno de Emily Grierson, mulher aristocrata da

tradição sulista. Ela e a família são quase um mito para os habitantes da

cidade. Impedida de casar-se, pois o pai não achara pretendente algum à

altura da filha, praticamente reclusa após a morte dele, tendo por companhia

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