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Americanas. Além do mais, seus escritos revelam não apenas a esposa, a mãe,
mas a mulher-amante. É o caso do conto “A tempestade”, em que a
personagem feminina, Calixta, casada, se envolve sexualmente com um
antigo beau (admirador) de nome Alcée Laballière, durante uma tempestade.
Também em O despertar, a personagem comete adultério e deixa entrever que
sabe muito bem o que quer e que seu casamento era absolutamente
inexpressivo. No trecho “The voice of the sea is seductive, never ceasing,
whispering, clamoring, murmuring, inviting the soul to wander in abysses of
solitude” [A voz do mar é sedutora, nunca cessa, um sussurro, um clamor,
um murmúrio, um convite a vaguear nas fossas abissais da solitude],
constata-se o frêmito sensual de deixar-se arrebatar pelo desejo da solidão
eloquente. No conto “A história de uma hora” fica patente que a
protagonista, Louise Mallard, se sente liberta (ainda que culpada) ao tomar
conhecimento da morte do marido, Brantley Mallard, em um desastre de
trem. A princípio, derruba lágrimas sentidas; depois, sozinha, diante da
janela aberta, dá-se conta de que, se antes temera os anos que poderiam se
alongar à sua frente, subitamente, liberta das obrigações do casamento, da
imposição da vontade do marido sobre a sua vontade, deixa-se embalar pela
primavera que se anuncia, pela vida que lateja em suas veias e repete
baixinho para si própria: “Livre, livre”. Sua irmã, temerosa de que a dor da
perda do marido pudesse provocar danos ao seu coração frágil, insiste para
que Louise abandone o isolamento do quarto onde se trancara. Ao abrir a
porta, ela aparece confiante, como se fora a própria deusa Vitória; as duas
mulheres começam a descer a escada e, nesse momento, Brantley Mallard
entra, sem saber que fora julgado morto. Louise sofre um ataque cardíaco e
morre. Segundo os médicos, a alegria da emoção de rever o marido fora fatal.
Ironia. A perspectiva de solitude sensualmente antevista e sentida de
libertação fora apenas um sonho; o pesadelo da volta inesperada do marido, a
realidade chocante. É compreensível que Kate Chopin causasse desconfiança
nos leitores do século XIX. Suas concepções de casamento, vida em família,
filhos, estavam muito à frente de seu tempo.
Embora repetidas vezes na história a mulher fosse oprimida e reprimida,
algumas conseguiram manifestar vontade férrea para vencer os obstáculos de