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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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anos, não procura mais grandes feitos. Não “sonha mais com tempestades,

mulheres, grandes peixes, nem mesmo com a esposa”. Está em paz. Agora,

ele “sonha com leões numa praia, brincando como gatinhos”. A natureza

representada pelos pássaros, pelo mar, pelos peixes é uma natureza amistosa

para Santiago. Ele tem genuíno respeito por ela. A luta que o velho pescador

trava com o grande peixe é disputa em que, segundo ele, deve vencer o

melhor. Em nenhum momento, Santiago sente raiva de seu oponente, chega a

considerá-lo quase como um “irmão”. Sabe que sairá vitorioso no final,

lamenta ter de matar, dar o golpe derradeiro na cabeça do marlim. Admira o

peixe até o último instante de luta. Após prendê-lo ao barco, para levá-lo de

volta à praia, empenha-se ao máximo para afastar os tubarões que seguem a

trilha de sangue deixada pelo animal ferido. Considera uma indignidade o

enorme peixe ser devorado pelos predadores incansáveis. Convém salientar

que o fato de o velho estar sozinho no barco e lutar por dias com o enorme

peixe confere grandeza à façanha de Santiago. Ao voltar para casa, a única

coisa que sobrou do peixe foi a grande carcaça, mas o pescador acredita que

ele foi “destruído”, mas não “derrotado”. Santiago também, pois os anos lhe

roubaram o vigor, destruíram seu corpo, seu rosto, mas os olhos cor de

esperança continuaram vivos, sem indício algum de derrota; a solidão

imposta pelo tempo, pelas circunstâncias, tornou-o vitorioso, no final. Ele

consegue recuperar a admiração dos outros pescadores, e o menino Manolin

lhe é devolvido para sair em novas pescarias.

Claro, existe a refinada solidão filosófica. É o caso da solidão buscada por

Ralph Waldo Emerson, filósofo, ensaísta e poeta norte-americano. Um dos

criadores do movimento transcendentalista na literatura que brotou na Nova

Inglaterra acreditava que “é na solidão que se encontra o trabalho da criação,

porque o homem, embora ainda novo, mas tendo já provado a primeira gota

da taça do pensamento, acha-se por isso dissipado, enquanto as árvores e

avenças parecem incorruptas” (tradução de Carolina Nabuco). A observação

do particular, uma folha, pode, pela intuição, levar à complexidade do todo,

do macrocosmo? A solidão da floresta é criadora, motivadora de insights

inspiradores. Emerson é encantado com o trabalho de criação da Divindade.

“A delicadeza de um floco de neve caindo silenciosamente, simplesmente

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