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culpa vergonhosa. Jim se sente duplamente covarde, uma vez que, quando
ainda era cadete, hesitara em jogar-se ao mar para salvar náufragos, perdera
a oportunidade de ato heroico, acreditando que haveria outro momento para
provar seu valor. No episódio do Patna, por erro de cálculo, abandonara 800
pessoas ao seu infortúnio. Não importava que elas tivessem sobrevivido; ele,
Jim, não sobreviveu ao julgamento de si próprio, tornando-se um errante
solitário. No final do romance, ele é pela terceira vez derrotado pela sua
tibieza: avaliando mal a atitude de uma raposa mercenária, leva o vilarejo de
Patusan à tragédia. Embora tivesse granjeado a estima dos habitantes do
lugar, ao ajudá-los contra um tirano local, daí a alcunha de Tuan, Senhor, em
virtude de seu erro e crença, o filho (seu amigo) do líder local é assassinado;
em decorrência de sua culpa é expulso, hesita em partir e acaba morrendo. Na
realidade, ao ficar em Patusan, procurou a morte deliberadamente. Nas
palavras do principal narrador da história, Marlow, “he was one of us” [ele
era um de nós], ou seja, em sua fraqueza, nos irmanava a todos. É
interessante realçar que o próprio nome do vilarejo perdido no Oriente,
Patusan, contém as letras “u” e “s”, que juntas em inglês significam “nós”
(nós e nossa fraqueza), e Patan, a repetição, em letras trocadas, do Patna,
palco de sua segunda covardia. Para Jim, não há escapatória de sua
consciência acusadora, o terceiro fracasso somente será expiado pela morte
redentora.
Solidão obsessiva e amaldiçoada por uma monomania? O capitão Ahab do
romance Moby Dick, de Herman Melville, corporifica o modelo. É a solidão
autoimposta, arquiteta da vingança, isto é, um homem marcado pelo desejo
compulsivo de lutar contra um espécime da Natureza, Moby Dick, a baleiabranca
que lhe roubara uma das pernas. Ele passa quase o tempo todo
invisível para sua tripulação, isolado em sua cabina no Pequod, perdido entre
mapas cartográficos. Ahab é um titã incansável. Ninguém nem nada consegue
demovê-lo da caça à baleia assassina. Existe na história de Melville uma
verdadeira animização da baleia: ela parece ser uma criatura pensante
maldita. Mesmo sendo avisado de que vencer tal monstro é humanamente
impossível, Ahab não desiste, é como se assumisse a luta contra a própria
natureza criada por Deus. Ao fim e ao cabo, perece, bem como todos os