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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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culpa vergonhosa. Jim se sente duplamente covarde, uma vez que, quando

ainda era cadete, hesitara em jogar-se ao mar para salvar náufragos, perdera

a oportunidade de ato heroico, acreditando que haveria outro momento para

provar seu valor. No episódio do Patna, por erro de cálculo, abandonara 800

pessoas ao seu infortúnio. Não importava que elas tivessem sobrevivido; ele,

Jim, não sobreviveu ao julgamento de si próprio, tornando-se um errante

solitário. No final do romance, ele é pela terceira vez derrotado pela sua

tibieza: avaliando mal a atitude de uma raposa mercenária, leva o vilarejo de

Patusan à tragédia. Embora tivesse granjeado a estima dos habitantes do

lugar, ao ajudá-los contra um tirano local, daí a alcunha de Tuan, Senhor, em

virtude de seu erro e crença, o filho (seu amigo) do líder local é assassinado;

em decorrência de sua culpa é expulso, hesita em partir e acaba morrendo. Na

realidade, ao ficar em Patusan, procurou a morte deliberadamente. Nas

palavras do principal narrador da história, Marlow, “he was one of us” [ele

era um de nós], ou seja, em sua fraqueza, nos irmanava a todos. É

interessante realçar que o próprio nome do vilarejo perdido no Oriente,

Patusan, contém as letras “u” e “s”, que juntas em inglês significam “nós”

(nós e nossa fraqueza), e Patan, a repetição, em letras trocadas, do Patna,

palco de sua segunda covardia. Para Jim, não há escapatória de sua

consciência acusadora, o terceiro fracasso somente será expiado pela morte

redentora.

Solidão obsessiva e amaldiçoada por uma monomania? O capitão Ahab do

romance Moby Dick, de Herman Melville, corporifica o modelo. É a solidão

autoimposta, arquiteta da vingança, isto é, um homem marcado pelo desejo

compulsivo de lutar contra um espécime da Natureza, Moby Dick, a baleiabranca

que lhe roubara uma das pernas. Ele passa quase o tempo todo

invisível para sua tripulação, isolado em sua cabina no Pequod, perdido entre

mapas cartográficos. Ahab é um titã incansável. Ninguém nem nada consegue

demovê-lo da caça à baleia assassina. Existe na história de Melville uma

verdadeira animização da baleia: ela parece ser uma criatura pensante

maldita. Mesmo sendo avisado de que vencer tal monstro é humanamente

impossível, Ahab não desiste, é como se assumisse a luta contra a própria

natureza criada por Deus. Ao fim e ao cabo, perece, bem como todos os

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