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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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Somente depois de duas décadas, Crusoé faz contato com um cativo que ele

salvara das mãos de canibais que faziam “refeições” na ilha. Em

agradecimento, o jovem, que será chamado de Sexta-feira, por ter sido

encontrado em uma sexta-feira, torna-se um fiel subordinado de Crusoé,

aprende inglês e se deixa cristianizar. O fato de Crusoé passar tanto tempo

“desterrado” na ilha possibilitou-lhe o autoconhecimento e a descoberta de

talentos desconhecidos: fé fortalecida e criatividade (aprendeu a plantar para

se alimentar, construiu um abrigo para se proteger dos elementos e exerceu

dons de “diplomacia” para se salvar de situações conflitantes, haja vista o

caso dos amotinados do navio inglês). Enfim, surge a solidão produtiva.

Há outro tipo clássico de solidão na literatura. A solidão imposta pela culpa

torna seu portador um pária de si mesmo, para ele a redenção é impossível.

Nada, absolutamente nada, conseguirá diminuir a dor da vergonha

inominável. É o caso de Jim, imediato do Patna, embarcação que transportava

800 peregrinos muçulmanos rumo à Meca, do romance Lord Jim, do autor

polonês Joseph Conrad, ele mesmo experimentado homem do mar. Tendo

começado a aprender inglês aos 21 anos, aos 29 tornou-se cidadão britânico e

passa a escrever na língua do país que o adotara. Publicou vários romances e

contos que lhe deram destaque na literatura inglesa. O personagem Jim,

espírito romântico, sonhador, dotado de “uma sensibilidade invulgar”, é

levado ao mar mais pela influência de livros do gênero do que por inclinação

autêntica. Já oficial da marinha mercante, após ter-se recuperado de um

acidente em alto-mar, Jim junta-se a quatro outros oficiais num navio

enferrujado no mar da Arábia. Durante a viagem, em noite tranquila, a

embarcação bate em destroços flutuantes e sofre severa avaria. Como

houvesse somente dois barcos salva-vidas, e ao que tudo indicava o naufrágio

fosse iminente, os quatro oficiais corruptos fogem, convencendo Jim a ir com

eles. Posteriormente, ao chegar à terra, descobrem que o navio não afundara.

Jim é o único levado a julgamento, os demais evadem-se. A partir de então,

começa seu suplício: aceitando empregos humildes, buscando

desesperadamente o anonimato nos mais distantes portos do Oriente. Uma

característica o distingue exteriormente: está sempre vestido de um branco

imaculado, como se a alvura das roupas conseguisse apagar-lhe a mancha da

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