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mãe está mais interessada nos clamores do sexo, uma vez que se deixa
envolver pelo astuto e libidinoso Cláudio, do que pela intimidade com o filho;
Rosencrantz e Guildenstern, “amigos” de infância e de universidade, na
realidade não são amigos verdadeiros, pois espionam Hamlet para descobrir
suas intenções e relatá-las ao rei. O único personagem que parece expressar
equilíbrio, dignidade, caráter e fraternidade para Hamlet é Horácio, colega de
Wittenberg, mas nem mesmo ele tem influência eficaz nas atitudes do
príncipe. Hamlet é o exemplo por excelência da solidão causada pela
consciência em seu grau mais apurado. Apenas em um amigo encontrou
refúgio da melancolia solitária que expressa em tantos versos.
Dom Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura de Miguel de Cervantes,
personifica a solidão idealista de um fidalgo arruinado. Desiludido com o
mundo, enamorado de livros de cavalaria, leitor voraz dos feitos e glórias de
outrora, torna-se solitário em seus sonhos. O magro fidalgo acorda, certo dia,
convicto de que é um verdadeiro herói medieval e busca imitar cavaleiros
fictícios como Amadis de Gaula ou reais como Rodrigo Díaz de Vivar, El Cid.
Com tal consciência fictícia, sai, montado em Rocinante, em busca de
aventuras tendo ao seu lado o fiel escudeiro Sancho Pança, combatendo
moinhos de vento, defendendo oprimidos, donzelas em perigo, oferecendo
suas vitórias e façanhas à amada de seu coração, Dulcineia. É claro que Dom
Quixote não poderia deixar de ter sua Dulcineia, uma vez que Amadis tinha
sua Oriana e Dom Rodrigo, sua Jimena. Alonso Quijano era solitário em seus
devaneios literários; seu alter ego, Dom Quixote, é mais solitário ainda: só ele
crê ser um cavaleiro autêntico, e paradoxalmente, em seu idealismo puro, ele
é mais cavaleiro do que qualquer outro que o precedeu. Sua grandeza é tal que
pode figurar exemplarmente ao lado de um Rinaldo, de um Godofredo de
Bulhões, figuras eméritas de Orlando furioso de Ariosto e de Jerusalém libertada
de Torquato Tasso.
Saindo da Espanha moderna, vamos às colônias. Cem anos de solidão, do
colombiano Gabriel García Márquez, ilustra, entre os vários temas presentes
na obra, a questão da solidão egoísta. O novo cenário é Macondo, cidade
fictícia e isolada do resto do mundo, palco de sete gerações sucessivas de uma
família, em que a repetição de nomes, histórias ora trágicas, ora cômicas