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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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chamaria de daimon, algo dentro de você, seu gênio único e consciente.

Solidão pode ser boa e produtiva, tranquilizadora e até essencial.

Voltaremos ao tema em outro capítulo. Da mesma forma, a companhia de

outras pessoas é essencial. Primeiro porque só com a convivência eu percebo

a alteridade, a diferença, os limites de cada ser. Vimos com o exemplo inicial

de Adão no Paraíso: a consciência de quem ele era veio com Eva. Conviver

com a diferença em qualquer campo é um salto na sua própria consciência.

Menos popular e igualmente importante, o atrito dentro de certos limites

razoáveis estabelece uma fronteira ao meu narciso ou a diminuição do

sentimento de vaidade e de onipotência. Viver com outros é negociar. Grupos

de pessoas são pedras sendo limadas e roladas pelo exercício da convivência.

A diferença, os ritmos distintos, a busca de consensos ou de diálogos, os

enfrentamentos: tudo se constitui em escola vital. A companhia é um alívio e

também uma dificuldade. No prazer da fruição do outro e no próprio atrito da

fruição está parte do segredo de se conhecer e não ser dominado pelo

egocentrismo.

Sim, existem pessoas muito parecidas comigo em gostos, ritmos, prazeres

e rejeições. Tenho tido o prazer de encontrar seres assim na minha trajetória

que, em uma faceta ou em várias, parecem muito próximos e muito

próximas. O pensamento romântico batizou o ideal de proximidade de “alma

gêmea”. Ainda que alguém goste exatamente do que estimo, Bach e

Shakespeare, por exemplo, que tenha um ritmo similar para fazer coisas, que

se entusiasme em momentos parecidos e mantenha um código de ética

parecido, nunca serei igual a outro ser. Mesmo na identidade de valores, a

diferença sempre existirá, pois ela é um dado humano. Nas relações com

pessoas que você ama ou amou, por mais que elas sejam ou tenham sido

intensas, certamente há ou houve algum tipo de atrito. Se existem almas

gêmeas, nunca são univitelinas, apenas fraternas, próximas; não xifópagas,

similares, e nunca fac-similares.

Aqui lanço minha ideia, querida leitora ou estimado leitor. Recapitulo: a

solidão pode ser um exercício contemplativo muito bom e um ponto de

crescimento. O convívio também pode ser rico pela diferença e pelo atrito em

si. As redes sociais não oferecem o isolamento necessário para o crescimento

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