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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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pesquisa de 2009 disse que buscávamos o local para interagir nele, quase

acertou. Buscamos o familiar, o igual, o que nos agrada. Criamos círculos

viciosos de afeto e de sociabilidade baseados em likes e emojis raivosos. Você

vota em fulano? Te odeio. No ciclano? Te amo, pois é o meu voto. Gosta de

tais filmes, assiste a essas séries, lê blogs como esses, assiste a youtubers do

estilo do beltrano? Você é inteligente, de bom gosto e meu amigo. Caso

contrário, te bloqueio. Simples. A isso, chamamos hoje de amizade. As redes

sociais podem reunir multidões e ter potencial agregador e mobilizador, mas

sua função revelou-se muito mais simplória: serve, antes de mais nada, para

reafirmar o self, criar a ilusão da companhia, o vício da curtida. A amizade,

como no mundo antigo, pode demolir sociedades, só se efetiva diante de

alguém igual a mim. A baliza da minha superioridade moral, contudo, passou

a ser decidida também por mim e ratificada pelas minhas comunidades

virtuais. O tempo saiu da equação da amizade. Conhecer alguém a fundo

tornou-se supérfluo, talvez impossível e indesejável. As pessoas incomodam,

corto. A experiência do ser no mundo, de viver, sem dúvida, diminuiu. A

previsão do Pew Institute era de que a rede aumentaria meu contato com o

outro, ampliaria meu leque de vivências. Ledo engano. Vivemos,

perfeitamente felizes, em ilhas que cabem em nossas mãos.

Celular é nossa praia protegida por senha, que pode ser palmilhada por

Robinson Crusoé isolado ou selecionar uma sexta-feira disponível. A

genialidade do aparelho e a base do seu sucesso compõem esse mecanismo:

regulo quem me faz companhia, administro meu silêncio e posso reger quais

imagens quero criar para tornar real meu roteiro imagético para o público.

Tudo está reunido em um único aparelho! Ah, se o prisioneiro da máscara de

ferro da imaginação de Alexandre Dumas tivesse tido a chance de fazer selfies,

sua solidão teria sido tão menos cruel! Ou teria sido maior?

Muitas outras pesquisas mostram o oposto da de 2009. Todas são

unânimes em apontar as redes como vício, como comportamento obsessivo.

Em outras palavras, ninguém está nos dizendo para abandonarmos celulares

e computadores, mas para refletirmos sobre como os usamos. O cerne da

questão parece ser muito maior. Um clássico da sociologia, publicado em

1950, já alertava os pais de baby boomers sobre o efeito que estou descrevendo.

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