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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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interessante está meu momento. Controle absoluto das relações pelos dedos.

Não preciso negociar. Não prolongo a existência de chatos. Não preciso

suportar ninguém. Desagradou? Clico e pronto. Agrediu? Bloqueio e pronto.

Não desejo dar a resposta pedida? Ignoro. O mundo virtual instalou uma

catraca na caverna de Platão. Não apenas opto pelo real lá fora ou pelas

imagens bruxuleantes da caverna. Posso até decidir tornar as imagens parte

do meu real. Sou eu que decido onde o sol exterior brilhará. Posso até

melhorar o sol platônico com um bom Photoshop.

No final da sua carreira, Shakespeare escreveu a peça A tempestade. Na ilha

comandada pelo poder do duque Próspero, seres mágicos como Ariel

produzem ilusões como fazer crer que existe uma mesa de banquete onde

nada há. A filha do duque, a doce e ingênua Miranda, ao ouvir falar de lugares

além do seu isolamento insular, pensa no “admirável mundo novo” que ela

ainda desconhece.

No século XX, Aldous Huxley pega a frase de Miranda para batizar sua

distopia. No mundo do livro, existe uma droga feita para impedir a tristeza.

Todos possuem funções predeterminadas, e a droga impede qualquer tom de

cinza na vida. Uma sociedade intoxicada quimicamente para parecer feliz: a

profecia de Huxley é assustadora.

A internet encontrou as duas coisas para nós: a magia ilusionista de

Próspero e a droga da felicidade de Huxley. Aí está um admirável mundo novo

que poderia eliminar toda solidão. Será?

Livre para bloquear, livre para fantasiar e livre para insultar, a

comunicação virtual deveria ter libertado a todos da solidão ou dos riscos dos

espinhos. Deveríamos todos ter um grau de felicidade muito grande,

especialmente entre jovens que usam esse recurso para escapar da solidão. Há

magia, poder, ilusão de primeira qualidade e muita droga feliz. Deveríamos

estar cobertos de felicidade.

O que notamos entre tantos sorrisos e vidas plenas das redes? Vivemos

uma perigosa epidemia de suicídio entre jovens. A depressão está se tornando

um mal mais forte na nossa era. Já indiquei o crescimento assombroso da

farmacopeia contra a tristeza. O que pode explicar esse paradoxo?

Para responder a essas perguntas, analisemos um debate que existe desde

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