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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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justa e equilibrada.

Buscarei outra diferença importante: o mundo virtual é mais controlável,

em média, do que o físico presencial. Você está sozinho e chega um chato. A

definição mais clássica de um chato é a que diz que se trata de um sujeito que

lhe retira da solidão sem oferecer companhia. É difícil escapar dele em casa,

no trabalho ou na rua. Os chatos são onipresentes. Agora, nas mensagens

virtuais, você pode ignorar o chato, fazer de conta que não leu, alegar que o

firewall barrou algo, você pode bloquear ou deletar.

Eu disse antes que o real e sua percepção podem variar muito. O que

mudou e não é tão relativo ou subjetivo é o poder que o mundo virtual

confere. A autonomia do internauta é maior do que a de alguém que recebe

uma visita física em casa. Assim, preciso negociar menos na internet, posso

manter minha vontade mais altiva e soberana. Sem o esforço de burilar

minha paciência, meu eu soberano pode flanar vitorioso nos circuitos da rede.

Meu dedo é um demiurgo e, a um simples clique, redefine meu círculo de

amigos. Curto, descurto, interrompo, bloqueio, deleto: tudo faz parte de uma

dinâmica nova.

Há um poder do dedo e do narciso enorme. Há outro dado interessante:

por mais que eu possa usar roupas, maquiagem, disfarces e cortinas de

fumaça, no encontro real eu estarei lá. No virtual, posso assumir uma

fantasia completa, mudar de gênero, criar perfil falso e redefinir-me de

acordo com meus desejos e medos. Esse é o segundo grande poder do

relacionamento virtual.

O terceiro poder é o mais sutil: a diluição da responsabilidade. Tenho o já

referido poder libertador do dedo, assumo a fantasia sem limites e, por fim,

posso insultar, gritar, espernear sem medo: não existe risco físico. Existe

cyberbullying, sim, porém que ataque um avatar fantasma pode sofrer? A

internet possibilita a inimputabilidade em grau maior do que o que

conhecíamos até aqui.

Liberdade para entrar e sair da solidão pelo recurso das redes. Fotos minhas

fluindo em selfies incessantes exibindo como exulto com a vida e que

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