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A amizade tinha que ser uma epifania lenta. Uma conversa genuína com um
amigo era uma dissecação anatômica da alma.
De concepções antigas e modernas, uma lógica da amizade persistiu: o
tempo. Não se criam amigos de um dia para o outro, pensávamos. Amigos
demandam história, repertório de casos, vivências em conjunto. Amigos
precisam viajar juntos. Assim, os afetos integram a vida das respectivas
famílias. Amigos acompanham nossos sucessos e fracassos amorosos,
choram e riem com nossa biografia. Amigos precisam de cultivo constante.
Todo amigo é, dialeticamente, um frágil bonsai e frondoso carvalho. Nesse
sentido, pensávamos, quem adicionei ontem na minha rede social é um
fantasma, um fóton, jamais um amigo. Lembremos o conselho sábio dado por
um tolo. Polônio prescreve ao filho Laertes, na peça Hamlet: “Os amigos que
tens por verdadeiros, agarra-os a tu’alma em fios de aço; mas não procures
distração ou festa com qualquer camarada sem critério”.
As rupturas geracionais são muito fortes no século XXI. Não se trata mais
de velhas e novas gerações somente, todavia de mudanças verificáveis no
espaço de poucos anos entre um salto tecnológico e outro. Com eles e por
meio deles, podemos ver que existe uma maneira distinta de perceber afetos.
Sociabilidade, corporalidade e diálogos se mostram distintos entre alguém X
ou Alpha. Não se trata mais de domínio de aparelhos, apenas, mas de
maneiras de ser no mundo radicalmente distintas.
Dois jovens de 16 anos se encontram. Eles conversam, ainda que, na maior
parte do tempo, fiquem digitando, enviando fotos ou atualizando seus perfis.
Para eles, não existe uma deficiência no encontro. O amigo à sua frente não
estaria sendo desprezado ou inferiorizado diante da concorrência da tela. De
alguma forma que me escapa, realizam um encontro, satisfatório para ambos.
Prefere olho no olho aos emojis? Há uma chance de você ser mais velha ou
mais velho.
A diferença central não está contida em virtual ou real, porém na
percepção do que venha a ser real. Sempre é preciso insistir: a ideia de
realidade varia de geração a geração. Todas as gerações sempre consideraram
que a sua atitude era a mais sensata. Descartes advertiu que bom senso seria
a virtude mais bem distribuída do mundo, pois todos acham sua dose pessoal