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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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Essa contradição parece cruel. A demanda pela representação está em

contradição com a realidade. A solidão perdeu, inclusive, seu papel de

equilíbrio e reflexão, passando a ser dominantemente vista como estigma.

Assim, para encaminhar a uma conclusão o primeiro capítulo, temos de

entender a solidão sob o novo prisma da felicidade como imperativo

categórico. Estar com amigos, família, namorados e namoradas, amantes,

maridos e esposas é visto como um quadro obrigatório. Uma pessoa jantando

sozinha no restaurante é tida por infeliz, mesmo que os casais ao lado do

solitário ou da solitária estejam focados em seus celulares o tempo todo.

Passaria pela cabeça de alguém uma noite de Natal ou de Ano-Novo em

completa solidão? Pouco provável na nossa concepção atual.

A solidão como defeito é tema quase unânime. Não existe o termo

“casadona”, mas abunda o pejorativo “solteirona”. O homem e a mulher

solteiros na maturidade, mesmo com tudo aquilo que caminhamos na

superação de estereótipos e papéis fixos, continuam sendo vistos com

reservas.

Eis, queridas leitoras e estimados leitores, alguns pontos sobre a solidão

que desenvolveremos nos capítulos seguintes. Do Gênesis à família vitoriana,

das redes sociais ao mundo contemporâneo e suas representações, temos de

lançar um olhar sincero para a ideia de solidão, o tema recalcado, reprimido e

denegado. As perguntas básicas giram ao redor de eixos já compreendidos por

sua intuição: como respondo ao dilema do porco-espinho? A solidão

acompanhado é mais cruel do que a solidão sem outra pessoa? Quem eu

realmente sou quando estou sozinho ou a dois ou em grupo? Alguém, alguma

vez, já deixou de estar sozinho ou somente criamos opiáceos, paliativos como

o casamento, para ocultar a realidade assustadora de que estamos

irremediavelmente sós? Não é bom que o homem esteja só, porém a partir do

fim da solidão iniciou-se o jogo complexo que levou ao pecado, ao homicídio,

aos atos infames e tantos outros males. Apenas sem nenhum outro ser

humano Adão foi perfeito. Depois, temos mentiras, queda, sofrimento e dores

dos choques dos homens entre si. Crescei e multiplicai-vos ao lado da

contraditória afirmação de que ninguém conhece paz verdadeira em vida. A

ideia que descrevi parece ser a forma bíblica do dilema do porco-espinho de

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