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Essa contradição parece cruel. A demanda pela representação está em
contradição com a realidade. A solidão perdeu, inclusive, seu papel de
equilíbrio e reflexão, passando a ser dominantemente vista como estigma.
Assim, para encaminhar a uma conclusão o primeiro capítulo, temos de
entender a solidão sob o novo prisma da felicidade como imperativo
categórico. Estar com amigos, família, namorados e namoradas, amantes,
maridos e esposas é visto como um quadro obrigatório. Uma pessoa jantando
sozinha no restaurante é tida por infeliz, mesmo que os casais ao lado do
solitário ou da solitária estejam focados em seus celulares o tempo todo.
Passaria pela cabeça de alguém uma noite de Natal ou de Ano-Novo em
completa solidão? Pouco provável na nossa concepção atual.
A solidão como defeito é tema quase unânime. Não existe o termo
“casadona”, mas abunda o pejorativo “solteirona”. O homem e a mulher
solteiros na maturidade, mesmo com tudo aquilo que caminhamos na
superação de estereótipos e papéis fixos, continuam sendo vistos com
reservas.
Eis, queridas leitoras e estimados leitores, alguns pontos sobre a solidão
que desenvolveremos nos capítulos seguintes. Do Gênesis à família vitoriana,
das redes sociais ao mundo contemporâneo e suas representações, temos de
lançar um olhar sincero para a ideia de solidão, o tema recalcado, reprimido e
denegado. As perguntas básicas giram ao redor de eixos já compreendidos por
sua intuição: como respondo ao dilema do porco-espinho? A solidão
acompanhado é mais cruel do que a solidão sem outra pessoa? Quem eu
realmente sou quando estou sozinho ou a dois ou em grupo? Alguém, alguma
vez, já deixou de estar sozinho ou somente criamos opiáceos, paliativos como
o casamento, para ocultar a realidade assustadora de que estamos
irremediavelmente sós? Não é bom que o homem esteja só, porém a partir do
fim da solidão iniciou-se o jogo complexo que levou ao pecado, ao homicídio,
aos atos infames e tantos outros males. Apenas sem nenhum outro ser
humano Adão foi perfeito. Depois, temos mentiras, queda, sofrimento e dores
dos choques dos homens entre si. Crescei e multiplicai-vos ao lado da
contraditória afirmação de que ninguém conhece paz verdadeira em vida. A
ideia que descrevi parece ser a forma bíblica do dilema do porco-espinho de