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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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argumento fosse válido, não se aplica: Stephen Slevin ficou dois anos

confinado em isolamento no Novo México após ser pego dirigindo bêbado.

Extraiu seus próprios dentes na solitária após ter tratamento odontológico

negado. Ganhou ação na justiça e recebeu 22 milhões de dólares de

indenização.

O filme O segredo dos seus olhos (Juan José Campanella, 2009), também

explorado no estudo de Baptista, narra uma história terrível de vingança.

Para punir um homem que violentou e assassinou sua esposa, o personagem

central (interpretado por Ricardo Darín) prende o malfeitor e o isola. Diante

da punição pela solidão, o bandido termina dizendo: “Por favor, peça a ele

que ao menos fale comigo”. Ao menos fale, ao menos se comunique, pelo

menos impeça a solitária radical e total. Aceito as grades, repudio o silêncio.

Nada mais humano do que a frase dita pelo encarcerado.

Por fim, resta-nos pensar sobre uma última forma de punir com a solidão. No

caso da solitária, a privação do contato com outros seres humanos se dá

vetando, em casos extremos, qualquer comunicação, o direito de se mexer, de

ver a luz do dia. No caso que nos cabe agora, o desenraizamento é a punição.

Trata-se da expatriação, do degredo, do exílio, do banimento. John Simpson

escreveu que “a experiência definidora do exílio é ser arrancado do lugar, da

família, de todo o agradável e familiar, e pela força ser lançado em um mundo

frio e hostil, seja porque o agente da expulsão fosse um anjo de Deus ou a

NKVD de Stálin. A palavra em si abrange conotações de dor e de alienação, da

entrega da pessoa à angustiante força de anos de infrutífera espera. Foi Victor

Hugo quem afirmou que o exílio é ‘um longo sonho de [retorno à] casa’”.

Há registros claros de práticas dessa natureza desde a Grécia antiga, pelo

menos. Lá, o ostracismo e o exílio eram previstos desde a ascensão das

reformas democráticas, ainda nos tempos do legislador Dracon. A primeira

pena era eminentemente política e restringia-se a um período de dez anos

nos quais o cidadão punido pela Assembleia popular perdia os direitos

políticos e tinha que se retirar da cidade de Atenas. O exílio era mais duro e

podia ser autoimposto (quando o acusado jurava não mais voltar diante de

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