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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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para depois falar dela. Por que e quando começamos a prender as pessoas

como fazemos hoje?

Desde a Antiguidade até o século XVII ou XVIII, a prisão não era a pena

mais óbvia aos criminosos. Punições pecuniárias, castigos corporais e a pena

de morte constituíam a base dos sistemas penais europeus (e foram

exportados para as Américas). Prender uma pessoa tinha papel mais

preventivo que punitivo. Associava-se crime a pecado, logo, comportamentos

viciados eram preventivamente presos com receio de que viessem a praticar

crimes graves. Um bêbado era “recolhido” antes que cometesse um crime,

por exemplo. Era o tempo das “casas de correção”, surgidas em lugares com

Holanda e Inglaterra, que combinavam assistência social aos desfavorecidos e

pobres a trabalhos forçados e correção penal, reunindo numa mesma

instituição criminosos, mendigos, prostitutas, órfãos, doentes mentais e

outros vistos como párias. A partir do século XVI, uma pequena mudança

aconteceu, e as prisões passaram a ser cada vez mais administradas por

carcereiros particulares que deviam ser pagos pelos próprios condenados.

Logo, pessoas ricas e nobres tinham uma vida na prisão com certo conforto,

ao passo que a maioria mais pobre vivia em condições lastimáveis em

masmorras abarrotadas. Não havia separação por delitos, idade e, em alguns

casos, nem sequer gênero. Durante o Século das Luzes, diante dessa condição

de penúria, outras sensibilidades passaram a ser exigidas, e vimos ocorrer

uma série de reformas na legislação penal, modificando as formas de punir.

Michel Foucault, em Vigiar e punir, relaciona o surgimento das modernas

prisões à reforma penitenciária nos Estados Unidos no fim do século XVIII e

início do XIX. Até então, punir alguém podia ser (e quase sempre era) um

espetáculo público, com a utilização de métodos de execução que passaram a

ser considerados bárbaros. A guilhotina foi criada nessa lógica, como uma

forma de matar rápido e sem dor o condenado. Mais além, a praça pública

deixou de ser palco da punição, e, nesse sentido, as prisões se tornaram local

de punir por excelência. A privação da liberdade e as tentativas de correção

passaram a dar a tônica. Penas de morte ou torturas, admitidas em casos de

crimes violentos ou pecaminosos em excesso (como a traição), ainda eram

admitidas, mas então dentro do sistema prisional. A nova lógica buscava

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