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grande solidão da morte. Será esse o motivo de quase todos mostrarem certo
horror à solidão, pois ela antecipa o fim? Consolo da arte: daquele quarto de
um estertor desesperado, emerge uma coleção de imagens que rompem a
solidão da mão moribunda e, pela mão da arte, chega a nós, trazendo o grau
do terrível que desdenha destruir-nos, como Rilke definiu o belo. Suprema
contradição: ao compartilhar uma experiência comum a todos que nos
precederam no planeta, ao viver a morte em comunhão com milhões de
outros seres humanos que das cavernas ao espaço tiveram o mesmo destino,
sentimos isolamento total no maior momento de entrega ao humano
universal. É, de fato, o belo terrível, indesejado, inevitável e avassalador que
só pode encontrar uma única linguagem: a arte.
A morte é uma imensa cela solitária construída pela biologia inevitável.
Vamos ampliar. Fora do destino biológico, como criamos e impomos situações
de solidão?
De uma solidão não voluntária e tampouco saudável e criativa. Falo de uma
solidão social que chamei de cela solitária, pois lá confinamos e somos
confinados. No relacionamento, criamos jaulas de silêncio e, por vezes,
vivemos lá por toda a existência. No fim dela, a velhice e a proximidade da
morte trazem mais vida insular, um verdadeiro abandono. Podíamos inferir
que tais comportamentos são frutos de processos históricos, culturais. Vamos
além e pensemos quando a imposição da solidão se torna algo normativo,
legal. Punimos com a solitária. Já tangenciei a questão ao falar do isolamento
e da desumanização hospitalar ou em casas de repouso. Se fosse caminhar – e
talvez devesse – para as mazelas socioeconômicas, poderíamos falar da
solidão de quem vive nas ruas, embaixo de pontes e marquises. Vou para o
sistema prisional, punitivo e de sanções, porém.
Comecemos pelo óbvio. Reinach lembra-nos de que “a punição para quem
já está preso é a solitária. Não é para menos: somos animais sociais e a
ausência de convivência com outros seres humanos é extremamente penosa.
Ela provoca depressão, aumenta a agressividade, facilita o aparecimento de
doenças e pode levar ao suicídio”. Mas quero pensar antes da solitária em si,