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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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grande solidão da morte. Será esse o motivo de quase todos mostrarem certo

horror à solidão, pois ela antecipa o fim? Consolo da arte: daquele quarto de

um estertor desesperado, emerge uma coleção de imagens que rompem a

solidão da mão moribunda e, pela mão da arte, chega a nós, trazendo o grau

do terrível que desdenha destruir-nos, como Rilke definiu o belo. Suprema

contradição: ao compartilhar uma experiência comum a todos que nos

precederam no planeta, ao viver a morte em comunhão com milhões de

outros seres humanos que das cavernas ao espaço tiveram o mesmo destino,

sentimos isolamento total no maior momento de entrega ao humano

universal. É, de fato, o belo terrível, indesejado, inevitável e avassalador que

só pode encontrar uma única linguagem: a arte.

A morte é uma imensa cela solitária construída pela biologia inevitável.

Vamos ampliar. Fora do destino biológico, como criamos e impomos situações

de solidão?

De uma solidão não voluntária e tampouco saudável e criativa. Falo de uma

solidão social que chamei de cela solitária, pois lá confinamos e somos

confinados. No relacionamento, criamos jaulas de silêncio e, por vezes,

vivemos lá por toda a existência. No fim dela, a velhice e a proximidade da

morte trazem mais vida insular, um verdadeiro abandono. Podíamos inferir

que tais comportamentos são frutos de processos históricos, culturais. Vamos

além e pensemos quando a imposição da solidão se torna algo normativo,

legal. Punimos com a solitária. Já tangenciei a questão ao falar do isolamento

e da desumanização hospitalar ou em casas de repouso. Se fosse caminhar – e

talvez devesse – para as mazelas socioeconômicas, poderíamos falar da

solidão de quem vive nas ruas, embaixo de pontes e marquises. Vou para o

sistema prisional, punitivo e de sanções, porém.

Comecemos pelo óbvio. Reinach lembra-nos de que “a punição para quem

já está preso é a solitária. Não é para menos: somos animais sociais e a

ausência de convivência com outros seres humanos é extremamente penosa.

Ela provoca depressão, aumenta a agressividade, facilita o aparecimento de

doenças e pode levar ao suicídio”. Mas quero pensar antes da solitária em si,

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