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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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melhoria na alimentação e uma série de outros fatores expandiram a

quantidade de tempo de vida. Ferimentos e doenças fatais em outras épocas

são café-pequeno nos dias de hoje. Como não me canso de pensar, um

homem genial como Étienne de la Boétie morreu como o rei santo Luís de

França ou como o pirata e homem mais rico de sua época, Francis Drake: de

diarreia. Um simples tratamento com repositores de flora intestinal e uma

boa hidratação com soro poderia ter salvado quantas vidas. Consequência: o

fato de que morre-se com idade mais avançada deu aos jovens a ideia de que

são imortais e que morrer é coisa de velhos. Voltando a Elias: já velho quando

escreveu A solidão dos moribundos, e perfeitamente ativo, nadando todos os

dias e com boa desenvoltura física e mental, qual a pergunta que mais ouvia?

“Como você ainda consegue se manter saudável? Na sua idade? Você ainda

nada?” Concluía o estudioso: “Sinto-me um equilibrista, familiarizado com

os riscos de seu modo de vida e razoavelmente certo de que alcançará a

escada na outra ponta da corda, voltando tranquilamente a seu devido tempo.

Mas as pessoas que assistem a isso de baixo sabem que ele pode cair a

qualquer momento e o contemplam excitadas e um tanto assustadas”.

Juventude, ilusão de imortalidade e vigor infinito, individualização criaram

em nós a ideia (não necessariamente natural) de que a experiência da morte

seria um estágio final de um processo natural ordenado, no qual a velhice

pode ser postergada, evitada, até. Logo, alguém velho é um espelho do que

não quero encarar, da finitude, da morte. Não é à toa a solidão que se impõe

aos idosos em asilos, casas de repouso, suas próprias casas. Sua perda de

performance, sua falta de ligação com o mundo como ele é são naturalizadas

e alimentadas. O idoso torna-se aquilo que não quero de forma alguma: o

indício de seu próprio fim.

Nos anos 1980, Elias já falava no Homo clausus, um Homem fechado em

seu mundo interno, apartado do mundo externo. Se o sentido é algo histórico

e social, criamos a ilusão de que alguém pode ser exclusivo e único, sentir a

partir de um resultado permanente de autocontrole e de um processo de

individuação social. Bloqueamos afetos e impulsos naturais (homem não

chora, mulher não ri alto etc.). Produzimos, segundo o sociólogo,

sentimentos de solidão e isolamento emocional. Soma-se a essa lógica a ideia

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