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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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são também as minhas: “Mas será que a existência dessa droga é uma boa

notícia para os solitários do mundo? Não seria melhor curar a solidão

interagindo com os amigos, a família e outras pessoas do convívio social? A

solidão é um problema criado pela sociedade moderna. Será que ele deve ser

resolvido com uma nova droga ou com uma mudança de comportamento?”.

Tal coleção de questionamentos merece que a desdobremos em novas

formas de solidão social, tão perniciosas quanto a solidão a dois. Afirmei

várias vezes e volto a dizer: sempre houve solidão entre os humanos, mas,

hoje, ela também é uma condição moderna. Pesquisas mostram que estar só é

condição basilar de metade das pessoas com mais de 60 anos. Apenas para

compararmos: quando nossa espécie vivia em estágios primitivos, o grupo e a

interação dentro dele eram condições primordiais de existência. Se

estivéssemos sós ou sem amparo, morreríamos. Crânios e mandíbulas préhistóricos

de indivíduos idosos e sem dentes são escavados com razoável

frequência. Não são pessoas que morreram logo depois de perder a dentição,

mas após um longo tempo nessa condição. O que podemos provar com isso?

Que essas pessoas precisavam de cuidados para serem alimentadas e isso

exigia grupo, e não o isolamento do idoso.

Não é incomum que encontremos idosos em festas de família. O raro é

encontrarmos essa pessoa perfeitamente enquadrada nas conversas da

família. No geral, está sentada num canto, ouvindo os mais jovens ou nem

isso. Foi levada ao encontro, mas não foi convidada a falar, não encontrou

ninguém disposto a ouvir ou, depois de um tempo em que a situação se

repete, ela própria talvez nem queira mais falar. O mundo que nos formou

morre antes de nós. Quando nos tornamos velhos, nossas referências de

mundo já caducaram. Alguém com 90 anos ouviu Carmen Miranda na

infância. Com quem conversa sobre isso numa festa apenas com pessoas mais

jovens? O idoso é isolado. Sua solidão pode ser no meio de muita gente e

funcionar como uma solitária social.

Se a média, como afirmei, é que um em cada dois anciãos vivam esse tipo

de solidão, uma pesquisa britânica (feita pela Age UK Oxfordshire, Counsel

and Care, Independent Age e WRVS) atestou que um em cada dez idosos

britânicos sofre de solidão intensa. Isso quer dizer que nem frequenta mais

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