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são também as minhas: “Mas será que a existência dessa droga é uma boa
notícia para os solitários do mundo? Não seria melhor curar a solidão
interagindo com os amigos, a família e outras pessoas do convívio social? A
solidão é um problema criado pela sociedade moderna. Será que ele deve ser
resolvido com uma nova droga ou com uma mudança de comportamento?”.
Tal coleção de questionamentos merece que a desdobremos em novas
formas de solidão social, tão perniciosas quanto a solidão a dois. Afirmei
várias vezes e volto a dizer: sempre houve solidão entre os humanos, mas,
hoje, ela também é uma condição moderna. Pesquisas mostram que estar só é
condição basilar de metade das pessoas com mais de 60 anos. Apenas para
compararmos: quando nossa espécie vivia em estágios primitivos, o grupo e a
interação dentro dele eram condições primordiais de existência. Se
estivéssemos sós ou sem amparo, morreríamos. Crânios e mandíbulas préhistóricos
de indivíduos idosos e sem dentes são escavados com razoável
frequência. Não são pessoas que morreram logo depois de perder a dentição,
mas após um longo tempo nessa condição. O que podemos provar com isso?
Que essas pessoas precisavam de cuidados para serem alimentadas e isso
exigia grupo, e não o isolamento do idoso.
Não é incomum que encontremos idosos em festas de família. O raro é
encontrarmos essa pessoa perfeitamente enquadrada nas conversas da
família. No geral, está sentada num canto, ouvindo os mais jovens ou nem
isso. Foi levada ao encontro, mas não foi convidada a falar, não encontrou
ninguém disposto a ouvir ou, depois de um tempo em que a situação se
repete, ela própria talvez nem queira mais falar. O mundo que nos formou
morre antes de nós. Quando nos tornamos velhos, nossas referências de
mundo já caducaram. Alguém com 90 anos ouviu Carmen Miranda na
infância. Com quem conversa sobre isso numa festa apenas com pessoas mais
jovens? O idoso é isolado. Sua solidão pode ser no meio de muita gente e
funcionar como uma solitária social.
Se a média, como afirmei, é que um em cada dois anciãos vivam esse tipo
de solidão, uma pesquisa britânica (feita pela Age UK Oxfordshire, Counsel
and Care, Independent Age e WRVS) atestou que um em cada dez idosos
britânicos sofre de solidão intensa. Isso quer dizer que nem frequenta mais