21.11.2021 Views

O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Domenico Starnone.

As aparências enganam. Fiquemos atentos. Estar sozinho e bem requer

maturidade e equilíbrio. Desequilibrados, inseguros e aqueles com vazios

impreenchíveis na alma tremem diante da possibilidade de estar sem alguém

do lado. Casais com muita vivência e equilibrados podem passar horas

sozinhos. Um está ouvindo música, o outro, lendo. Podem passar horas sem

se falar. Dias, semanas sem se ver, em viagem para destinos diferentes.

Quando estão juntos, todavia, estão um com o outro e um para o outro. Ligam

para o outro, conversam, de verdade, com intimidade e cumplicidade. Adélia

Prado, em seu poema “Casamento”, escreve lindamente sobre isso quando

nos diz da mulher que adora tirar as escamas dos peixes pescados pelo

marido, junto dele, em silêncio, na cozinha: “É tão bom, só a gente sozinhos

na cozinha,/ de vez em quando os cotovelos se esbarram,/ ele fala coisas

como “este foi difícil”/ “prateou no ar dando rabanadas”/ e faz o gesto com a

mão./ O silêncio de quando nos vimos a primeira vez/ atravessa a cozinha

como um rio profundo”. O casal fala pouco, mas está efetivamente junto. O

texto termina dizendo que ambos deitam como noivo e noiva, após muito

silêncio e companheirismo, a solidão do tempo em que um foi pescar e o

outro esteve em casa. Trocando em miúdos, o problema não é estarem

sozinhos ou o silêncio: é a falta de comunicação, a distância de almas. Em

Uma história íntima da humanidade, Theodore Zeldin afirma, e concordo com

ele, que, “tendo se libertado da generalização de que os humanos estão

condenados a sofrer de solidão, pode-se assegurar: vire-se a solidão de

cabeça para baixo e ela se transforma em aventura”.

Em artigo de meu colega de O Estado de S. Paulo Fernando Reinach, descobri

que as mudanças comportamentais que a solidão nos traz são causadas por

um neuropeptídio, uma espécie de hormônio. Descobriu-se também o

antídoto a essa pequena proteína de efeitos potencialmente devastadores. Ou

seja, hoje conhecemos a molécula exata que provoca os sintomas da solidão e

os estudos indicam que em breve poderemos ter um medicamento capaz de

fazer desaparecer seus “sintomas”. Reproduzo as perguntas de Reinach, pois

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!