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em suicídio (mais tarde, na música, ele pensa em homicídio), mas, supremo
do desprezo, no fundo não se importa. A solidão é completa com ou sem a
pessoa.
Outro exemplo, mais atual. Em São Paulo, o Museu da Diversidade Sexual
fez uma exposição entre 2017 e 2018 intitulada Solidão (curadoria de Duilio
Ferronato e Eduardo Besen). Uma obra em particular, Ausência 2, de Daniel
Melim, chama nossa atenção para o mesmo que Cazuza. É uma obra que
mistura pintura e colagem sobre madeira, em grandes dimensões. Uma
mulher sem cor, mas com traços nítidos, beija o contorno de um homem,
com interior indefinido, vazio pintado de rosa. Um beijo, intimidade de um
casal, mas a partir da ausência do outro. Ele está de corpo presente, há o
beijo. Todavia, ao mesmo tempo, a mulher da obra está sozinha, ele também.
Quando escolhemos alguém para dividir a vida, entramos em terreno
pantanoso. Se houve um dia em que padres e pastores celebravam
casamentos atestando a indissolubilidade do ato aos olhos de Deus, hoje se
tornou cada vez mais comum assistirmos a cerimônias em que os sacerdotes
basicamente alertam os novos casais sobre como é difícil a vida a dois. Em
ambos os casos, passado e presente, a preocupação era com o divórcio. Bem
antes do divórcio há, contudo, a solidão a dois. As fórmulas para isso são
infinitas.
A solidão, como vimos, é algo que pode ser benéfico, criativo e necessário.
Dentro de qualquer relacionamento amoroso, é fundamental existir espaço
para o indivíduo. Uma vida sem frestas, sem a possiblidade de existir de
forma autônoma e independente pode ser a causa da falência de um casal. Por
vezes, confundimos, por insegurança ou carência, a delícia de estar junto, do
companheirismo, com a necessidade de só haver vida em casal e no casal.
Fora dele, nada. Tudo a dois pode parecer lógico na paixão, que,
naturalmente, é desequilíbrio. Uma vida apaixonada é uma existência
ensandecida, impossível. Quando passa o efeito neuroquímico dessa primeira
fase de um relacionamento, sobra o real de nós mesmos. Passamos a ter
defeitos aos olhos do outro. Manias podem virar vícios; vícios podem erigir
barreiras; barreiras criam celas solitárias. Como cantou Chico Buarque, se
“rompi com o mundo, queimei meus navios”, para onde podemos ir quando