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O Dilema do Porco Espinho - Leandro Karnal

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CAPÍTULO 6

As solitárias

Chegamos juntos ao capítulo final. Eu em minha solidão da escrita e você na

de sua leitura. Talvez você esteja ao lado de alguém, mas sua ligação é,

momentaneamente, maior com o livro em suas mãos do que com o seu

entorno. Somos capazes de viver em grandes cidades e estarmos sós,

interagir nas redes e não termos ninguém ao nosso lado. A solidão é cruel, e,

por sabermos disso, criamos formas de punir por meio dela. Nesse mergulho

derradeiro, tome fôlego. Veremos como é possível criarmos solitárias. Tanto

aquelas em prisões, como outras, mais sutis, mas igualmente devastadoras.

Criamos solitárias para os idosos, moribundos, presidiários, condenamos ao

degredo ou ao exílio. Nossas celas solitárias são tão inventivas que somos

capazes de estar profundamente sós ainda que ao lado de um cônjuge.

Comecemos pelo fundo do mar: a solidão a dois.

Em meados dos anos 1980, um jovem chamado Cazuza escreveu os

seguintes versos: “Solidão a dois de dia/ Faz calor, depois faz frio/ [...] Você

sai de perto, eu penso em suicídio/ Mas no fundo eu nem ligo”. A canção “Eu

queria ter uma bomba” fez muito sucesso, e garanto que muitos leitores e

leitoras que viveram aquela época (ou a ouviram depois) cantarolaram

enquanto liam. A letra é universal: um casal entediado um com o outro. O

reverso do amor romântico ou do sertanejo. Este último estilo quer a pessoa

amada a todo custo. Falta a cara-metade, falta ar. Na música de Cazuza e

Frejat, o relacionamento tem mais camadas. O protagonista está em uma

relação na qual ver o cônjuge causa apneia. A solidão de quem canta é

ampliada pela presença de quem é cantado. Quando realmente fica só, pensa

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