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Gincana kibon, ou,<br />
como legislar-se<br />
por antecedência<br />
“Nullum crimen, nulla<br />
poena sine lege”<br />
- o princípio da legalida<strong>de</strong><br />
Francisco alberto Madia <strong>de</strong> souza<br />
No que se basear sobre negócios que jamais<br />
imaginávamos viessem a existir?<br />
Esse é um dos maiores <strong>de</strong>safios da transição<br />
do velho para o admirável mundo novo.<br />
O monumental abismo dos tempos que<br />
vivemos entre a nova realida<strong>de</strong> e a mais<br />
que necessária regulação. Mas, leva tempo<br />
e, enquanto isso...<br />
Nos fins das tar<strong>de</strong>s <strong>de</strong> domingo, na TV<br />
Record na subida da Consolação que era<br />
ainda uma rua e não uma mega-avenida<br />
como hoje embora preserve rua no nome,<br />
tentando ocupar um espaço <strong>de</strong>corrente<br />
da proibição da transmissão dos jogos <strong>de</strong><br />
futebol e, simultaneamente, encontrar<br />
um substituto para um dos programas <strong>de</strong><br />
maiores sucessos junto à família brasileira<br />
na época, a Gincana Kibon, que estreou no<br />
dia 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1955, sob o comando <strong>de</strong> Vicente<br />
Leporace e Clarice Amaral, a agência<br />
<strong>de</strong> propaganda Magaldi, Maia & Prosperi<br />
<strong>de</strong>ci<strong>de</strong> criar o programa Jovem Guarda. Inspirado<br />
na frase <strong>de</strong> Vladimir Lenin, “O futuro<br />
pertence à jovem guarda porque a velha<br />
está ultrapassada”. Mais ou menos o que se<br />
diz hoje, também, e novamente...<br />
E como recheio e conteúdo do novo programa<br />
prevaleceu uma galera originária<br />
do Rio, que mudou-se para São Paulo, indo<br />
morar na Rua Albuquerque Lins, Higienópolis<br />
baixo, sob a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> Roberto e<br />
Erasmo Carlos, mais Wan<strong>de</strong>rléa e convidados:<br />
Ronnie Von, Eduardo e Silvinha<br />
Araújo, Wan<strong>de</strong>rley Cardoso, Jerry Adriani,<br />
Martinha, Vanusa, Leno e Lilian, Evinha,<br />
Deny e Dino, Paulo Sérgio, Reginaldo Rossi,<br />
Antônio Marcos, Kátia Cilene, Os Incríveis,<br />
The Fevers e muitos outros mais. E<br />
aí Roberto e Erasmo fortaleceram os laços<br />
<strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> e mergulharam em sucessivas<br />
composições <strong>de</strong> sucesso. Tudo o que existia<br />
naquele momento eram os 78 rpms, mais<br />
os long plays, e ninguém, absolutamente<br />
ninguém, conseguiu imaginar que plataformas<br />
<strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> músicas seriam<br />
totalmente outras, e a partir da virada do<br />
milênio. Assim, nada, absolutamente nada<br />
do que existe hoje, encontra-se previsto<br />
nos contratos <strong>de</strong> direitos autorais celebrados<br />
na época.<br />
Conclusão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a virada do milênio<br />
para cá brigas e mais brigas referentes aos<br />
direitos <strong>de</strong> exploração comercial nas novas<br />
plataformas. Neste momento, por exemplo,<br />
Roberto e Erasmo tentam rescindir na Justiça<br />
um contrato <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> 73 músicas<br />
compostas entre 1964 e 1987, com a Editora<br />
Fermata. Na ocasião, todos os direitos foram<br />
transferidos pela dupla à Editora. Mas,<br />
sobre as possibilida<strong>de</strong>s existentes naquele<br />
momento. O contrato <strong>de</strong> cessão jamais po<strong>de</strong>ria<br />
contemplar o que não existia... Paro<br />
por aqui e acho <strong>de</strong>snecessário entrar em<br />
mais e maiores <strong>de</strong>talhes. Vivemos uma<br />
ruptura. A cada dia que passa, cada vez<br />
mais, com maior intensida<strong>de</strong>, os formatos<br />
<strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s e direitos autorais<br />
por novas formas e possibilida<strong>de</strong>s serão<br />
contestados por todos os envolvidos. E<br />
isso alcança negócios <strong>de</strong> todos os setores <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>. Conclusão, no território da Justiça<br />
e dos direitos das proprieda<strong>de</strong>s intelectuais,<br />
seguiremos caminhando nas trevas<br />
durante no mínimo duas décadas, a menos<br />
que algum tribunal consiga em alguns dos<br />
processos que chegue até o final, estabelecer<br />
algum tipo <strong>de</strong> súmula vinculante.<br />
Caso contrário, continuar caminhando,<br />
assumindo riscos e, diante <strong>de</strong> todos<br />
os possíveis aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> percurso, partir<br />
para acordos entre as partes. Hoje, mais<br />
que nunca, prevalece o aforismo “mais<br />
vale um mau acordo que uma boa <strong>de</strong>manda”,<br />
muito especialmente num país on<strong>de</strong><br />
via <strong>de</strong> regra as gran<strong>de</strong>s contendas seguem<br />
vivas enquanto seus possíveis beneficiários<br />
já partiram há décadas... Um mau acordo<br />
que ponha fim a um conflito é infinitamente<br />
melhor que uma guerra sem nenhuma<br />
perspectiva <strong>de</strong> algum final, qualquer<br />
final...<br />
Assim, se era impossível imaginar-se o<br />
que viria pela frente, absolutamente impossível<br />
alguma das partes ter procedido<br />
<strong>de</strong> má-fé. Portanto, antes que o dia escureça,<br />
a noite chegue e a vida acabe, nada melhor<br />
do que um acordo salomônico entre as<br />
partes, tipo 50 x 50, e todos que se <strong>de</strong>em<br />
por felizes pelo dinheirinho mais que extra<br />
que caiu do céu, graças e obras da Santa e<br />
Abençoada Tecnologia... “e que tudo mais<br />
vá pro inferno...”.<br />
Francisco Alberto Madia <strong>de</strong> Souza<br />
é consultor <strong>de</strong> marketing<br />
famadia@madiamm.com.br<br />
16 <strong>28</strong> <strong>de</strong> <strong>setembro</strong> <strong>de</strong> <strong>2020</strong> - jornal propmark