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quatro ou dez motivos. Primeiro é o cara que atrasa o seu lado. Você está
fazendo um movimento, daí chega um cara que não tem nada a ver e
atravessa o seu lado, tipo, te cagueta. Segundo, às vezes, veja bem, nós
somos tudo irmão, tudo camarada, né? Chega alguém que não tem nada a
ver, acusa um lado e afeta um mano nosso. Esse aí, acho que não tem
perdão, acho que é justo matar, não é justo? Outro: chega alguém, mata
um trabalhador. Igual o cara que chegou na padaria e matou um cara que
mora no local há mais de vinte anos, construiu, deu emprego para a
população, cê entendeu como é que é? Um cara que produziu, aí chega um
de graça e pá-pá-pá, muito louco, senta o aço no cara. Acho que é justo
matar. Sem chance para esse tipo de coisa.
Se essa moralidade criminosa já existia, não havia modo de garantir o
respeito ao contrato porque não havia uma instituição que funcionasse acima
dos grupos e dos indivíduos, capaz de fazer com que os integrantes do crime
abrissem mão de seus interesses pessoais em nome das regras coletivas.
Flamarion e seu grupo, por exemplo, tinham rivais na vizinhança, que
pensavam a mesma coisa deles. Ambos enxergavam os outros como “sangue
ruim” e “vermes”. As vítimas eram culpadas pela própria morte, e esses
discursos em defesa dos homicídios se replicavam entre os assassinos de
diferentes quebradas.
Desde que a violência começou a crescer em São Paulo, o que se via eram
homens armados matando uns aos outros, numa selva dividida entre “rivais”
e “aliados”. Os policiais militares, que atuavam no patrulhamento ostensivo
dos territórios violentos, eram uma das partes a usar e a promover a violência
nessa disputa, com suas justificativas de matar em defesa da cidade ou do
cidadão de bem. O homicídio, em vez de problema, era apontado como
solução, como ferramenta de controle. Mas diversos pequenos grupos eram
levados a lançar mão desse mecanismo violento. Até o fim dos anos 1990, a
cena criminal paulista era brutal, desordenada, imprevisível, o que contribuía
para o estado de São Paulo ser um dos mais violentos do Brasil.
O PCC se fortaleceu na medida em que foi sendo reconhecido como a
autoridade capaz de cumprir esse papel de agência reguladora do crime. O