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A Guerra_ a ascensao do PCC e o - Bruno Paes Manso

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quatro ou dez motivos. Primeiro é o cara que atrasa o seu lado. Você está

fazendo um movimento, daí chega um cara que não tem nada a ver e

atravessa o seu lado, tipo, te cagueta. Segundo, às vezes, veja bem, nós

somos tudo irmão, tudo camarada, né? Chega alguém que não tem nada a

ver, acusa um lado e afeta um mano nosso. Esse aí, acho que não tem

perdão, acho que é justo matar, não é justo? Outro: chega alguém, mata

um trabalhador. Igual o cara que chegou na padaria e matou um cara que

mora no local há mais de vinte anos, construiu, deu emprego para a

população, cê entendeu como é que é? Um cara que produziu, aí chega um

de graça e pá-pá-pá, muito louco, senta o aço no cara. Acho que é justo

matar. Sem chance para esse tipo de coisa.

Se essa moralidade criminosa já existia, não havia modo de garantir o

respeito ao contrato porque não havia uma instituição que funcionasse acima

dos grupos e dos indivíduos, capaz de fazer com que os integrantes do crime

abrissem mão de seus interesses pessoais em nome das regras coletivas.

Flamarion e seu grupo, por exemplo, tinham rivais na vizinhança, que

pensavam a mesma coisa deles. Ambos enxergavam os outros como “sangue

ruim” e “vermes”. As vítimas eram culpadas pela própria morte, e esses

discursos em defesa dos homicídios se replicavam entre os assassinos de

diferentes quebradas.

Desde que a violência começou a crescer em São Paulo, o que se via eram

homens armados matando uns aos outros, numa selva dividida entre “rivais”

e “aliados”. Os policiais militares, que atuavam no patrulhamento ostensivo

dos territórios violentos, eram uma das partes a usar e a promover a violência

nessa disputa, com suas justificativas de matar em defesa da cidade ou do

cidadão de bem. O homicídio, em vez de problema, era apontado como

solução, como ferramenta de controle. Mas diversos pequenos grupos eram

levados a lançar mão desse mecanismo violento. Até o fim dos anos 1990, a

cena criminal paulista era brutal, desordenada, imprevisível, o que contribuía

para o estado de São Paulo ser um dos mais violentos do Brasil.

O PCC se fortaleceu na medida em que foi sendo reconhecido como a

autoridade capaz de cumprir esse papel de agência reguladora do crime. O

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