04.10.2021 Views

A Guerra_ a ascensao do PCC e o - Bruno Paes Manso

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

defender essa moral coletiva compartilhada entre os “irmãos” e “cobrar” suas

responsabilidades.

A regra que diferencia o certo do errado no crime não foi inventada pelo

PCC. Sempre pairou na cena criminal paulista, replicada nas conversas e

conhecida pelos seus integrantes. Pode parecer estranho e paradoxal, mas o

criminoso costuma ser muito cobrado entre seus pares. “Vivo do lado certo

da vida errada” e “corro pelo certo” são exemplos de frases muito repetidas

na cena de São Paulo. O criminoso, ao abraçar “a vida errada”, acaba não

sendo cobrado pelos pares por assaltar uma velhinha e levar toda a

aposentadoria dela na porta do banco. Isso cabe ao sistema de Justiça. Em

compensação, precisa respeitar uma etiqueta no relacionamento com seus

iguais no crime, com familiares e vizinhos. Porém, se o PCC não inventou a

“ética do crime”, sem dúvida o grupo paulista foi fundamental na sua

disseminação nas prisões e quebradas de São Paulo. Além disso, construiu

mecanismos de transmissão desses princípios, transformados em regras

escritas: estatutos, salves, cartilhas. A “conscientização” é um processo

fundamental para a reprodução desse “comportamento criminoso” que

permite cobrar irmãos e companheiros.

Os exemplos são diversos. Denunciar terceiros à polícia (“caguetagem”),

dormir com a mulher de um preso ou “ladrão” (“talaricagem”), atrapalhar a

atividade de um concorrente (“vacilão”/“atrasa lado”), estuprar (“jack”), entre

outros desvios, sempre foram ações fortemente criticadas e muitas vezes

punidas com a vida. Princípios também importavam: humildade, lealdade e

respeito são valorizados no crime e nas prisões. Frases como “ninguém é

melhor do que ninguém” compõem o repertório dos envolvidos. Esse manual

de normas e etiquetas criminais, no entanto, consensualmente defendido e

propagado por anos, não podia ser aplicado. Não até o início dos anos 2000.

Em 1999, quando o estado de São Paulo havia chegado ao ponto mais

elevado na curva de violência na história, Flamarion, autor de diversos

homicídios e chacinas no bairro do Grajaú, na periferia sul de São Paulo,

explicou em entrevista por que matava:

Tem vários temas que levam o cara a merecer morrer, posso citar três,

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!