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A Guerra_ a ascensao do PCC e o - Bruno Paes Manso

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Fabrício, o autor dos disparos, também foi chamado ao telefone para saber

que morreria. “Você tem ciência do que cometeu, você tirou uma vida, até

mesmo sem dar uma defesa pro mesmo, certo, Fabrício? Então, veja bem,

Fabrício, a gente não admite isso em lugar nenhum, entendeu, cara?” Ele

responde: “Certo, irmão”. A ligação acaba. Fabrício larga o telefone,

resignado. A conferência se encaminha para o final. “Beijão para todos os

irmãos”, despedem-se os juízes, antes de encerrar a sessão. Fabrício foi morto

com cinco tiros à queima-roupa na noite de 3 de abril. Agnaldo, que solicitou

o julgamento e a pena de morte, aplicou a sentença. Os debatedores

determinaram que ele próprio deveria dar os disparos. “Procuramos em vários

locais durante a noite para evitar o crime, mas acabamos achando o corpo já

sem vida de manhã em uma pedreira”, contou em agosto de 2016 o chefe dos

investigadores do Distrito Policial de Pirassununga, Luiz Fernando Coradini,

um experiente e bem informado oficial da cidade, que recebeu de um

agricultor que passava pelo local a indicação sobre o paradeiro do corpo.

Os detalhes da conversa e os desdobramentos do debate que levou à morte

de Fabrício revelavam como funcionava um dos mecanismos que o PCC vinha

desenvolvendo e aplicando para definir padrões de comportamento no crime

paulista. Outros casos foram acompanhados pela tv e nas páginas dos jornais.

A imprensa passou a chamar esses eventos de “tribunal do crime”, mas o

termo nunca foi usado pelo PCC. O sistema de justiça, para aqueles que “estão

no crime”, costuma ser associado a valores negativos – prejudica os mais

pobres, não concede direitos previstos em lei, produz injustiças.

Os “debates”, mesmo que inspirados nos tribunais, criaram uma semântica

própria a partir do dia a dia nas cadeias, que sempre buscou reforçar essa

diferença. A coletividade criminal precisava estar representada no ritual. A

“cobrança” aos desviantes só poderia ocorrer depois que os “irmãos”

conversassem e avaliassem o quadro e as diferentes “visões” da acusação e

da defesa. Assim, eles poderiam apurar “a verdade” e estabelecer as

“consequências” que o acusado deveria assumir em razão do que fez. O

objetivo principal dos debates é deliberar sobre “o que é o ‘certo’” de acordo

com os princípios reafirmados diariamente pelos irmãos através do que eles

chamam de “conscientização”. Não se trata de punir o criminoso, mas de

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