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metade nas grandes e míticas unidades da capital, a Casa de Detenção do
Carandiru e a Penitenciária do Estado. Já no fim da década de 2010, o
sistema forma um vasto universo com 170 unidades e 240 mil pessoas, quase
o dobro de sua capacidade, em penitenciárias espalhadas por cidades do
interior, como nas da região Oeste, para muitas das quais a viagem dura mais
de oito horas de ônibus a partir da capital. A nova distribuição territorial dos
presídios dificultava as visitas e assustava os moradores das cidades que os
recebiam. Dentro do sistema, uma nova geração começava a se formar.
Pessoas nascidas em São Paulo, revoltadas com a violência policial, iriam se
articular contra a opressão do Estado e se unir como alternativa para
sobreviver. Não restavam opções: era preciso se organizar. Essa nova cultura
prisional transformaria o interior dos presídios de forma ainda mais profunda
no fim dos anos 1990, com a popularização dos telefones celulares.
Os telefones permitiriam aos presos se comunicarem entre si, com os
parentes, com os amigos e com os parceiros de negócio do lado de fora. Esse
novo mundo de 240 mil pessoas atrás das grades afetaria diretamente a vida
de mais de um milhão do outro lado, se considerados os familiares. Caso
fosse uma cidade, seria a terceira mais populosa de São Paulo. Administrar
esse universo em construção parecia um desafio e tanto para todas as
instituições do Estado, e a tarefa seguia pesando mais e mais sobre as costas
dos burocratas do sistema penitenciário. Fiel a seu estilo conservador,
Lourival Gomes, no entanto, continuava apegado a tudo aquilo que havia
aprendido em 22 anos no sistema, parecendo não dimensionar o que vinha
acontecendo.
Gomes continuou fazendo mais do mesmo, satisfeito em permanecer
discreto, quase invisível. Evitar os noticiários, por sua vez, se tornava mais
difícil. Nos primeiros anos de gestão à frente da coordenadoria dos presídios,
administrando o entra e sai das penitenciárias, o sistema em expansão passou
a testemunhar um grande aumento de rebeliões, num ritmo nunca visto até
então. Em 1990, dois anos antes do Massacre do Carandiru, foram registrados
dez casos em São Paulo, conforme levantamento feito por um dos autores
deste livro. [4] Em 1997, após Lourival Gomes completar quatro anos à frente
da Coespe, o total de rebeliões já se aproximava de cem. Para controlar esses