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A Guerra_ a ascensao do PCC e o - Bruno Paes Manso

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que vivia. A celebração da vida no crime pela música seria uma forma de

jogar na cara da sociedade a revolta e o ódio que aqueles garotos sentiam.

Os Racionais e o movimento hip-hop paulista se apresentavam como a

CNN da Periferia, em referência ao canal de notícias dos Estados Unidos. De

fato, boa parte das letras de rap informava ao público sobre uma realidade

que não saía nos grandes jornais, moldando a cabeça e a retórica de parte

daquela geração. Brown e os Racionais abordavam temas como a dureza nas

prisões, a violência policial, as injustiças da cidade e os dilemas do mundo do

crime, cantando sobre a sensação de viver como um “inimigo do sistema”. A

banda norte-americana Public Enemy (Inimigo Público), aliás, era uma das

principais referências artísticas do grupo.

As letras deixavam claro que eles sentiam muita raiva. Mesmo depois do

sucesso, os Racionais faziam questão de falar para dentro do gueto,

recusando convites das grandes redes de televisão, numa época em que não

havia YouTube nem divulgação pela internet. Havia, contudo, algo que não

casava com o pretenso discurso revolucionário dos Racionais. Misturando o

papel de artista e jornalista, Brown e os Racionais reproduziam a narrativa da

guerra, aceitando a lógica do confronto e da violência. A principal diferença é

que falavam em nome do outro lado do conflito, a “esquerda”, como o crime

se define nas quebradas paulistanas.

No videoclipe da música “Mil faces de um homem leal”, Brown interpreta

Carlos Marighella. Trechos sampleados do discurso feito à época pelo

guerrilheiro aparecem.

Atenção. Está no ar a Rádio Libertadora. O poder pertence ao povo. Nosso

lema é unir as forças revolucionárias. Podem surgir nos bairros, nas ruas,

nos conjuntos residenciais, mocambos, malocas e alagados. Cada patriota

deve saber manejar sua arma de fogo. O principal meio para destruir seus

inimigos é aprender a atirar.

Marighella é chamado de “assaltante nato”, em meio a um retalho de imagens

que mistura ostentação de armas, cenas de prisão, tráfico de drogas e

manifestações de movimentos sociais. Na verdade, o clipe não trata nem de

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