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A Guerra_ a ascensao do PCC e o - Bruno Paes Manso

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Os anos de batalha diária contra o crime, no Rio de Janeiro como em outros

estados, ofereceram o que as lideranças criminosas mais precisavam: a

possibilidade de forjar um ideal coletivo e construir um inimigo comum,

fundamental para dar sentido existencial a suas atividades, convencer e atrair

adeptos, construindo uma representação discursiva e prática do crime como

forma de resistência social. Foi o que permitiu ao PCC e a outros grupos pelo

Brasil arregimentar pessoas dispostas a reagir contra a propagada violência e

a opressão do “sistema”. O discurso só colou e se espalhou porque descrevia

um sentimento real de muitos jovens das quebradas brasileiras.

Em São Paulo, a articulação desse discurso de revolta começou nas

periferias ainda no fim dos anos 1980, por uma das mentes mais brilhantes e

criativas de sua geração. Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown, nasceu

em 1970 na periferia sul de São Paulo. Abandonou a escola na oitava série

porque “não conseguia aprender biologia, química nem física”. Por alguma

razão, os educadores não souberam lidar com aquela mente inquieta, repleta

de questionamentos compartilhados com boa parte de seus iguais, negros e

periféricos. Durante a adolescência, Brown testemunhou o “mata-mata” que

tornaria seu bairro, na região do Capão Redondo e do Jardim Ângela, um dos

mais violentos do mundo. Teve amigos assassinados e presos. Apanhou da

polícia. Poderia ter ido para o mundo do crime, que sempre o seduziu, mas

acabou seguindo outros rumos.

A raiva que ele sentia, somada ao olhar aguçado de cronista do cotidiano

violento da cidade, serviu de inspiração para que ele criasse as letras que o

transformariam no principal ícone do movimento hip-hop brasileiro dos anos

1990, liderando os Racionais MC’s. “A história de São Paulo pode ser

dividida entre antes e depois dos Racionais”, repete sempre a professora

Dagmar Garroux, fundadora da Casa do Zezinho, tradicional projeto social

em São Paulo, voltado às mentes inquietas das periferias paulistanas. Naquela

época, antes dos Racionais, ainda havia uma identidade a ser inventada para

definir os sentimentos do jovem urbano, negro e periférico, nascido naquela

São Paulo injusta e cruel, e que precisava se posicionar sobre o mundo em

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