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A Guerra_ a ascensao do PCC e o - Bruno Paes Manso

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por um integrante da ONG AfroReggae, que atuava na região e tinha a

confiança dos moradores de lá. Foi possível conversar com cerca de quarenta

pessoas, ainda chocadas com as cenas da quarta-feira.

Num dos episódios relatados, cerca de dez policiais invadiram a casa de

uma moradora enquanto ela socorria o filho de dois anos que estava tendo um

acesso de asma. Entraram no quarto da avó da criança e, da janela, passaram

a atirar para a parte de baixo do morro, tentando atingir quem parecesse

suspeito. Restou à moradora recolher as cápsulas de balas de fuzil espalhadas

pelo quarto, suficientes para encher uma lata.

Foram relatadas execuções de pessoas que não haviam reagido à

abordagem, além de vítimas de balas perdidas. Havia medo de contar às

autoridades o que tinha acontecido. Na descida do morro, duas motos Honda

Falcon e uma Titan 125 tinham sido incendiadas e abandonadas pelos

policiais, que impediram os moradores de apagar o incêndio. Um

estacionamento do morro que pertencia a um pastor evangélico foi

arrombado. Lá dentro, as testemunhas disseram que homens fardados

quebraram os vidros dos carros e, em alguns casos, furtaram o equipamento

de som. O dono de um dos carros contou ao jornalista que tinha pago na

época 10,5 mil reais pelo Santana 94 que estava todo quebrado e sem o rádio.

Para consertar o estrago, precisaria de 1,2 mil reais. O proprietário não

planejava pedir indenização ou denunciar o crime porque não confiava nas

autoridades. Teria que pedir dinheiro emprestado aos traficantes, para poder

pagar aos poucos e recuperar sua ferramenta de trabalho, que usava para

sustentar a família.

A imersão numa cena conflagrada pós-invasão policial tornava claro o

efeito da política de guerra para os cerca de 100 mil habitantes das

comunidades do Alemão. As autoridades do Estado, responsáveis por aquelas

cenas covardes, eram vistas como inimigas, pois oprimiam a população das

favelas. Já os traficantes, apesar da tirania cotidiana, pelo menos eram

acessíveis, abertos para dialogar e firmar acordos de convivência. Na guerra

descontrolada contra o crime, o Estado se transformava no inimigo das

comunidades invadidas.

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