Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Publicação Mensal<br />
Vol. XXIV - Nº <strong>283</strong> Outubro de 2021<br />
Verdadeira paz:<br />
fruto da oração e da luta
Yerpo (CC3.0)<br />
O deslizar do cisne<br />
m um cisne que desliza sobre as águas, é encantador contemplar<br />
sua autossuficiência. Ele não precisa de nada nem de ninguém<br />
para flutuar como uma espuma. Não necessita de com-<br />
panhia ou distração. Basta-lhe ser ele mesmo e viver no encanto de<br />
suas penas brancas, na elegância de seu pescoço esguio, com seu olhar<br />
tão distinto e porte tão nobre, deslocando-se sobre a água com a na-<br />
turalidade com que o homem caminha sobre a terra. Este, entretanto,<br />
faz força para andar. O cisne, não; desliza lentamente com um peque-<br />
no trocar de patas, as quais não aparecem porque são feias. Assim,<br />
dele só se vê a beleza. Oh, sabedoria de Deus!<br />
(Extraído de conferência de 10/2/1974)
Sumário<br />
Publicação Mensal<br />
Vol. XXIV - Nº <strong>283</strong> Outubro de 2021<br />
Vol. XXIV - Nº <strong>283</strong> Outubro de 2021<br />
Verdadeira paz:<br />
fruto da oração e da luta<br />
Na capa,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1987.<br />
Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
ISSN - 2595-1599<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
Diretor:<br />
Roberto Kasuo Takayanagi<br />
Conselho Consultivo:<br />
Antonio Rodrigues Ferreira<br />
Jorge Eduardo G. Koury<br />
Redação e Administração:<br />
Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />
02372-020 São Paulo - SP<br />
E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />
Impressão e acabamento:<br />
Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />
Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />
02911-000 - São Paulo - SP<br />
Tel: (11) 3932-1955<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum............... R$ 200,00<br />
Colaborador........... R$ 300,00<br />
Propulsor.............. R$ 500,00<br />
Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />
Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
editoraretornarei@gmail.com<br />
Segunda página<br />
2 O deslizar do cisne<br />
Editorial<br />
4 Remédios de ontem,<br />
de hoje e de sempre<br />
Piedade pliniana<br />
5 Oração para pedir<br />
a virtude da pureza<br />
Dona Lucilia<br />
6 Modo de ser de<br />
Dona Lucilia<br />
Revolução Industrial<br />
10 Desequilíbrios da<br />
civilização industrial<br />
Hagiografia<br />
19 São Simão e<br />
São Judas Tadeu<br />
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
22 Glória de ser perseguido<br />
por amor a Deus<br />
Calendário dos Santos<br />
26 Santos de Outubro<br />
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
28 A verdadeira amizade<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
30 Dignidade, distinção e<br />
disposição para a luta<br />
Última página<br />
36 Terra imaculada da qual<br />
se formou o novo Adão<br />
3
Editorial<br />
Remédios de ontem, de hoje e de sempre<br />
Em nossos dias se formou, entre os inimigos declarados da Igreja e os fiéis católicos, partidos intermediários<br />
que pretendem conciliar o espírito do mundo com o dos Evangelhos.<br />
Entre os sinais característicos desses semicatólicos podemos destacar principalmente a pretensão de<br />
tudo conciliar. Desse falso espírito de conciliação nasce a diminuição e confusão das verdades sobrenaturais,<br />
o laxismo, a indiferença religiosa, a deturpação de nossa Fé como, por exemplo, a visão unilateral das verdades<br />
reveladas: realçam-se as suaves e consoladoras, ocultam-se as austeras. É o império da prudência da carne.<br />
Para o verdadeiro católico, a paz não consiste em cruzar os braços diante dos erros procedentes do espírito<br />
do mundo. “Disse-vos isto para que tenhais a paz em Mim. No mundo passareis tribulações; mas tende confiança!<br />
Eu venci o mundo” (Jo 16, 33). É neste sentido que o Divino Mestre nos assegura que não nos veio trazer a<br />
paz, mas a espada.<br />
A paz, diz Santo Agostinho, é a “tranquilidade da ordem”. Ora, é a Fé que nos faz conhecer as relações cuja<br />
harmonia constitui essa ordem desejada por Deus no mundo.<br />
Em primeiro lugar, será necessária a aceitação prática do soberano domínio do Criador sobre todas as obras<br />
de suas mãos; portanto, sobre os povos e as nações. Em segundo lugar, a afirmação da supremacia do espírito<br />
sobre os sentidos, isto é, sem desconhecer o que há de animal em nossa natureza, devemos nos lembrar de que<br />
é a nossa alma com suas potências que nos distingue dos seres irracionais e nos coloca na dignidade de filhos de<br />
Deus. Por fim, o amor sincero e prático a nossos semelhantes. Sem essa tríplice harmonia, nenhuma “tranquilidade<br />
da ordem” é possível.<br />
Em resumo, a paz para o cristão se reduz no Reino de Deus que está dentro de nós (cf. Lc 17, 21). E como ele<br />
– afirma São Luís Maria Grignion de Montfort – também o Reino da Santíssima Virgem encontra-se principalmente<br />
no interior do homem, isto é, em sua alma, onde a Rainha dos Corações é mais glorificada com seu Divino<br />
Filho do que em todas as criaturas visíveis.<br />
Em Fátima, para alcançar a paz para o mundo, a Celeste Medianeira de todas as graças não propôs aos homens<br />
um programa de assistência material ou de reajustamento de fronteiras, mas nos veio exortar a mudar de<br />
vida e a não mais afligir com o pecado a seu Divino Filho. Para obter a tranquilidade que tanto almejamos neste<br />
mundo conturbado por misérias e sofrimentos, convida-nos a Mãe de Deus a recitar o Santo Rosário e a fazer<br />
penitência pelos nossos pecados.<br />
Entretanto, não foram esses remédios que, em plena Idade Média, a Santíssima Virgem confiou ao zelo de<br />
São Domingos contra os erros e devastações dos hereges albigenses, os mesmos recomendados à humanidade<br />
por meio de três crianças, as quais, em 1917, usavam cilícios como se ainda vivessem no tempo de São Jerônimo<br />
ou São Francisco de Assis? Não estamos no século da energia atômica? Maria Santíssima não vê, então, que os<br />
tempos modernos não comportam essas velharias?<br />
Certamente a Rainha dos Céus não Se deixa levar pelas opiniões dos sábios e orgulhosos desta Terra. Ela não<br />
ignora que seu Divino Filho é o mesmo ontem, hoje e para todo o sempre, e que o problema do mal e das misérias<br />
humanas se prende àquela mesma serpente antiga, o pai da mentira que roubou a paz e a felicidade terrena<br />
de nossos primeiros pais.<br />
Hoje, como ontem, para a conquista da paz e da concórdia entre os homens é preciso trabalharmos para que<br />
Cristo reine nos corações.<br />
A fim de obtermos este dom, volvamo-nos à nossa Mãe e Advogada. Não impeçamos, através de nossos atos<br />
e malícia, que se realizem as comunicações sobrenaturais entre o Céu e a Terra, mas, pelo contrário, tenhamos<br />
abertos os corações às moções da divina graça e não poupemos esforços, sacrifícios e orações para que, mediante<br />
a Rainha dos Corações, Cristo volte a imperar em nossas almas, em nossas famílias, em todas as nações. *<br />
* Cf. O Legionário n. 684, 16/9/1945.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Oração para pedir a<br />
virtude da pureza<br />
Tomas T.<br />
ÓSantíssima Mãe de Deus e minha, fortaleza<br />
dos fracos e refúgio dos pecadores! É<br />
chegado o momento em que terei de passar<br />
por circunstâncias nas quais o demônio mais<br />
especialmente me tenta.<br />
Tenho horror à impureza porque sei o quanto<br />
ela é oposta ao vosso espírito e contrária à escravidão<br />
a Vós, na qual tanto desejo ser perfeito.<br />
Ajudai-me – vô-lo peço por intercessão de São<br />
Luís de Gonzaga, modelo admirável de pureza<br />
– a não vos ofender nesta ocasião, para que eu<br />
possa, desde já, oferecer-vos minha resistência<br />
à tentação; resistência esta que desejo opor ao<br />
inimigo infernal agora e sempre. Eu vos imploro<br />
que todos os dias de minha vida sejam transcorridos<br />
na prática exímia da virtude angélica da pureza.<br />
Assim seja.<br />
Angelo L.<br />
La Virgen Blanca<br />
(acervo particular)<br />
São Luís de Gonzaga - Santuário<br />
de São Luís de Gonzaga, Itália<br />
5
Dona Lucilia<br />
Fotos: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Com base em fotografias, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta<br />
alguns aspectos de Dona Lucilia: o carinho<br />
e o afeto para com seu filho, os quais o<br />
acompanharam até o fim da vida dela;<br />
disposição de piedade, voo de espírito,<br />
doçura; alegria, vigilância, compostura;<br />
suavidade em meio à luta e à dor.<br />
Recebi de presente um álbum<br />
de fotografias de mamãe,<br />
abrangendo as etapas<br />
sucessivas de uma vida que é apresentada<br />
muito antes de eu ter nascido,<br />
e depois vai se desenvolvendo<br />
até o momento em que sou mostrado<br />
nos braços dela, onde há um sorriso<br />
no qual reconheço mil e mil outros<br />
sorrisos. Existe um carinho, um<br />
afeto, no qual constato o mesmo carinho<br />
e o mesmo afeto que me acompanharam<br />
até o fim da vida dela.
Elevação de<br />
alma, piedade,<br />
sofrimento, luta<br />
As fotos registram também<br />
a continuação dessa vida.<br />
Naquela em que mamãe me<br />
segura nos braços, ela está risonha,<br />
alegre. Já na de Paris encontra-se<br />
muito preocupada.<br />
Em todas as fotografias anteriores,<br />
desde a primeira, está presente<br />
um pensamento, há uma elevação<br />
de alma, uma disposição de piedade,<br />
um voo do espírito. Mas salta-se de<br />
repente, da época em que estou tão<br />
pequeno e mamãe ainda moça, para<br />
a idade na qual ela já passou por<br />
uma grande provação: a cirurgia feita<br />
na Alemanha, precedida de uma<br />
longa fase de doença dolorosíssima.<br />
Naquele tempo não havia os anestésicos<br />
como em nossos dias, de maneira<br />
que ela sentiu dores lancinantes.<br />
Ela me disse uma vez que sentia<br />
vontade, na cabine do navio que<br />
a levou para a Europa, de ficar de pé<br />
na cama e se agarrar na parede, tal<br />
era a dor. Em determinado momento,<br />
os padecimentos foram tais que<br />
o capitão do navio chegou a mandar<br />
preparar o esquife mortuário dela.<br />
De repente, tudo isso passa e ela<br />
se encontra numa dessas fases decisivas<br />
da vida espiritual, em que a pessoa<br />
não é mais jovem, mas tem força,<br />
ênfase. Nada nela conhece ainda<br />
as suavidades do crepúsculo. Está na<br />
ponta da vida.<br />
Na fotografia seguinte, nota-se<br />
algo que, sem ter quebrado, atingiu<br />
uma zona de tranquilidade indicativa<br />
de uma velhice que começou.<br />
Ela está mais sorridente, mais complacente,<br />
prestando muita atenção<br />
no que se passa. Lembro-me perfeitamente<br />
do que se trata: a inaugu-<br />
7
Dona Lucilia<br />
ração das máquinas do Legionário<br />
no andar térreo do<br />
prédio da Legião de São Pedro,<br />
da Congregação Mariana<br />
de Santa Cecília. Era<br />
um acontecimento de muita<br />
importância, com a presença<br />
do Arcebispo Dom<br />
Duarte, do Bispo de Sorocaba,<br />
Dom José Carlos<br />
Aguirre, senhoras da alta<br />
sociedade de São Paulo.<br />
Dona Lucilia estava muito<br />
comprazida com o que<br />
ocorria. Ao contrário da<br />
fotografia anterior, em<br />
que ela ainda se encontrava<br />
na batalha.<br />
O corpo cada vez<br />
mais enfraquecido, mas a<br />
alma voando para cima<br />
Em outras ocasiões, nota-se que<br />
o anoitecer começou a projetar as<br />
suas primeiras suavidades. Mas, no<br />
fundo, percebe-se que a luta e a dor<br />
continuam.<br />
Na fotografia, por exemplo, do encerramento<br />
de uma Semana de Estudos,<br />
na Escola Caetano de Campos,<br />
na Praça da República, a atitude<br />
de mamãe é de um corpo com menos<br />
força, mas o olhar está atento, e<br />
muito. E ela permanece vigilante em<br />
toda a sua posição, sua compostura,<br />
mesmo encontrando-se entre ín-<br />
8
timos, pois estava entre seu sobrinho<br />
e a senhora dele. Provavelmente<br />
o conferencista era eu. Mas ela atenta,<br />
procurando analisar todas as coisas.<br />
Inclusive, se fosse para me dar<br />
um conselho, depois ela daria.<br />
Em outra fotografia, o tempo já<br />
caminhou mais e alguma coisa da alma<br />
vai como que se distinguindo do<br />
corpo e se separando. O corpo está<br />
cada vez mais affaissé 1 , mas a alma<br />
voando para cima.<br />
A extrema velhice comporta<br />
sorrisos. Nessa ocasião<br />
Dona Lucilia estava<br />
brincando com o bisnetinho,<br />
mostrando-se muito<br />
interessada no assunto.<br />
O Quadrinho 2 nos deu o<br />
último brilho, o último lance<br />
daquele modo de ser, daquele<br />
olhar, daquela doçura, daquilo<br />
tudo que parece ter sido<br />
feito para encantar o meu<br />
João 3 e, através dele, maravilhar<br />
todos os que vieram ao<br />
seu encalço, no caminho seguido<br />
por mim.<br />
Tudo isso não pode deixar<br />
de me comprazer enormemente.<br />
Eu peço a mamãe, cuja alma<br />
não tenho dúvida estar no Céu,<br />
que reze por todos nós, a fim de<br />
que nos mantenha sempre mais unidos,<br />
mais voltados a Nossa Senhora<br />
e caminhando para aquele ponto terminal,<br />
que é a bem-aventurança eterna,<br />
para onde ela nos precedeu. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
29/6/1987)<br />
1) Do francês: declinado, enfraquecido.<br />
2) Quadro a óleo, que muito agradou<br />
a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, pintado por um de seus<br />
discípulos, com base nas últimas fotografias<br />
de Dona Lucilia.<br />
3) <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> se refere a Mons. João<br />
Scognamiglio Clá Dias, EP, seu fiel<br />
discípulo e secretário pessoal durante<br />
mais de quatro décadas.<br />
9
Revolução Industrial<br />
Desequilíbrios da<br />
civilização industrial<br />
Iniciado com a eclosão da Revolução, um longo movimento de<br />
incompatibilidade progressiva do homem com as condições comuns de<br />
sua existência quebrou a ordem do universo, substituindo-a por outra<br />
fabricada pela Revolução Industrial. Todo o desvario de uma época,<br />
entretanto, foi precedido por um século de tédio e seriedade engomada<br />
que reprimiram no homem energias, as quais, uma vez desencadeadas,<br />
não tiveram contrapesos que as equilibrassem e harmonizassem.<br />
www.rijksmuseum.nl (CC3.0)<br />
Família reunida em torno de<br />
um cravo (pintura de Cornelis<br />
Troost, 1739) - Museu do Estado,<br />
Amsterdã, Países Baixos<br />
No período de 1920 a 1930,<br />
anos da norte-americanização,<br />
com base nas invenções<br />
todo o ritmo da vida humana mudou.<br />
Não era propriamente um ritmo,<br />
mas um estilo de velocidades,<br />
ao qual correspondia outro gênero<br />
de reflexos. Todos os reflexos do homem<br />
mudaram com essa alteração<br />
de velocidade, e com isso toda a psicologia<br />
e a própria ordem moral se<br />
alterou também.<br />
Embriaguez do brusco<br />
e da velocidade<br />
Consideremos uma pessoa que<br />
não mora em bairro industrial nem<br />
tem contato com o mundo das fábricas,<br />
e vive num local onde os ruídos<br />
industriais não chegam senão sob a<br />
forma de produto feito para ela gozar<br />
a vida. Sem embargo disso, há<br />
uma mudança nas velocidades e nos<br />
ruídos fazendo com que ela encontre<br />
um verdadeiro deleite em saltar para<br />
velocidades extremas.<br />
10
Charles Clyde Ebbets (CC3.0)<br />
Almoço no topo de um<br />
arranha-céu de Nova York, em 1932<br />
Com isso, passou a existir uma espécie<br />
de fobia da velocidade intermediária<br />
e um desejo de pular, à maneira<br />
de um macaco ou de uma fera,<br />
do completo estado de inércia para<br />
o de embriaguez na velocidade,<br />
a qual só dá aquilo que o indivíduo<br />
quer quando esse salto é brusco e lhe<br />
permite sentir inteiramente o gosto<br />
da velocidade.<br />
Por exemplo, antigamente um<br />
trem não arrancava bruscamente,<br />
mas a locomotiva dava uma sapecada<br />
para a frente e todos os vagões estremeciam,<br />
só então o trem partia.<br />
Eu notava que meus coetâneos gostariam<br />
que fosse de outra maneira:<br />
fechassem todo o trem e houvesse<br />
um alarme, após o qual o veículo saísse<br />
em alta velocidade como um foguete.<br />
Um cretino se voltaria para<br />
uma cretina sentada ao lado e diria:<br />
“Que progresso!”<br />
De início, a mudança brusca de<br />
velocidade encantava, mas depois o<br />
fenômeno evoluiu e passou a cativar<br />
o brusco em si mesmo. De maneira<br />
que também a freada passou a<br />
maravilhar. Então, curiosamente, o<br />
homem que tivera a embriaguez de<br />
partir de repente extasiava-se com<br />
a brecada repentina a qual o jogava,<br />
sem estágios intermediários, na<br />
inércia, conferindo-lhe uma espécie<br />
de participação mística no poder da<br />
máquina enquanto uma força encarcerada<br />
na natureza e que o talento<br />
humano liberou.<br />
Inconformidade<br />
com a harmonia<br />
Este é um dos aspectos da civilização<br />
industrial: a imersão brusca do<br />
homem em algo que lhe causa prazer.<br />
Por exemplo, o homem foi feito<br />
para contemplar a bordo de um barco,<br />
de uma ilha ou na costa, a superfície<br />
do mar. Entretanto, num submarino<br />
ele é levado para abismos<br />
profundos que são para ele a própria<br />
imagem do terror, do perigo.<br />
Se houvesse um jeito de o submarino<br />
descer numa velocidade doida<br />
e, ao chegar a certa profundidade,<br />
estancasse subitamente entestando<br />
com um polvo, haveria gente que ficaria<br />
encantadíssima. É a supressão<br />
das velocidades intermediárias com<br />
uma alegria enorme em frear de repente.<br />
E aí não entra apenas o poder<br />
da mecânica arrancando o homem<br />
das velocidades intermediárias, mas<br />
Edward Lamson Henry (CC3.0)<br />
“Acomodação do 945” - Museu<br />
Metropolitano de Nova York<br />
11
Revolução Industrial<br />
tirando-o de seu habitat. Com isso<br />
ele, que está farto da natureza comum,<br />
bondosa, gentil e amável, desce<br />
a abismos, os quais lhe dão a ilusão<br />
da coragem, porém não é a verdadeira<br />
coragem porque sabe não<br />
correr risco de vida.<br />
Então, nós vemos que há mais um<br />
dado a acrescentar: o sair da atmosfera<br />
comum do homem para uma atmosfera<br />
subaquática, a qual é comum<br />
aos seres com quem o homem<br />
não convive, em condições que não<br />
são feitas para ele viver, fazendo<br />
com que force sua natureza para ir<br />
até lá embaixo.<br />
Matar a curiosidade? Sem dúvida<br />
para alguns, talvez até para muitos.<br />
Porém há mais: é a evasão de qualquer<br />
coisa de proporcionado, de harmônico,<br />
de condizente com nós mesmos<br />
de que o homem foge quando<br />
está reputando a normalidade insípida,<br />
e quer ter experiências colossais,<br />
mas não maravilhosas.<br />
Se oferecessem ao homem a possibilidade<br />
de encontrar no fundo<br />
do mar um jogo de luz à maneira<br />
da Gruta de Capri 1 , e lhe dissessem<br />
que as águas, batendo no submarino,<br />
produziriam um som harmônico que<br />
Cenas Militares do Ancien Régime - Museu de História Militar, Viena<br />
lhe faria lembrar o minueto de Boccherini<br />
2 , talvez ele desceria com menos<br />
ênfase, porque há algo nele profundamente<br />
inconformado com a<br />
harmonia da natureza, e não se satisfaz<br />
enquanto não sacie nele esse desejo<br />
entranhado de desarmonia.<br />
Incompatibilidade com<br />
as regras de cortesia<br />
A partir do momento em que<br />
passou a dominar a natureza, o homem<br />
deixou de tê-la como amiga<br />
e começou a achá-la monótona. É<br />
Eryk K S Sopoćko (CC3.0)<br />
Samuel Holanda<br />
Flávio Lourenço<br />
Patrulha de “Orzel” - Livraria Nacional da Polônia<br />
12
Deror_avi (CC3.0)<br />
Gruta de Capri, Itália<br />
um fenômeno psicológico curioso<br />
parecido com aquele pelo qual os<br />
filhos, ao atingirem a época da puberdade,<br />
principiam a considerar<br />
monótonos os pais e o ambiente<br />
da casa paterna. O filho pródigo da<br />
parábola do Evangelho tinha algo<br />
disso. Lança-se na aventura porque<br />
todas as vivacidades, a amizade, todo<br />
o clima da casa paterna não o<br />
contentam mais. Houve qualquer<br />
coisa que se desatarraxou nele e o<br />
levou a querer outras coisas, ainda<br />
que seja o monstruoso. No caso do<br />
homem do século XX há mais: ele<br />
só se consola encontrando o monstruoso.<br />
E é à procura disso que ele<br />
vai.<br />
Daí decorre também a incompatibilidade<br />
com as regras de cortesia,<br />
pois estas têm velocidades intermediárias.<br />
O que o homem contemporâneo<br />
gosta é o cumprimento<br />
simplificado: “Oi! Como vai, bicho?”<br />
Porque é uma simples interjeição,<br />
e o episódio de que ali se<br />
saudaram está feito num sinal, o<br />
resto são velocidades intermediárias<br />
que ele não pode suportar. Pelo<br />
contrário, ele tem a sensação de<br />
que aquilo que um cumprimento<br />
pode dar – e que na ótica dele não<br />
é o respeito nem o afeto – possui<br />
muito mais sabor se sorvido num<br />
golinho assim.<br />
Antigamente era costume, ao menos<br />
em São Paulo, as famílias tomarem<br />
o lanche da noite. Então, cerca<br />
de meia hora antes de se recolherem,<br />
os empregados punham a mesa,<br />
traziam docinhos, bolinhos, broinha<br />
de fubá ligeiramente temperada com<br />
anis, biscoitos de polvilho, alimentos<br />
fáceis de digerir e de sabor muito<br />
discreto, que preparavam o sono<br />
agradável.<br />
Nessa hora, conversava-se sobre<br />
temas amenos, brincava-se um pouco<br />
com as crianças que ainda estivessem<br />
acordadas ou com o cachorrinho<br />
da casa. Depois todos se despediam<br />
e cada um ia para os seus aposentos.<br />
Isso, para as mudanças das velocidades,<br />
considerava-se uma coisa<br />
completamente inútil. Mais prático<br />
era ter um jantar forte, comido<br />
depressa e sem conversar, para<br />
fazer tudo rápido, numa velocidade<br />
que não é a habitual do homem,<br />
e mastigando de maneira a deixar<br />
por demais evidente a função fisiológica.<br />
Filho Pródigo<br />
Museu do Prado, Madri<br />
13
Revolução Industrial<br />
A ruptura com<br />
a normalidade<br />
Visitor7 (CC3.0)<br />
No sistema cinematográfico,<br />
“hollywoodizado”,<br />
vêm sanduíches<br />
compostos de vários<br />
andares que o indivíduo<br />
corta de alto a baixo.<br />
Nota-se que ele está<br />
com as mandíbulas cansadas<br />
e, ao mesmo tempo,<br />
falando com a sua<br />
namorada que o acompanha<br />
em idêntico passo.<br />
Ambos de chapéu,<br />
botas e, mesmo que seja<br />
a última refeição do dia,<br />
pouco importa, estão<br />
como que a cavalo, porque<br />
a posição psicológica<br />
do homem e da mulher<br />
é de estarem a cavalo<br />
o dia inteiro, atendendo<br />
um clamor interno<br />
pelo qual sacrificam<br />
as velocidades intermediárias<br />
e saem do comum<br />
aprazível, agradável,<br />
amável, para se jogarem<br />
no corre-corre e<br />
na aflição de um mundo<br />
transformado por eles,<br />
em que um certo poder da máquina<br />
acompanha como uma matraca tudo<br />
quanto fazem.<br />
Os elevadores nos arranha-céus<br />
também tiveram nisso o seu papel.<br />
Não se podia subir num prédio de<br />
vinte andares a pé, ninguém aguenta.<br />
Com a evolução dos elevadores,<br />
num instante se subia e noutro instante<br />
se descia. Para as pessoas bem<br />
na moda, a melhor hora do elevador<br />
não era aquela em que ele subia,<br />
mas quando descia. A descida brusca<br />
produzia nas pessoas mal habituadas<br />
um pequeno arzinho no estomago.<br />
Era mais uma vez a fratura das velocidades<br />
intermediárias e normais.<br />
Rindo, uma velha senhora dizia<br />
para outra:<br />
Interior do elevador no<br />
Edifício Bradbury, Los Angeles<br />
— Ih, senti uma coisa....<br />
— Olha, medo a gente sempre<br />
tem, hein!<br />
Um homem de negócios, sem<br />
qualquer relação com elas, que estava<br />
pensando nos assuntos dele, e<br />
se devia a si mesmo uma afirmação<br />
de sua varonilidade, sem se meter<br />
na conversa, dava um ligeiro sorriso<br />
de doce desdém, como quem diz:<br />
“Isso acontece com ela, mas eu já<br />
não sinto isso assim porque mudei<br />
a minha personalidade para ajustá-<br />
-la a esse novo modo de ser diário,<br />
a essa forma nova do universo, em<br />
relação ao qual sou um homem que<br />
enfrenta, esmurra tudo, continuamente<br />
numa batalha.” Era o business<br />
man, que é o estágio mais desenvolvido<br />
do cowboy<br />
quanto à ruptura com<br />
a normalidade.<br />
Naquele tempo, se<br />
o elevador subisse fazendo<br />
barulho, o business<br />
man gostaria ainda<br />
mais, porque teria<br />
mais a noção de algo<br />
da máquina, e ele precisava<br />
ser acompanhado<br />
de um ruído mecânico<br />
o dia inteiro, exceto<br />
na hora de dormir,<br />
quando então ia<br />
sozinho para uma cidade<br />
dormitório, deitava-se<br />
em uma cama<br />
14<br />
Josephus Daniels e Henry Ford,<br />
entre os anos de 1908 e 1919
CBS Radio (CC3.0)<br />
All Star Jazz Band, em 1944<br />
National Photo Company Collection (CC3.0)<br />
supermacia e caía meio desmaiado,<br />
com os nervos em frangalhos, mas<br />
não reconhecendo isso, julgando estar<br />
no seu apogeu, na sua apoteose.<br />
Isso veio se transformando num<br />
desejo de conhecer uma velocidade<br />
como que absoluta a qual se desprende<br />
da natureza e nos conduz<br />
para um mundo de uma pressa, uma<br />
eficácia, uma subtaneidade que impressionava<br />
profundamente. Essa<br />
disposição leva o homem a perceber<br />
que a natureza tem uma porção<br />
de forças com as quais ele pode<br />
compor um mundo inteiramente diferente<br />
do atual, produzido pela Ciência.<br />
Busca da diversão<br />
sem a harmonia<br />
Sem dúvida isso cansa, mas a época<br />
das psicoses ainda não começara,<br />
o mundo estava sacando em um banco<br />
de uns cinco mil anos de existência<br />
calma e, portanto, com muito para<br />
gastar ainda, antes de ficar neurótico.<br />
Tratava-se de buscar a diversão<br />
e o prazer enxotando a harmonia.<br />
Foi quando surgiu o jazz-band.<br />
O jazz-band é a música sem harmonia,<br />
onde tudo é uma surpresa<br />
um pouco dada a caretas e que convida<br />
para a gargalhada. É uma música<br />
completamente sem seriedade.<br />
Tem-se a impressão de que aqueles<br />
instrumentos – elaborados não mais<br />
para fazer ouvir o belo, mas o inesperado<br />
– são, em matéria de som, o<br />
que é o polvo para o tripulante do<br />
submarino. Era como se um demônio<br />
tivesse deformado a antiga harmonia,<br />
cortando-a sem quebrar, e<br />
mandasse tocar.<br />
Tudo isso levava as pessoas a evadir-se<br />
para uma prodigiosa aventura<br />
da qual tinham apetência. E se<br />
um senhor respeitável quisesse parar<br />
a orquestra e dizer: “Minhas senhoras,<br />
meus amigos, meus caros jovens,<br />
eu queria fazer ver como tudo isto é<br />
uma coisa inaceitável...”, ele se tornaria<br />
o mais impopular possível. Se<br />
tivesse cometido um crime, ele não<br />
ficaria tão desmoralizado quanto fazendo<br />
isso.<br />
Começaram a aparecer algumas<br />
coisas que punham mais em relevo<br />
para o homem essa ideia de forças<br />
soltas na natureza as quais lhe permitem<br />
preparar o dia de amanhã.<br />
Eram progressos modestos, mas que<br />
causavam grande sensação na São<br />
Paulinho de então. Por exemplo, a<br />
solda autógena. Era comum, no início,<br />
porque depois tudo se torna banal,<br />
duas ou três pessoas pararem a<br />
fim de olhar alguém soldar trilhos<br />
de bonde. E o operador vaidoso por<br />
sentir-se uma espécie de ente mitológico<br />
manejando aquela coisa.<br />
Depois vinham os comentários:<br />
“Até onde o mundo levará a Ciência?<br />
Que maravilhas se podem esperar,<br />
que coisa magnífica!”<br />
15
Revolução Industrial<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Plinio</strong> e Dona Lucilia no<br />
início da década de 1920<br />
Adoração de novos deuses<br />
Os progressos da Física vinham<br />
acompanhados pelos da Química,<br />
dando lugar a indústrias fabulosas<br />
com a possibilidade de tornar acessível<br />
a todo mundo artigos que o<br />
conjunto dos homens antes não poderia<br />
possuir: pérolas falsas, tecidos<br />
que imitavam a seda, mas já não tinham<br />
nada a ver com o bicho-da-seda.<br />
Nas conversas, as pessoas atualizadas<br />
diziam:<br />
— Ahahah, você não sabia?<br />
— Mas como, seda sem bicho-da-<br />
-seda?!<br />
— Ahahah, olha lá, ele pensa que<br />
seda é feita pelo bicho-da-seda. Não,<br />
senhor! Esse tecido aqui se faz com<br />
fio de vidro.<br />
E o pobre ingênuo, que podia conhecer<br />
Aristóteles e São Tomás, mas<br />
pensava que seda só podia ser feita<br />
pelo bicho-da-seda e que vidro daria<br />
numa coisa quebradiça, mostrava<br />
sua surpresa:<br />
— Fio de vidro!<br />
— Ah, meu caro, você precisa<br />
nascer de novo.<br />
Pisando naquele indivíduo porque<br />
era um ímpio que não adorava<br />
os novos deuses nem tinha ido de<br />
encontro às alvoradas da Ciência, e<br />
ainda estava se rolando nos compassos<br />
aburguesados e idiotas de outrora.<br />
Todas essas invenções se afiguravam<br />
como algo de miraculoso. Por<br />
exemplo, a dinamite.<br />
Diziam:<br />
— Você com isso faz uma bomba<br />
e pode estalar uma montanha!<br />
Produz um túnel debaixo do Mont<br />
Blanc, o monte que Bonaparte realizou<br />
o prodígio de andar por cima...<br />
Hihihih, pobre Bonaparte… nós fazemos<br />
um buraco por baixo. Diga<br />
para que lado você quer perfurar,<br />
meu caro, porque tendo dinheiro –<br />
sem dinheiro não se consegue nada<br />
– tal empresa lhe faz esse túnel em<br />
questão de trinta dias. A natureza<br />
não tem mais obstáculos.<br />
Sempre com a ideia de produzir<br />
um impacto científico por meio de<br />
uma surpresa que introduz<br />
o indivíduo, de repente,<br />
numa situação com<br />
a qual ele não contava,<br />
com vistas a preparar<br />
inteiramente<br />
o mundo para a entrada<br />
numa ordem<br />
de coisas completamente<br />
nova, dominada<br />
por forças<br />
naturais inimagináveis.<br />
Vemos, assim,<br />
um longo movimento,<br />
iniciado com a<br />
eclosão da Revolução,<br />
de incompatibilização<br />
progressiva do homem<br />
com as condições<br />
comuns de sua existência e<br />
com as harmonias do universo.<br />
Uma quebra da ordem do universo,<br />
substituída por outra ordem fabricada<br />
pela Revolução Industrial para a<br />
qual se vai caminhando passo a passo<br />
ao longo dos séculos.<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Dona Lucilia era o<br />
oposto de tudo isso<br />
Eu senti, quando menino entre<br />
doze e dezesseis anos, em relação<br />
a todas essas coisas uma oposição<br />
enorme proveniente do meu temperamento<br />
calmo, meu modo de ser<br />
cordato e de toda a atmosfera criada<br />
por mamãe em torno de mim. Aliás,<br />
Dona Lucilia era o oposto de tudo<br />
isso, de uma oposição que ela nem<br />
fazia intencionalmente, porque nela<br />
isso transcendia o intencional.<br />
Mas de vez em quando eu sentia<br />
como se brotasse em mim certas vibrações<br />
em cadeia, as quais me inclinavam<br />
a gostar de cantarolar – eu<br />
não cedia – tal trecho de jazz-band<br />
que vinha à mente. Ou, então, reproduzir<br />
tal barulho mecânico que<br />
ouvi. Aquilo se apresentava como<br />
tendo um certo sentido, ou porque<br />
era uma coisa muito diferente e uma<br />
16
vibração se desprendia de mim em<br />
cadeia, tinha apetência daquilo que<br />
ficava fervendo em mim enquanto<br />
não cantarolasse; ou porque eu percebia,<br />
em algumas coisas novas que<br />
surgiam, algo de bom, que deixava a<br />
ordem antiga meio superada.<br />
Por exemplo, durante algum tempo<br />
usou-se serrote como instrumento<br />
de música no jazz-band. Parecia-<br />
-me que, às vezes, do som do serrote<br />
se desprendiam expressões mais<br />
categóricas no aspecto sentimental,<br />
afetivo, do que a música comum.<br />
E que era preciso saber aproveitar<br />
aquilo. Daí uma certa complacência<br />
para com o serrote.<br />
Como também uma ideia de que,<br />
a partir do momento em que se tinha<br />
descoberto a solda autógena,<br />
deveria haver um meio de fazer fogos<br />
de artifício muito mais brilhantes<br />
do que os antigos. Portanto, havia ali<br />
algo para aproveitar. E, assim, várias<br />
outras coisas dessas.<br />
Resultado da velocidade:<br />
os desequilíbrios nervosos<br />
Mas eu percebia, ao mesmo tempo,<br />
que se consentisse nisso entrava<br />
o resto todo junto. Logo, não podia<br />
cantarolar, não podia ceder, e<br />
deveria haver alguma coisa de ruim<br />
no serrote porque, do contrário, eles<br />
não o utilizariam; e que, portanto,<br />
precisava reagir até contra a ideia<br />
de aprimorar, porque não era legítimo<br />
aceitar a ideia de melhorar alguma<br />
coisa colhendo peixes nessa lagoa<br />
envenenada. Eu perderia minha<br />
integridade contrarrevolucionária se<br />
fosse me entregar a cogitações dessa<br />
natureza. Em última análise, faria<br />
o papel de bobo: estaria vendendo<br />
meus ouros e minhas esmeraldas<br />
por espelhinhos, como faziam os índios<br />
daqui com os colonizadores. E<br />
não estava disposto a executar esse<br />
papel.<br />
Eu percebia que nos indivíduos<br />
que davam entrada a essas coisas<br />
constituía-se uma zona da personalidade,<br />
a não sabendas deles, onde<br />
se produzia uma forma de desequilíbrio<br />
nervoso. Contudo não deixavam<br />
transparecer, porque um homem<br />
nervoso era o auge do depreciativo.<br />
Mas as gerações que se seguiram<br />
à minha começaram a dar<br />
mostras de nervosismo. Era a concessão,<br />
e depois a adoração de certas<br />
energias que em mim e nos de<br />
meu tempo começaram a se desatar,<br />
e contra as quais eles não reagiam.<br />
Um século de tédio e de<br />
educação engomada...<br />
Qual a causa desse desatar?<br />
Quando eu era menino, as pessoas<br />
mais velhas tinham um jeito assim:<br />
riam pouco, não se emocionavam<br />
muito, levavam uma vida a mais<br />
acomodada que se possa imaginar<br />
e, ainda quando trabalhassem bastante,<br />
procuravam disfarçar porque<br />
era um ritmo de vida no qual não cabiam<br />
grandes alegrias, movimentos,<br />
Las Ventanas del Cielo (CC3.0)<br />
Fogos de artifício em Ávila, Espanha<br />
17
Revolução Industrial<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
expansões, mas uma espécie de monotonia<br />
grave e ligeiramente sonolenta,<br />
correspondente à era do domínio<br />
da burguesia.<br />
Eu via, por exemplo, quando era<br />
criança, nas casas que minha família<br />
costumava visitar como eram as<br />
salas de visita. Às vezes, chegávamos<br />
em uma hora inesperada e víamos<br />
as salas serem aberta. Eram<br />
ambientes conservados quase como<br />
sarcófagos, onde só nessas ocasiões<br />
entrava certa luminosidade, porque<br />
antes não era permitido para a luz<br />
não prejudicar os tecidos muito preciosos<br />
ali guardados. Caminhava-se<br />
sem ouvir qualquer ruído, pois os<br />
pés pisavam duas camadas de tapetes.<br />
Às vezes se encontrava uma almofada<br />
no chão, não por desordem,<br />
mas ornamental, e na qual se pisava<br />
por inadvertência quase caindo...<br />
Via-se que não tinha nenhuma importância<br />
se uma visita quebrasse<br />
um osso por tropeçar ali, desde<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1986<br />
Príncipe Luís Felipe, em 1834<br />
que não rompesse<br />
um dos vários bibelôs<br />
que decoravam<br />
a sala.<br />
Todos se sentavam<br />
e começava a<br />
visita, mas de uma<br />
caceteação tremenda!<br />
De fato, precedeu<br />
isso mais de um<br />
século de tédio e de<br />
seriedade engomada<br />
que acumulavam<br />
energias que deveriam<br />
ter tido seus<br />
contrapesos, mas<br />
não tiveram. Estava,<br />
assim, preparada<br />
a descompressão<br />
com seus resultados.<br />
Os contemporâneos<br />
de Luís<br />
Felipe 3 , que substituíram<br />
o cravo pelo<br />
piano, foram os<br />
precursores do jazz-band. O cravo<br />
sorri, brinca, mas tem um som angelical<br />
e pode tocar melodias que na<br />
Terra não se ouvem. O piano, não.<br />
Ele é pesadão, um pouco sério à racionalista.<br />
A partir de Luís Felipe,<br />
cuja fisionomia correspondia a este<br />
perfil que estou descrevendo, até a<br />
ascensão dos Estados Unidos, o clima<br />
era esse e não comportava outra<br />
coisa. Simbolicamente, poder-se-<br />
-ia dizer que os últimos sorrisos na<br />
Terra cessaram quando o cravo foi<br />
substituído pelo piano. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
18/9/1986)<br />
1) Situada na Ilha de Capri, Sul da Itália.<br />
2) Luigi Rodolfo Boccherini (*1743 -<br />
†1805), compositor italiano.<br />
3) Louis-Philippe I (*1773 - †1850), filho<br />
de Philippe Egalité. Foi rei dos franceses<br />
de 1830 a 1848.<br />
Achille Devéria (CC3.0)<br />
18
Hagiografia<br />
São Simão e<br />
São Judas Tadeu<br />
Considerando o respeito com que<br />
a Igreja cerca a memória desses<br />
Apóstolos, a gratidão com que ela<br />
os trata, a afirmação da santidade<br />
pessoal que alcançaram,<br />
compreendemos terem eles<br />
correspondido de modo pleno aos<br />
desígnios da Providência Divina.<br />
Suas missões se realizaram<br />
inteiramente e eles morreram<br />
em paz dentro do aparente<br />
fracasso de seu apostolado.<br />
Flávio Lourenço<br />
No dia 28 de outubro<br />
a Igreja comemora<br />
a festa de São<br />
Simão e São Judas, Apóstolos.<br />
A respeito deles, temos os<br />
seguintes dados extraídos de<br />
uma obra de Dom Guéranger 1 ,<br />
entre outros.<br />
Na Sagrada Escritura<br />
há mil refutações<br />
do igualitarismo<br />
Uma antiga tradição refere que São<br />
Judas Tadeu pregou o Evangelho na<br />
Mesopotâmia, e São Simão no Egito.<br />
Depois, reuniram-se na Pérsia onde<br />
sofreram o martírio no ano de 47.<br />
Simão era designado o Zelota talvez<br />
por ter pertencido antigamente ao<br />
partido nacionalista dos zelotas, que<br />
não queriam admitir o jugo estrangeiro<br />
sobre a Palestina.<br />
Judas era sobrinho de São José por<br />
Cléofas ou Alfeu, seu pai, portanto legalmente<br />
primo do Homem-Deus. Era<br />
daqueles que os seus compatriotas<br />
chamavam irmãos do Filho do carpinteiro.<br />
Ele escreveu uma curta epístola<br />
para combater a heresia gnóstica,<br />
então nos seus começos.<br />
As relíquias dos dois Apóstolos<br />
foram transportadas, em 1605, para<br />
a Basílica do Vaticano e colocadas<br />
no altar que a tradição diz estar situado<br />
mais ou menos no lugar onde<br />
São Judas Tadeu - Igreja de São<br />
Francisco, Cidade do México<br />
19
Hagiografia<br />
Gabriel K.<br />
teria sido implantada a cruz de São<br />
Pedro.<br />
Os zelotas eram aqueles que tinham<br />
o zelo pela independência da<br />
Palestina para que ela não caísse no<br />
jugo gentio. E se entre os zelotas havia<br />
elementos maus, existiam também<br />
elementos bons porque a causa<br />
zelota tinha alguns aspectos simpáticos,<br />
dignos de apreço. Compreende-se,<br />
portanto, porque nesse meio<br />
Nosso Senhor tenha recrutado um<br />
de seus Apóstolos, São Simão.<br />
São Judas era primo de Jesus. Aliás,<br />
não era o único parente entre os<br />
Apóstolos. Isso mostra bem a extraordinária<br />
predestinação da Casa de<br />
Davi. Seria uma honra para imortalizar<br />
uma estirpe o fato de ter entre<br />
si um Apóstolo, e a de Davi possuiu<br />
mais de um. E não só isso, há um fato<br />
que eclipsa este parentesco de todos<br />
os modos possíveis: dela nasceu<br />
também o Homem-Deus.<br />
Para deixar bem marcado o amor a<br />
essa estirpe, o que por sua vez nos indica<br />
quanto Deus toma em consideração<br />
a hereditariedade, e como andam<br />
desvairadamente os igualitários<br />
que reputam ser o princípio da hereditariedade<br />
de nenhum valor. Isto<br />
é uma das coisas do igualitarismo<br />
que encontram mil refutações no<br />
conteúdo das Escrituras.<br />
A celebridade consiste<br />
em ser conhecido<br />
pelos ignorantes<br />
Diante da escassez de<br />
informações a respeito<br />
desses dois Apóstolos, poderíamos<br />
nos perguntar se<br />
convém comentá-los em<br />
nossa reunião. Respondo<br />
que sim, porque todos<br />
os Apóstolos, pela sua ligação<br />
com as origens da<br />
Igreja, devem ser objeto<br />
de nossa especial devoção.<br />
A festa de um Apóstolo<br />
não pode ser indiferente<br />
ao bom católico.<br />
Mas quando vejo nomes<br />
de Apóstolos que<br />
deixaram dados bastante<br />
pequenos na história<br />
escrita, fazendo com<br />
que uma pessoa não<br />
muito instruída nessa<br />
matéria quase nada saiba<br />
a respeito deles – porque<br />
a celebridade consiste<br />
em ser conhecido não pelos cultos,<br />
mas pelos ignorantes –, lembro-me<br />
muito da disparidade de fecundidade<br />
da evangelização dos Apóstolos que<br />
agiram na bacia do Mediterrâneo e a<br />
dos que atuaram em outros lugares.<br />
E penso a respeito da resignação<br />
que estes devem ter tido, muitos deles<br />
morrendo em paz, vendo que seu<br />
apostolado não havia produzido nenhum<br />
fruto, mas sabendo que todas as<br />
ações feitas de acordo com a vocação<br />
de cada um, realizadas com integridade<br />
de espírito e retidão de intenção,<br />
obedecendo à moção da Providência,<br />
serão premiadas no Céu e concorrem<br />
para a glória de Deus, ainda que<br />
os homens na Terra tenham dado um<br />
aplauso pequeno ou um consentimento<br />
insignificante a essas ações.<br />
Ponto de partida para a<br />
fecundidade do apostolado<br />
É interessante notar que um bom<br />
número de Apóstolos na aparência<br />
exerceu um apostolado ineficiente<br />
e fracassado. Dir-se-ia hoje que os<br />
Apóstolos da bacia do Mediterrâneo<br />
se realizaram e os outros morreram<br />
irrealizados, conforme essa mania<br />
da “realização” e esse horror do fracasso<br />
que existe atualmente.<br />
É indispensável compreendermos<br />
que isso contém uma lição para nós,<br />
considerando o respeito com que a<br />
Igreja cerca a memória desses Apóstolos,<br />
a gratidão com que ela os trata,<br />
a afirmação da santidade pessoal que<br />
alcançaram, quer dizer, eles corresponderam<br />
inteira e plenamente aos<br />
desígnios da Providência Divina. Portanto,<br />
Deus estava contente com eles,<br />
suas vidas se realizaram na plenitude<br />
e morreram em paz, dentro do aparente<br />
fracasso de seu apostolado.<br />
Mais ainda, sabendo que outros<br />
estavam tendo um apostolado muito<br />
frutífero. Os Apóstolos sofreram o<br />
martírio, compreendendo que algum<br />
dia seu sangue seria de utilidade para<br />
aqueles povos.<br />
São Simão - Igreja do Sagrado<br />
Coração de Jesus, Montreal, Canadá
Flávio Lourenço<br />
Martírio de São Judas Tadeu e São Simão - Museu Episcopal, Vic, Espanha<br />
pregnar de aroma os pés do Redentor<br />
e a Ele servir.<br />
Há outra lição para nós. Mesmo o<br />
apostolado bem sucedido vale, principalmente,<br />
por essa espécie de imolação,<br />
de holocausto, de adoração sem<br />
mais porque Deus é Deus. E digo<br />
mais: se é verdade que um apostolado<br />
com essas intenções pode não ser<br />
bem sucedido, eu não creio que haja<br />
apostolado fecundo sem essas intenções.<br />
Se uma pessoa soubesse que seu<br />
apostolado seria como o de São Simão<br />
e São Judas, isto é, sem nenhum<br />
Ainda que não tivesse utilidade<br />
para povo nenhum, eles prestaram<br />
a Deus o culto de sua adoração<br />
e de seu sacrifício desinteressado,<br />
até mesmo sem objetivo terreno.<br />
Apenas porque eram criaturas<br />
de Deus, chamados por Ele para<br />
uma certa obra, realizaram-na e nela<br />
morreram para a glória do Criador.<br />
Quer dizer, fizeram de si como<br />
aquela ânfora cheia de perfume<br />
que Santa Maria Madalena quebrou<br />
diante de Nosso Senhor, e que<br />
não teve outra utilidade senão imfruto<br />
humano, e por isso diminuísse<br />
sua dedicação, ela não daria ao seu<br />
apostolado a fecundidade necessária.<br />
Porque é esse estado de espírito que<br />
deve ser o ponto de partida para que<br />
o apostolado seja fecundo. v<br />
(Extraído de conferências de<br />
28/10/1963 e 28/10/1965)<br />
1) Cf. GUÉRANGER, Prosper. L’année<br />
liturgique. Vol V. Librairie Religieuse<br />
H. Oudin. Paris: 1900. p. 523-525.<br />
21
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Gabriel K.<br />
Retábulo do altar-mor<br />
da Igreja do Sagrado<br />
Coração de Jesus,<br />
Montreal, Canadá<br />
Glória de ser perseguido<br />
por amor a Deus<br />
A vida da Igreja não teria beleza nem mérito se muitas<br />
vezes os bons não tivessem sofrido. Os justos terão de<br />
passar por fases cruciais, enfrentar situações terríveis, mas<br />
serão libertos. A Providência intervirá a favor deles.<br />
Consideremos um trecho extraído<br />
da Carta Circular aos Associados<br />
da Companhia de Maria, de São<br />
Luís Maria Grignion de Montfort, que<br />
se encontra em suas obras completas.<br />
Nele podemos ver a amplitude do auxílio<br />
de Nossa Senhora para aqueles que<br />
sabem, de fato, invocá-La:<br />
Proteção de Nossa Senhora<br />
para os que sabem invocá-La<br />
“Eu sou a vossa proteção e a vossa<br />
defesa, ó pequena companhia” – disse<br />
o Padre eterno.<br />
Companhia quer dizer batalhão,<br />
na linguagem de São Luís Maria<br />
Grignion de Montfort.<br />
“Eu vos tenho gravado em meu coração<br />
e em minhas mãos, para vos amar e<br />
vos defender, porque vós pusestes vossa<br />
confiança em Mim, e não nos homens,<br />
na Providência e não no ouro.”<br />
Quer dizer, aqueles que se dão<br />
inteiramente a Nosso Senhor, por<br />
meio de Maria, têm seus nomes gravados<br />
no Coração e nas mãos do<br />
próprio Deus.<br />
O coração é um símbolo, e significa<br />
ter o nome gravado no Amor do<br />
próprio Deus. As mãos simbolizam a<br />
operosidade da Providência que atua<br />
e encaminha os acontecimentos.<br />
Uma ilustração muito bonita disso<br />
é o quadro representando Nossa<br />
Senhora de Guadalupe. Ao ser analisado<br />
recentemente com lentes especiais,<br />
verificou-se que na menina<br />
dos olhos da imagem estava o índio<br />
para quem a Santíssima Virgem apareceu.<br />
É um modo de Nossa Senhora<br />
exprimir o seu carinho singular tem<br />
para com aqueles que A servem, e<br />
que podem ser fustigados por essas<br />
ou aquelas tempestades: são sempre<br />
22
levados a bom termo pela Providência<br />
Divina.<br />
Seremos libertos dos<br />
assaltos infernais<br />
“Eu vos libertarei das ciladas que<br />
vos fazem,…”<br />
É bem o nosso caso.<br />
“…das calúnias que são levantadas<br />
contra vós.”<br />
Portanto, é próprio aos verdadeiros<br />
filhos de Nossa Senhora, em todos os<br />
tempos, sofrer ciladas e calúnias.<br />
“Eu vos livrarei dos terrores da noite,<br />
e das trevas que vos metem medo.”<br />
O que são os terrores da noite?<br />
Não são apenas os fantasmas ou os<br />
medos que as pessoas podem<br />
ter durante a noite, mas são<br />
os terrores que aparecem aos<br />
homens nas situações obscuras<br />
e tenebrosas da vida. Nas<br />
quadras difíceis da existência<br />
em que o homem não sabe<br />
como agir, ele se vê como<br />
que numa noite cheia de terrores.<br />
Então, Deus, por intercessão<br />
de Nossa Senhora<br />
que é nossa Medianeira, nos<br />
auxiliará nas trevas das quais<br />
possamos estar circundados.<br />
“Eu vos livrarei dos assaltos<br />
do demônio do meio-dia<br />
que vos quer seduzir.”<br />
Ao que parece, esse demônio<br />
do meio-dia é o da idade<br />
madura, ao qual estão sujeitos<br />
os homens quando chegam<br />
à época em que se perguntam:<br />
“O que fiz na vida?<br />
Que carreira segui? Que grau<br />
ocupei? A que cargo cheguei?<br />
Que dinheiro economizei?<br />
Que prestígio granjeei?”<br />
E vendo que não granjearam<br />
o que queriam, embora às vezes<br />
tenham granjeado muito,<br />
resolvem vender-se.<br />
Essa forma de tentação é<br />
chamada de o demônio do<br />
meio-dia, porque o homem<br />
está no pináculo de sua vida, naquela<br />
hora em que ele vai caminhando<br />
para o seu declínio, pois a tarde começa<br />
e, então, faz um retrospecto do<br />
que foi toda a sua manhã, e se pergunta<br />
o que ele fez, o que colheu.<br />
Preocupação que não se põe de<br />
modo tão aflitivo aos vinte anos como<br />
aos trinta; nem tão aflitiva aos<br />
trinta quanto aos quarenta, mas parece<br />
que chega ao seu zênite entre<br />
os quarenta e os sessenta. Essa<br />
é a idade na qual o homem procura<br />
consolidar-se, e pode tornar-se<br />
venal. Provavelmente Judas Iscariotes<br />
encontrou-se com o demônio do<br />
meio-dia quando resolveu vender<br />
Nosso Senhor.<br />
Nossa Senhora de Guadalupe<br />
(acervo particular)<br />
Se perseguidos, seremos<br />
cobertos com o poder de<br />
Deus e o afeto de Maria<br />
“Eu vos esconderei sob as minhas<br />
próprias asas.”<br />
Essas foram as belas palavras de<br />
Nosso Senhor a respeito de Jerusalém,<br />
quando disse: “Jerusalém, Jerusalém...<br />
quantas vezes Eu quis reunir<br />
os teus filhos, como a galinha reúne<br />
seus pintinhos debaixo de suas asas...<br />
e tu não quiseste! (Mt 23, 37)”<br />
Assim também parece dizer Nossa<br />
Senhora àqueles que forem perseguidos<br />
pela ação do demônio e seus<br />
sequazes, por amor ao nome d’Ela:<br />
“Eu te reunirei debaixo das minhas<br />
asas. Eu te cobrirei com o<br />
meu afeto.”<br />
“Eu vos carregarei nos<br />
meus próprios ombros.”<br />
É uma referência à parábola<br />
do Bom Pastor que toma<br />
a ovelha doente e a carrega<br />
nos próprios ombros com<br />
todo o afeto.<br />
“Eu vos nutrirei no meu próprio<br />
seio.”<br />
A Providência fará conosco<br />
o que a mãe faz com o seu filhinho,<br />
o que Nossa Senhora<br />
fez com o Menino Jesus. Assim<br />
Ela trata aos que somos<br />
perseguidos por amor a Ela.<br />
“Eu vos armarei com a minha<br />
verdade, e tão poderosamente,<br />
que vós vereis os vossos<br />
inimigos cair aos milhares<br />
ao vosso lado. Mil maus<br />
pobres à vossa esquerda, dez<br />
mil maus ricos à vossa direita,<br />
sem que a minha vingança sequer<br />
se aproxime de vós.”<br />
A metáfora é linda! É o<br />
justo que, embora perseguido<br />
por amor a Nossa Senhora,<br />
continua avançando. Ele verá<br />
caírem, de um lado e de outro,<br />
os inimigos d’Ela. À esquerda<br />
dele cairão mil maus<br />
pobres, à sua direita cairão<br />
Luis C.R. Abreu<br />
23
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Felix Reimann (CC3.0)<br />
dez mil maus ricos, mas a vingança de<br />
Deus não o atingirá, nem de longe.<br />
Por que esses mil maus pobres e<br />
esses dez mil maus ricos? Em primeiro<br />
lugar, é preciso notar quantos<br />
inimigos tem o justo. Ele olha para a<br />
esquerda e tem mil homens; isso dito<br />
numa época em que a população do<br />
Globo era muito menor... São todas<br />
frases bíblicas. Mil homens já era um<br />
exército que metia medo.<br />
Do outro lado, ele tem dez mil<br />
maus ricos. Quer dizer, está assediado<br />
de maus por todos os lados. Cercaram-no<br />
para liquidá-lo. Mas põe a<br />
sua confiança em Nossa Senhora e<br />
nada lhe sucede.<br />
Agora, por que de um lado os pobres<br />
são mil, e os maus ricos são dez<br />
mil? São Luís mostra que o bem e o<br />
mal não estão condicionados ao fato<br />
de ser pobre ou rico. Por isso diz<br />
que, de um lado, há ricos e, de outro,<br />
pobres; uns e outros são ruins.<br />
Mas como o rico é mais poderoso do<br />
que o pobre – ao menos era naquele<br />
tempo – constitui uma manifestação<br />
maior do poder de Deus liquidar<br />
o número superior de ricos.<br />
“Vós caminhareis com coragem sobre<br />
a áspide e o basilisco, o invejoso e<br />
caluniador.”<br />
São animais bravios. A áspide é<br />
uma forma de cobra e o basilisco é<br />
um animal mitológico. Caminhar sobre<br />
cobras não é nada prudente, é perigoso;<br />
caminhar sobre o basilisco, um<br />
animal mitológico, deve ser uma coisa<br />
horrorosa, mas nada acontecerá; serão<br />
todos calcados aos pés. Então, a<br />
áspide deve ser a invejosa, e o basilisco,<br />
o caluniador. Quer dizer, “vós caminhareis<br />
sobre os invejosos e os caluniadores<br />
e nada vos acontecerá.”<br />
“Vós calcareis aos pés o leão e o<br />
dragão ímpio, arrogante e orgulhoso.<br />
Eu vos ouvirei nas vossas orações, vos<br />
acompanharei nos vossos sofrimentos,<br />
vos livrarei de todos os males e vos<br />
glorificarei com toda a minha glória.”<br />
O justo pode sofrer, e quantas vezes<br />
tem sofrido... A vida da Igreja<br />
não teria nenhuma beleza, nem mérito<br />
se muitas vezes os bons não tivessem<br />
padecido. Os justos terão de<br />
passar por fases cruciais, enfrentar<br />
coisas terríveis, mas serão libertos. A<br />
Providência intervirá a favor deles.<br />
Bem-aventurados os perseguidos<br />
por amor à justiça<br />
E serão objeto de uma linda promessa:<br />
“Eu vos glorificarei com toda a minha<br />
glória, que vos mostrarei no meu reino<br />
descoberto, depois que Eu vos tenha enchido<br />
de dias e de bênçãos nesta Terra.”<br />
Essa é a majestade de Deus providíssima.<br />
Naturalmente, Ele não diz que todos<br />
os bons viverão muito tempo,<br />
mas diz uma outra coisa: Deus não<br />
permitirá que os maus matem aqueles<br />
que, segundo o seu desígnio, devem<br />
viver muito tempo, pois fará que<br />
eles cumpram os seus dias na Terra.<br />
Os maus só matarão aquele que Deus<br />
permitir, por desígnio divino, morrer<br />
numa determinada ocasião, por meio<br />
de uma doença, um desastre, ou qualquer<br />
outra coisa que pudesse matar.<br />
Esses justos serão cumulados de<br />
dias e de bênçãos nesta Terra, e no<br />
Céu serão glorificados com toda a<br />
glória de Deus. Prêmio magnífico<br />
concedido não a qualquer perseguido,<br />
mas apenas para quem o é por<br />
amor a Deus.<br />
Um pai de família, por exemplo,<br />
pode ser muito solícito; entretanto,<br />
ateu. Vem um bandido qualquer, implica<br />
com a sua solicitude e comete<br />
um crime contra ele. É um crime<br />
abominável, um homicídio. Mas esse<br />
homem não tem a glória de quem é<br />
perseguido por amor a Deus.<br />
Outro caso hipotético pode ser de<br />
alguém com ódio de um antepassado<br />
meu, porque outrora tiveram uma<br />
disputa de terras. Então diz: “Bem,<br />
agora vou me vingar daquele homem<br />
nesse que é seu descendente.”<br />
A vingança é um ato mau, ainda<br />
mais quando realizada contra um<br />
inocente, porque não tenho parte no<br />
delito ou crime que esse me antepassado<br />
tenha cometido. De maneira<br />
que tudo é mau. No entanto, absolutamente<br />
não se compara a quem é<br />
perseguido por amor a Deus.<br />
O mérito especial de ser perseguido<br />
por amor a Deus está no fato de<br />
ser uma das bem-aventuranças no<br />
Evangelho. Aquele justo que é perseguido<br />
recebe da Providência uma<br />
espécie de delegação, representação<br />
ou mandato. Ele é um procurador de<br />
Deus diante dos homens. E sendo<br />
odiado, é a Deus que odeiam nele.<br />
24
Essa alma contrai, assim, um vínculo<br />
com Deus que é uma prova do<br />
amor d’Ele por ela. Ele a chama para<br />
junto de Si e a quer cumular de<br />
seu afeto e carinho precisamente<br />
nessas circunstâncias, porque fizeram-na<br />
sofrer por amor a Ele.<br />
Dou outro exemplo terreno. Imaginem<br />
um rei que é duramente insultado<br />
por um cavaleiro de um reino<br />
vizinho. O soberano dirá: “Lutar<br />
com um simples cavaleiro de outro<br />
reino não tem propósito. Sou rei e<br />
combato contra outro monarca, não<br />
contra um simples cavaleiro. Mas,<br />
por outro lado, a minha honra não<br />
pode deixar de se desagravar desse<br />
ultraje. Então, vou nomear alguém<br />
para lutar contra aquele.”<br />
O cavaleiro designado vai e luta.<br />
Não foi uma prova de afeto do rei tê-<br />
-lo nomeado para o combate? Sim,<br />
porque o monarca quis sentir-se representado<br />
por aquele, incumbindo-<br />
-o da função digna e gloriosa de defender<br />
a honra real.<br />
Nosso Senhor disse expressamente:<br />
“Em verdade eu vos declaro: todas<br />
as vezes que fizestes isto a um<br />
destes meus irmãos mais pequeninos,<br />
foi a mim mesmo que o fizestes”<br />
(Mt 25, 40). Isso vale tanto para<br />
a esmola como para o ultraje. E se<br />
Deus permitiu que, no cumprimento<br />
do dever, fôssemos atacados, estamos<br />
fazendo o papel de um cavaleiro<br />
constituído como seu representante,<br />
suportamos a perseguição, a calúnia<br />
e a injúria em nome d’Ele e somos<br />
seus representantes, como Anjos. É<br />
uma missão lindíssima que nos reveste<br />
de toda a glória.<br />
vendo nele a personificação de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, levou-o para<br />
o próprio leito conjugal, e ali foi tratar<br />
dele.<br />
Mas essa santa rainha tinha uma<br />
sogra intrigante que presenciou a cena<br />
e contou para o filho, o Duque da<br />
Turíngia, esposo de Santa Isabel:<br />
— Venha ver o que fez sua mulher!<br />
Colocou um leproso na cama<br />
onde você dorme, com a intenção<br />
de passar a lepra para você. Vá lá no<br />
quarto ver se não é verdade.<br />
Ele entrou nos aposentos e, ao<br />
retirar o lençol que cobria o pobre<br />
morfético, viu no lugar deste o próprio<br />
Redentor. Aquele leproso representava<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
que por causa desse ato de caridade<br />
realizou tal milagre.<br />
No Evangelho, o Divino Mestre<br />
diz que no Juízo Final vai julgará os<br />
homens segundo o seguinte critério:<br />
“Tive fome e não me destes de comer;<br />
tive sede e não me destes de beber;<br />
era peregrino e não me acolhestes;<br />
nu e não me vestistes; enfermo e<br />
na prisão, e não me visitastes.” Deus<br />
estava na pessoa de todos os aflitos e<br />
necessitados, e aos que não os socorreram,<br />
Ele diz: “Ide, malditos, para<br />
o fogo do eterno!” (Mt 25, 41-43).<br />
Assim também Deus Se faz representar<br />
pelos que sofrem aflições ou<br />
necessidades por causa d’Ele.<br />
Se é verdade que Christianus alter<br />
Christus, então o cristão crucificado<br />
é um outro Cristo crucificado.<br />
Devemos pedir a Nossa Senhora<br />
que nos torne dignos de enfrentar<br />
a fúria dos inimigos d’Ela. Que a<br />
Mãe de Misericórdia afaste de nós a<br />
provação e a perseguição, mas se estiver<br />
no seu desígnio enfrentarmos<br />
isso durante algum tempo, que Ela<br />
nos dê a confiança imperturbável de<br />
que, debaixo de quaisquer cinzas, renascerá<br />
a TFP para a glória d’Ela.v<br />
(Extraído de conferência de<br />
21/10/1971)<br />
Flávio Lourenço<br />
Das cinzas renascerão<br />
os justos perseguidos,<br />
para glória de Deus!<br />
Em histórias de Santos vemos<br />
com frequência casos como o de<br />
Santa Isabel da Hungria. Ela cuidava<br />
dos doentes, inclusive leprosos. Certa<br />
ocasião, viu um pobre leproso e,<br />
Santa Isabel da Hungria dando esmola<br />
Igreja de Santo Ulrico, Ortisei, Itália<br />
25
Bridgeman (CC3.0)<br />
C<br />
alendário<br />
1. Santa Teresa do Menino Jesus e<br />
da Santa Face, virgem e Doutora da<br />
Igreja (†1897). Muito jovem ingressou<br />
no Carmelo de Lisieux. Pio XI<br />
a canonizou no ano de 1925 e dois<br />
anos mais tarde a proclamou, junto<br />
a São Francisco Xavier, Padroeira<br />
Universal das Missões.<br />
2. Santos Anjos da Guarda<br />
São Beregiso, abade (†c. 725).<br />
Fundou um mosteiro de cônegos<br />
regulares na região de Ardennes,<br />
Bélgica.<br />
3. XXVII Domingo do Tempo<br />
Comum.<br />
Bem-aventurados André de Soveral<br />
e Ambrósio Francisco Ferro,<br />
presbíteros, e companheiros, mártires<br />
(†1645).<br />
4. São Francisco de Assis, fundador<br />
(†1226).<br />
Santa Áurea (†c. 666). Abadessa<br />
do Mosteiro de São Marcial, em Paris,<br />
onde viviam cerca de trezentas virgens<br />
sob a regra de São Columbano.<br />
5. Santa Maria Faustina Kowalska,<br />
virgem (†1938). Religiosa das Ir-<br />
São Phillip Howard<br />
dos Santos – ––––––<br />
Johann Salver (CC3.0)<br />
Beato Adalberon<br />
de Würzburg<br />
mãs da Bem-Aventurada Virgem Maria<br />
da Misericórdia, que muito trabalhou<br />
em Cracóvia, Polônia, para manifestar<br />
o mistério da Misericórdia<br />
Divina.<br />
Santa Flora, religiosa da Ordem de<br />
São João de Jerusalém (†1347). Dedicou<br />
sua vida ao cuidado dos doentes.<br />
6. São Bruno, presbítero e fundador<br />
(†1101).<br />
Beato Adalberon de Würzburg,<br />
bispo (†1090). Foi perseguido pelos<br />
cismáticos e expulso de sua Diocese<br />
de Würzburg, Alemanha, por haver<br />
defendido a Sé Apostólica.<br />
7. Nossa Senhora do Rosário.<br />
São Marcos, Papa (†336). Em seu<br />
curto Pontificado instituiu o pálio, fez<br />
o primeiro calendário das festas religiosas<br />
e mandou construir as Basílicas<br />
de São Marcos e de Santa Balbina.<br />
8. São Félix, Bispo de Como<br />
(†s. IV). Foi ordenado por Santo Ambrósio.<br />
Beatos João Adams, Roberto Dibdale<br />
e João Lowe, presbíteros e mártires<br />
(†1586). Mortos após sofrerem<br />
atrozes suplícios, no reinado de Isabel<br />
I.<br />
9. Santo Inocêncio da Imaculada,<br />
presbítero passionista, e oito<br />
companheiros mártires (†1934).<br />
Padeceram o suplício em Turón,<br />
Astúrias, durante a perseguição<br />
religiosa na Espanha.<br />
10. XXVIII Domingo do Tempo<br />
Comum.<br />
São Paulino de York, bispo<br />
(†644). Monge e discípulo do Papa<br />
São Gregório Magno, enviado para<br />
pregar o Evangelho na Inglaterra.<br />
Batizou o rei Santo Eduíno da Nortúmbria,<br />
seus dois filhos e muitos outros<br />
nobres.<br />
11. Santo Anastácio, presbítero<br />
(†666). Companheiro de São Máximo,<br />
o Confessor, na defesa da Fé e<br />
nos sofrimentos, morreu exilado nas<br />
montanhas do Cáucaso.<br />
12. Solenidade de Nossa Senhora<br />
da Conceição Aparecida.<br />
Beato Pacífico Salcedo Puchades,<br />
religioso e mártir (†1936). Irmão leigo<br />
capuchinho fuzilado em Massamagrell,<br />
perto de Valência.<br />
13. São Venâncio de Tours, abade<br />
(†s. V). Com o consentimento de sua<br />
esposa, ingressou no Mosteiro de São<br />
Martinho, em Tours, a fim de viver só<br />
para Cristo.<br />
14. São Calisto I, Papa e mártir<br />
(†c. 222).<br />
São Domingos Loricato. Seguindo<br />
o conselho de seu mestre, São Pedro<br />
Damião, fundou a comunidade<br />
eremítica da Santíssima Trindade do<br />
monte San Vicino, Itália (†1060)<br />
15. Santa Teresa Jesus, virgem e<br />
Doutora da Igreja (†1582).<br />
26
––––––––––––––– * Outubro * ––––<br />
Flávio Aliança<br />
Santa Tecla de Kitzingen, abadessa<br />
(†c. 790). Religiosa beneditina de<br />
Wimborne, Inglaterra, enviada à Alemanha<br />
para ajudar São Bonifácio.<br />
16. Santa Margarida Maria Alacoque,<br />
virgem (†1690). Religiosa da Ordem<br />
da Visitação, no convento de Paray-le-Monial,<br />
França, recebeu revelações<br />
de Nosso Senhor para propagar a<br />
devoção ao Sagrado Coração de Jesus.<br />
17. XXIX Domingo do Tempo Comum.<br />
Santo Inácio de Antioquia, bispo e<br />
mártir (†107).<br />
Santo Isidoro Gagelin, presbítero<br />
e mártir (†1833). Sacerdote das Missões<br />
Estrangeiras, morto durante as<br />
perseguições no Vietnã.<br />
18. São Lucas, Evangelista.<br />
Santo Amável, presbítero (†s. V).<br />
Sacerdote de Riom, França, elogiado<br />
por São Gregório de Tours por suas<br />
virtudes e dons de milagres.<br />
19. São Phillip Howard, mártir.<br />
Conde de Arundel, padeceu por professar<br />
a Fé católica, sob a perseguição<br />
de Elizabeth I.<br />
Santa Maria Faustina Kowalska<br />
20. Santo André Calibita, monge<br />
cretense. Por defender o culto às imagens<br />
foi cruelmente torturado e depois<br />
lançado do alto de uma muralha<br />
(†767)<br />
21. São Hilarião, abade (†c.371).<br />
Santa Laura Montoya y Upegui,<br />
virgem (†1949). Religiosa colombiana,<br />
fundou em Medellín a<br />
Congregação das Irmãs Missionárias<br />
de Maria Imaculada e Santa Catarina<br />
de Sena.<br />
22. São Marcos, Bispo de Jerusalém<br />
(†s. II).<br />
São Donato Scoto, bispo (†c. 875).<br />
Nobre irlandês que, desejoso de perfeição,<br />
iniciou uma vida de peregrinações.<br />
Foi eleito Bispo de Fiesole, Itália,<br />
quando estava a caminho de Roma.<br />
23. São João, Bispo de Siracusa, na<br />
Sicília, Itália (†c. 601).<br />
São Teodoreto de Antioquia, presbítero<br />
e mártir (†c. 362). Morto por<br />
ordem de Juliano, o Apóstata, por recusar-se<br />
a renegar a Fé.<br />
24. XXX Domingo do Tempo Comum.<br />
Santo Antônio Maria Claret, bispo<br />
(†1870).<br />
Santo Aretas e companheiros,<br />
mártires (†523).<br />
25. Santo Antônio de Sant’Ana<br />
Galvão, presbítero (†1822).<br />
Beato Recaredo Centelles Abad,<br />
presbítero e mártir (†1936). Membro<br />
da Irmandade dos Sacerdotes Operários<br />
Diocesanos, assassinado junto ao<br />
cemitério de Nules, Espanha.<br />
26. São Fulco, Bispo de Pavia, Itália.<br />
(†1229).<br />
Beato Damião Furcheri, presbítero<br />
(†1484). Sacerdote dominicano, incansável<br />
pregador nas regiões da Ligúria,<br />
Lombardia e Emília, Itália.<br />
Beato Pacífico Salcedo Puchades<br />
27. Santo Evaristo, Papa (†108).<br />
Foi o quarto sucessor de São Pedro.<br />
Morreu mártir no tempo de Trajano.<br />
28. São Simão e São Judas Tadeu,<br />
Apóstolos.<br />
São Rodrigo Aguilar, presbítero.<br />
Martirizado durante a perseguição no<br />
México, em 1927.<br />
29. São Narciso, bispo e mártir (†s.<br />
IV). Exerceu seu ministério em Girona,<br />
Espanha.<br />
30. São Gerardo, Bispo de Potenza,<br />
Itália. (†1122).<br />
Beato Aleixo Zaryckyj, presbítero<br />
e mártir (†1963). Sacerdote da Arquieparquia<br />
ucraniana, preso no campo<br />
de concentração de Dolinka, Cazaquistão,<br />
onde morreu.<br />
31. XXXI Domingo do Tempo Comum.<br />
Beato Domingos Collins, religioso<br />
e mártir (†1602). Irmão coadjutor<br />
jesuíta, preso, torturado e enforcado<br />
na Irlanda.<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
27
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
A verdadeira<br />
amizade<br />
Concebidos no pecado original, todos temos algo a ser aperfeiçoado e<br />
corrigido. O amigo verdadeiro é aquele que, considerando sua própria<br />
debilidade, é cônscio das lacunas alheias e se dispõe a auxiliar seu<br />
próximo rumo à perfeição; aceita as reprimendas daqueles que lhe<br />
são benquistos como meio salutar de combater o amor-próprio.<br />
Flávio Lourenço<br />
Há um conceito semi-generalizado<br />
de que, sendo o afeto<br />
mútuo impossível sem a confiança<br />
mútua, e de si ambos são sentimentos<br />
e disposições de alma tendentes<br />
a desvanecer barreiras de um em<br />
relação a outrem, os que participam<br />
da mesma estima e amizade devem,<br />
dentro das possibilidades, dispor tudo<br />
quanto têm em comum; não manifestar<br />
atitudes que lembrem a possibilidade<br />
de desconfiança recíproca,<br />
ou que insinuem reprimenda de um<br />
a outro, mas, isto sim, permeadas de<br />
despreocupação terna e completa.<br />
De modo que, se no trato cordial<br />
aparecer a menor reserva, por onde o<br />
interlocutor entenda, conforme as circunstâncias,<br />
ser objeto de represália, isso<br />
tisna as relações, prejudica e pode levar<br />
à retração recíproca e irremediável.<br />
Entretanto, a amizade e a confiança<br />
verdadeiras não são assim. O descrito<br />
acima poderá ser um de seus aspectos,<br />
não o único, pois o homem reto<br />
não é amigo autêntico de quem lhe<br />
demonstra apenas esse lado benévolo.<br />
É preciso antes de tudo considerar<br />
o seguinte ponto.<br />
28<br />
Os chefes da Confraria dos Alabardeiros de<br />
San Sebastián - Museu do Louvre, Paris
“Repreende o justo<br />
e ele te amará”<br />
Toda criatura humana é concebida<br />
no pecado original e está em estado<br />
de prova, logo, é pecável. Portanto,<br />
ao nos relacionarmos manifestaremos<br />
ao próximo que ele tem de fato<br />
toda a confiança que merece. Porém<br />
ela não será ilimitada, porque o<br />
homem reto duvida de si mesmo e vigia-se.<br />
Agindo assim consigo, também<br />
deve estar atento em relação ao<br />
outro, por ver na sua própria miséria<br />
a alheia. Os santos que praticaram de<br />
modo extraordinário as maiores virtudes<br />
eram, exatamente nessas virtudes,<br />
mais especialmente vigilantes de<br />
si e dos outros.<br />
A Escritura diz: “Repreende o<br />
justo e ele te amará” (cf. Pr 9, 8). No<br />
amigo no qual eu note uma vigilância<br />
e uma repreensão pelo menos em<br />
potencial, ali o amo. Se sou um homem<br />
reto, devo esperar de meu amigo<br />
uma repreensão. E devo amar nele<br />
a disposição de alma por onde ele<br />
é assim.<br />
Em consequência, o convívio humano,<br />
por mais afetuoso que seja, não<br />
pode ser despreocupado, sem fronteiras,<br />
e, no sentido psicológico da palavra,<br />
desarmado.<br />
Devemos sentir, sobretudo nos superiores,<br />
a permanência da vigilância,<br />
e por detrás dela, a aptidão de corrigir.<br />
Entretanto, muitas vezes um homem<br />
justo não repreende porque o<br />
repreendido não tem amor.<br />
Pilar fundamental do<br />
relacionamento mútuo:<br />
a consideração da<br />
fraqueza humana<br />
Todas essas observações desagradam<br />
as pessoas. Pois não querem<br />
aceitar essa consequência necessária<br />
de três pontos: o pecado original, a<br />
existência do demônio e o estado de<br />
prova sujeito ao homem.<br />
Adão, sem pecado<br />
original, estando no<br />
Paraíso, sofreu tentação<br />
e caiu, haveremos<br />
de imaginar, nós<br />
e nosso amigo, impassíveis<br />
de queda? Como<br />
nós, ele também<br />
é ser humano, pode<br />
começar a decair<br />
e a qualquer instante<br />
olhar com agrado para<br />
o fruto proibido.<br />
Sendo assim, como<br />
poderei não ter restrição,<br />
ao menos em potencial,<br />
em relação a<br />
ele? Será ela carregada<br />
de consideração, é<br />
verdade, mas não deixará<br />
de ser imposto<br />
certo limite.<br />
A verdadeira<br />
amizade implica<br />
disposição à<br />
correção<br />
O que não for isso,<br />
não é sério, não é amizade.<br />
Se o repreender<br />
é um dos ofícios do amigo, aquele que<br />
por moleza ou qualquer motivo não está<br />
disposto a fazer-me esta incumbência,<br />
não pode ser reputado como tal.<br />
Imaginem alguém que tivesse um<br />
amigo que fosse grande cirurgião, em<br />
determinado momento julga necessário<br />
ser operado, e pede a ele. Contudo,<br />
por pena, este se recusa a fazer a<br />
cirurgia:<br />
— Ah, eu gosto tanto de você que<br />
não quero lhe operar.<br />
— Mas estou precisando, você<br />
não quer fazer-me esse favor?<br />
Assim diríamos àquele ao qual devotamos<br />
verdadeira amizade: “Preciso<br />
que me repreenda, você não quer<br />
me repreender?”<br />
O que não for isso, absolutamente,<br />
não é amizade séria.<br />
A visita do cardeal - Museu de Cádiz, Espanha<br />
Autêntico trato amigável,<br />
averso ao amor-próprio<br />
É inegável que entre nosso povo<br />
todas as formas de trato onde transparece<br />
um pouco disso elimina a popularidade<br />
e cria isolamento. Também<br />
os brasileiros apenas a meio sangue,<br />
e os habituados a morar em nosso<br />
país há muito tempo, se não estiverem<br />
atentos, aderem a esse modo<br />
de pensar e agir. Inclusive o alemão<br />
prussiano, por mais militarista que<br />
seja, se viver no Brasil, passado algum<br />
tempo isso lhe entra no subconsciente.<br />
Porque o amor-próprio se habitua<br />
demasiado a tudo o que o afaga. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
7/5/1983)<br />
Flávio Lourenço<br />
29
Luzes da Civilização Cristã<br />
Dignidade, distinção e<br />
disposição para a luta<br />
Profundamente encantado, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tece belas considerações<br />
a respeito do espírito medieval impregnado nas muralhas de<br />
Ávila, descrevendo seus múltiplos aspectos bélicos e artísticos,<br />
quase como que discernindo a alma dessa histórica cidade.<br />
Á<br />
vila, na Espanha, é a cidade onde nasceu a<br />
grande Santa Teresa de Jesus. Ali ela fundou o<br />
seu principal convento e nele está sepultada.<br />
Síntese celeste entre a guerra e a paz<br />
Vejam a maravilha de uma cidade pequena dominada<br />
por uma imponente construção; poderá ser uma fortaleza,<br />
uma igreja ou um mosteiro. É muito agradável ver o<br />
contraste entre o casario que dorme, lembrando uma vida<br />
calma, tranquila, pacata, séria, sem as excitações da<br />
vida contemporânea, mas, ao mesmo tempo, cheia de bonomia,<br />
protegida por uma muralha magnificamente iluminada,<br />
onde a beleza do gótico e do medieval se nota<br />
por inteiro.<br />
A iluminação faz sentir muito a força da muralha e<br />
qualquer coisa de épico, de heroico que há dentro disso.<br />
Choniron (CC3.0)<br />
Gabriel K.<br />
30
Flávio Lourenço<br />
Nós imaginamos de bom grado essa muralha guarnecida<br />
por guerreiros com couraças e elmos, com estandartes<br />
e instrumentos musicais, postados ali para homenagear<br />
algum personagem ilustre ou para receber na ponta<br />
da lança os adversários que pretendam tomar Ávila. Essas<br />
muralhas falam da beleza, firmeza de alma, coerência,<br />
seriedade e sacralidade. Tudo isso está ali representado<br />
de um modo magnífico. Em suma, é a Idade Média.<br />
Alguém perguntará: “Mas por que há tanta harmonia<br />
nisso?” Porque ali se encontram a guerra e o direito, ou<br />
seja, a legítima defesa de uma população que na guerra<br />
é protegida, pois suas muralhas a amparam, e por isso,<br />
pode dormir tranquila. A muralha assegura o sono, como<br />
o guerreiro garante a ordem, o direito e a paz. É algo<br />
esplendoroso!<br />
Alguém poderá questionar: “Está bem, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>,<br />
mas essa fotografia apresenta uma realidade ou ela é um<br />
pouco à Claude Lorrain?”<br />
É preciso notar que essa fortificação foi construída<br />
com a preocupação exclusiva da estratégia. A distância<br />
entre os muros não visa apenas a beleza, mas permitir<br />
que o adversário seja atingido por três lados quando<br />
queira atacar o intervalo entre dois torreões.<br />
A torre é muito mais forte do que o muro e se defende<br />
por si mesma. Seu feitio redondo contribui para dispersar<br />
o adversário. O muro, que é mais fraco, fica defendido<br />
pelas duas torres. As diferentes distâncias e alturas<br />
das muralhas são calculadas para opor resistência<br />
aos projéteis lançados. Portanto, tudo planejado de modo<br />
estrito, de acordo com o necessário. Tem-se a impres-<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
são de que cada torre é uma garra que segura o monte e<br />
que domina a terra.<br />
Entretanto, essas muralhas, que abrangem o povoado<br />
como uma cintura, têm uma inegável beleza. O que<br />
há nisso, então, de ideal? É estritamente real, mas tem<br />
qualquer coisa de celeste. Há algo nessa síntese entre a<br />
guerra e a paz, o direito e a luta, o repouso e a batalha,<br />
que nos deixa maravilhados. É a Idade Média em todo o<br />
seu esplendor.<br />
Profundo senso de defesa<br />
Notem a solidez dessa porta de Ávila! Como é robusta<br />
e como a entrada estava bem protegida! Havia duas torres<br />
que guarneciam a passagem. Quem conseguisse entrar<br />
debaixo de uma chuva de pedras e azeite fervendo,<br />
Elena F D (CC3.0)<br />
M.Peinado (CC3.0)<br />
32
Flávio Lourenço<br />
esbarraria com a porta interna. E ali já havia outro passadiço<br />
para jogar flechas e pedras sobre quem atravessava.<br />
Ademais, a certa altura, havia também um patamar<br />
de onde, quando o adversário passava, descia uma<br />
grade e ele ficava encurralado, impossibilitando-o de<br />
voltar para trás. E aí levava uma pancadaria grossa.<br />
Nesses aspectos se traduz o senso de defesa que eles possuíam.<br />
Tudo tático, entretanto, que maravilha! Quando o<br />
defensor da cidade jogava uma flecha da parte superior, escondia-se<br />
atrás de uma dessas ameias para não ser atingido<br />
pelo invasor que respondia de baixo com outra flecha.<br />
Ao perceber que o de baixo estava desprotegido, lá vinha<br />
outra flechada de cima. Nas torres antigas havia seteiras<br />
por onde também podiam jogar projéteis sobre o agressor.<br />
De maneira que era árduo agredir uma cidade assim.<br />
Em outra fotografia vê-se uma bonita vegetação, o chão<br />
está bem cuidado, o canteiro realça a beleza da muralha,<br />
e há até um pequeno monumento acrescentado no século<br />
passado ou neste século. Não podia faltar o poste de<br />
iluminação pública. Mas como ele é bonitinho em comparação<br />
com esses pontos “dinossáuricos” que estão sendo<br />
instalados hoje em dia com luz de mercúrio. Ali não. Como<br />
é bem proporcionado; é quase um escrínio dentro do<br />
qual ainda se encontra, talvez, iluminação a gás.<br />
Há também um edifício que mais parece uma fortificação<br />
central do que uma igreja, com as suas torres pontudas,<br />
e o alto das torres formando uma massa de defesa.<br />
Quando essas torres e muralhas eram forçadas, toda<br />
a população se aninhava ali, e do outro lado continuava<br />
a batalha à espera dos aliados que eram chamados<br />
Flávio Aliança<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
por meio dos pombos correios para correrem em auxílio<br />
dos sitiados.<br />
Vê-se em uma das fotografias um monumento do tempo<br />
dos romanos, ainda no estilo clássico, que foi deixado<br />
lá e tem muita elegância e leveza. Devia ser provavelmente<br />
um templo pagão. Onde outrora houve um altar<br />
pagão, hoje se encontra um altar erguido em honra<br />
da Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Magnífica<br />
afirmação do triunfo da Cruz sobre o paganismo. Os<br />
antigos sustentavam que o paganismo nunca poderia ser<br />
destruído. Pois bem, sua carcaça serve hoje para realçar<br />
o esplendor da Cruz.<br />
Contradição entre o antigo e o moderno<br />
Em Ávila encontra-se a Basílica de São Vicente, cuja<br />
arquitetura remonta ao estilo românico. Nota-se nos arcos<br />
das janelas algo já de ogival e, portanto, gótico, embora<br />
o acabado do teto não o seja. É um estilo de transição,<br />
muito bonito e variado. Distinguem-se muito bem as<br />
três partes do edifício.<br />
A iluminação também está muito bem feita. Quem a<br />
concebeu teve a boa ideia de iluminar o interior da galeria,<br />
causando no espectador uma espécie de atração e<br />
dando-lhe vontade de entrar.<br />
Gabriel K.<br />
Por outro lado, os automóveis são como trambolhos<br />
que enfeiam a praça, deixando o moderno completamente<br />
sem face diante do antigo. Quando se justapõem elementos<br />
antigos, por mais distantes que sejam as épocas<br />
a que pertencem, eles não entram em contradição. É o<br />
caso, por exemplo, das casas que circundam a basílica.<br />
Parecem ser de uma idade indefinida. São, por certo, velhas,<br />
e chegam a atingir uma idade na qual não se sabe<br />
se tiveram juventude. Estão entre o provisório e a eternidade.<br />
Entretanto, a contradição entre a praça e os automóveis<br />
é aberrante. Já não causaria estranheza imaginar<br />
ali carros puxados a cavalo, ainda que fossem do século<br />
passado. É a contradição do moderno com todo o passado.<br />
Gabriel K.<br />
34
Pedro Henrique Ponchio (CC3.0)<br />
Gabriel K.<br />
Aspectos vários do ambiente<br />
e das construções<br />
Uma das fotografias nos mostra uma ponte sobre<br />
um rio. Não se trata dessas pontes atuais feitas<br />
de concreto e asfalto, fininhas e suportando dinossauros.<br />
É uma ponte que transmite confiança,<br />
com pilastras bonitas e robustas fincadas no fundo<br />
do rio; arcos harmônicos feitos com uma pedraria<br />
nobre, sólida e leal. Tudo isso sustenta e dá<br />
forma à ponte.<br />
Gabriel K.<br />
No interior da cidade vê-se uma praça pública com um<br />
jardinzinho provincial, ingênuo, bonitinho; até parece ter sido<br />
feita para crianças brincarem, senhoras idosas fazerem<br />
tricô, homens aposentados lerem o jornal e comentarem as<br />
notícias do dia, mais as de Ávila do que as do mundo.<br />
O prédio da Prefeitura é muito engraçadinho e proporcionado.<br />
É um encanto o sino usado para dar os avisos<br />
municipais. Trata-se de um palacinho com janelas muito<br />
dignas, muito compostas flanqueando por duas torres.<br />
Contraste harmônico entre<br />
austeridade e riqueza<br />
A fachada principal do convento de Santa Teresa é<br />
uma verdadeira beleza! Tem uma característica muito<br />
frequente em edifícios espanhóis e que eu acho linda:<br />
as laterais bem simples, enquanto a parte central muito<br />
rica. Esse contraste entre a austeridade e a riqueza dá<br />
uma nobreza excepcional.<br />
O corpo central se compõe de uma cruz no topo de um<br />
triângulo, no meio do qual há uma esfera. Duas janelas ladeiam<br />
um brasão, abaixo do qual há uma grande janela<br />
seguida da imagem de Santa Teresa, ambas rodeadas por<br />
brasões. Por fim, as portas da igreja. Tudo isso forma uma<br />
linha central muito rica, enquanto as duas laterais são menos<br />
ricas, mas constituem um todo sólido, sério e solene.<br />
Dignidade, distinção e disposição para a luta. Assim<br />
como as muralhas, também a igreja e as residências têm<br />
qualquer coisa de guerreiro, é admirável! v<br />
(Extraído de conferência de 27/5/1972)<br />
35
Flávio Lourenço<br />
Virgem com o Menino lendo - Museu de Santa Clara, Valência, Espanha<br />
Terra imaculada da qual se<br />
formou o novo Adão<br />
Segundo São Luís Grignion de Montfort, a Santíssima Virgem é o Paraíso Terrestre do Homem-Deus,<br />
constituído “de uma terra virgem e imaculada, da qual se formou e nutriu o<br />
novo Adão, sem a menor mancha ou nódoa, por operação do Espírito Santo que aí habita.”<br />
É uma linda comparação! Assim como Deus formou o primeiro homem a partir da terra virgem,<br />
ainda livre das maldições que sobre ela caíram com o pecado original, também o novo<br />
Adão foi formado, por obra do Espírito Santo, de uma terra imaculada, que é a carne virginal<br />
de Nossa Senhora.<br />
(Extraído de conferência de 5/6/1972)