Monografia Sertões: Travessias

Monografia apresentada ao curso de Pós-graduação em Moda & Criação da Faculdade Santa Marcelina, para obtenção do título de Especialista em Moda e Criação (Ago/2021). O Trabalho de Conclusão de Curso Sertões: travessias apresenta uma pesquisa e o desenvolvimento de uma coleção de moda feminina inspirada nos sertões do imaginário brasileiro oriundos da poética da literatura sertanista, em especial das obras de Grande sertão: veredas, Vidas secas e Morte e vida severina. Direcionada para mulheres com 40, 50, 60 anos ou mais, visa propor a reflexão sobre o envelhecimento feminino e a liberdade das mulheres contemporâneas em ser o que desejam. As pesquisas e metodologias realizadas estão detalhadas na presente monografia, igualmente a criação e desenvolvimento da coleção, com estudos, croquis e looks confeccionados, que objetivam através da moda, resgatar e valorizar a cultura nacional, bem como o livre envelhecimento feminino. Monografia apresentada ao curso de Pós-graduação em Moda & Criação da Faculdade Santa Marcelina, para obtenção do título de Especialista em Moda e Criação (Ago/2021).

O Trabalho de Conclusão de Curso Sertões: travessias apresenta uma pesquisa e o desenvolvimento de uma coleção de moda feminina inspirada nos sertões do imaginário brasileiro oriundos da poética da literatura sertanista, em especial das obras de Grande sertão: veredas, Vidas secas e Morte e vida severina. Direcionada para mulheres com 40, 50, 60 anos ou mais, visa propor a reflexão sobre o envelhecimento feminino e a liberdade das mulheres contemporâneas em ser o que desejam.
As pesquisas e metodologias realizadas estão detalhadas na presente monografia, igualmente a criação e desenvolvimento da coleção, com estudos, croquis e looks confeccionados, que objetivam através da moda, resgatar e valorizar a cultura nacional, bem como o livre envelhecimento feminino.

MarianaL.Maciel
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21.09.2021 Views

181.1.1Os sertões de Vidas secasNa planície avermelhada os juazeiros alargavam duasmanchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro,estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavampouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rioseco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas queprocuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceulonge, através dos galhos pelados da caatinga rala.(Graciliano Ramos, Vidas secas, 1998, p.09)O silêncio, a paisagem e o caminhar descritos noprimeiro parágrafo de Vidas secas, acompanham a obra emtoda esta narrava de Graciliano Ramos, lançada em 1938.Fabiano, personagem principal da trama, é a figura dovaqueiro bruto moldado pelo meio e circunstâncias em quevive. A busca pelo sustento o leva a caminhar com suafamília sob o Sol, sem rumo e sem perspecvas pelo“areião”. O deslocamento e a incerteza são elementos queiniciam e encerram o livro, mostrando a vida recursiva dossertanejos que acompanham os ciclos das secas.Graciliano Ramos, escreve de maneira que o leitorpossa começar a obra pelo capítulo que escolher. Orefinamento estéco do autor traz a caraterísca cíclica davida sertaneja rerante para a construção do texto,delineando as existências de seus personagens em umconnuo perambular.Fabiano, a mulher Sinhá Vitória e a cachorra Baleia,são os pouco personagens que possuem nomes, os filhos docasal chamados de “menino mais velho” e “menino maisnovo” em nenhum momento são nomeados, mesmo sendopersonagens avos. Trazendo a reflexão sobre a indiferença,em especial com a infância, onde são privados até daprópria idendade.A críca do contexto social permeia toda a obra: ocaminhar sem pouso, o pouso sem dignidade, a fome queacompanha a seca, a seca que obriga a migrar. EntretantoRamos, militante de causa sociais, não denuncia apenas oabandono social, aborda também a exploração lafundiária,opressão autoritária e a humilhação que colocam seuspersonagens em constante submissão. Descreve Fabianocomo um homem animalizado pelo insnto desobrevivência e paradoxalmente humaniza Baleia, a cadelamagra das secas que leva o nome de um robusto animalmarinho.Vidas secas retrata comfidelidade o ambiente seco e áridoda caanga, mas o coloca em funçãode seus personagens. É o serhumano que conduz a trama quemesmo silenciosa dá voz ao sujeitooculto dos sertões, como observaÁlvaro Lins no prefácio dapublicação. A obra se encerra com afamília voltando a peregrinar, comum diálogo de esperança põem-se asonhar com a vida melhor em umdesconhecido, porém outro lugar.A críca social alinhada anarrava realista são propriedadesdos sertões de Graciliano Ramosque cooperam para a constuiçãoda região no pensamento socialbrasileiro.

191.1.2 Os sertões de Morte e vida severinaDiferente das outras duasobras pesquisadas nestamonografia, Morte e vida severinaapresenta-se em outra estruturatextual: é um auto de Natalpernambucano, publicado no anode 1955. Autos natalinos são peçateatrais poécas essencialmentepopulares, caracterizados pelalinguagem informal em partesdeclamadas, bailadas e cantadas(GRAZIOSI, [201-?]). A escolha deJoão Cabral de Melo Neto revela oseu apreço pelas tradiçõespopulares e o cuidado em manteruma escrita de fácil compreensão,direcionando seu texto ao própriosertanejo.Sertanejo que no poemainicia sua saga em caminhada, masdiferente da obra do capítuloanterior, o protagonista é umrerante com desno certo, acidade de Recife. Severino, seapresenta no começo do percurso,como mais um entre tantos quenascem no sertão, onde migrar é aúnica opção para sobreviver:Somos muitos Severinos iguais emtudo na vida [...] E se somosSeverinos iguais em tudo na vida,morremos de morte igual, mesmamorte severina: que é morte quese morre de velhice antes dostrinta, de emboscada antes dosvinte, de fome um pouco por dia.(NETO, 1978, p. 74).No trajeto, o rerante encontra-se diversas vezescom a morte, que seja por miséria, injusça ou opressão,está presente em todo sertão nordesno. Algumas vezespensa em parar, mas logo na primeira tentava, édefrontado com a miséria total onde não há trabalhoremunerado e a exploração da morte é o único sustentopossível. Na segunda, já na Zona da Mata com o clima maisúmido e terra férl, Severino tenta pousar, mas as terraspertencem aos usineiros e a pobreza connua a rar a vidapela exploração da mão-de-obra rural. As rimas poécas doautor, são cunhadas através da críca social e mais uma vezreflete sobre as causas de mortes no semiárido, onde a seca,a fome são tão letais quanto o abuso e a ganância humana.Ao chegar no Recife, a realidade parece não mudar.Sem estudos ou profissão, o trabalho precário no manguezalé o único sustento possível e a fome mais uma vez abreviaos desnos de muitos. Deprimido e sem perspecvas,Severino pensa em findar seu sofrimento e rar a própriavida se jogando da ponte no rio Capibaribe, mas onascimento de uma criança, traz esperança e o faz reflersobre o valor da vida, que está em vivê-la em sua totalidadeainda que seja uma vida severina.João Cabral faz de Morte e vida severina uma poesiaan-lírica, ao trazer a poéca dos versos ancorada àrealidade. O próprio tulo propõe uma inversão, a morteprecede a vida e intula a luta pela sobrevivência como vidaseverina (GRAZIOSI, [201-?]). Contudo, a escrita popularaproxima o protagonista do leitor e as rimas poécas emformato de auto, narram os diversos sertões que Severinoencontra em sua jornada, sertões estes que também sãorecortes poéco-realistas nos universos literáriossertanistas.

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1.1.2 Os sertões de Morte e vida severina

Diferente das outras duas

obras pesquisadas nesta

monografia, Morte e vida severina

apresenta-se em outra estrutura

textual: é um auto de Natal

pernambucano, publicado no ano

de 1955. Autos natalinos são peça

teatrais poécas essencialmente

populares, caracterizados pela

linguagem informal em partes

declamadas, bailadas e cantadas

(GRAZIOSI, [201-?]). A escolha de

João Cabral de Melo Neto revela o

seu apreço pelas tradições

populares e o cuidado em manter

uma escrita de fácil compreensão,

direcionando seu texto ao próprio

sertanejo.

Sertanejo que no poema

inicia sua saga em caminhada, mas

diferente da obra do capítulo

anterior, o protagonista é um

rerante com desno certo, a

cidade de Recife. Severino, se

apresenta no começo do percurso,

como mais um entre tantos que

nascem no sertão, onde migrar é a

única opção para sobreviver:

Somos muitos Severinos iguais em

tudo na vida [...] E se somos

Severinos iguais em tudo na vida,

morremos de morte igual, mesma

morte severina: que é morte que

se morre de velhice antes dos

trinta, de emboscada antes dos

vinte, de fome um pouco por dia.

(NETO, 1978, p. 74).

No trajeto, o rerante encontra-se diversas vezes

com a morte, que seja por miséria, injusça ou opressão,

está presente em todo sertão nordesno. Algumas vezes

pensa em parar, mas logo na primeira tentava, é

defrontado com a miséria total onde não há trabalho

remunerado e a exploração da morte é o único sustento

possível. Na segunda, já na Zona da Mata com o clima mais

úmido e terra férl, Severino tenta pousar, mas as terras

pertencem aos usineiros e a pobreza connua a rar a vida

pela exploração da mão-de-obra rural. As rimas poécas do

autor, são cunhadas através da críca social e mais uma vez

reflete sobre as causas de mortes no semiárido, onde a seca,

a fome são tão letais quanto o abuso e a ganância humana.

Ao chegar no Recife, a realidade parece não mudar.

Sem estudos ou profissão, o trabalho precário no manguezal

é o único sustento possível e a fome mais uma vez abrevia

os desnos de muitos. Deprimido e sem perspecvas,

Severino pensa em findar seu sofrimento e rar a própria

vida se jogando da ponte no rio Capibaribe, mas o

nascimento de uma criança, traz esperança e o faz refler

sobre o valor da vida, que está em vivê-la em sua totalidade

ainda que seja uma vida severina.

João Cabral faz de Morte e vida severina uma poesia

an-lírica, ao trazer a poéca dos versos ancorada à

realidade. O próprio tulo propõe uma inversão, a morte

precede a vida e intula a luta pela sobrevivência como vida

severina (GRAZIOSI, [201-?]). Contudo, a escrita popular

aproxima o protagonista do leitor e as rimas poécas em

formato de auto, narram os diversos sertões que Severino

encontra em sua jornada, sertões estes que também são

recortes poéco-realistas nos universos literários

sertanistas.

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