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UnicaPhoto - Ed.17

Revista do Curso de Fotografia da Universidade Federal de Pernambuco (Unicap)

Revista do Curso de Fotografia da Universidade Federal de Pernambuco (Unicap)

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Unicaphoto

a revista de fotografia da Unicap

#

17

CORPO

Corpo, carne, organismo. Metáfora e metonímia.

O corpo político. Corpos em trânsito, transa e transe.

O que a fotografia tem a ver com tudo isso?

Entrevista, ensaios fotográficos, artigos,

tentam desvendar os muitos corpos possíveis


Foto: Yêda Bezerra de Mello


editorial

Esta é a sua antiga Unicaphoto, revista do curso

de Fotografia da Unicap. Uma revista-raiz. Ela é

também sua nova Unicaphoto. Nesta 17ª edição, a

revista tem novo projeto gráfico e passa a contar com

outros editores, o professor André Antônio Barbosa

e o escritor e editor Sidney Rocha. Unicaphoto não

chegaria tão bem até aqui, ao seu oitavo ano, sem a

rica colaboração de Carol Monteiro, editora da revista

em 15 das 18 edições. Gratos, Carol.

Neste número, Unicaphoto dá ênfase ao corpo como

espaço de conquista de individualidades e atitude

política, entre outros pontos de vista.

Para isso entrevistamos a fotógrafa e psicanalista

Isabela Cribari, sobre essa nova Idade

ou Século do Corpo.

O tema do corpo perpassa muitos dos ensaios

fotográficos desta edição, como o trabalho de Allana

Rocha, onde corpo e mente assumem discursos nada

amorosos, mas fragmentários, dos tempos atuais.

Há a cidade em dois corpos distintos: na construção

e harmonia do ensaio cosmopolita de “Betón et

photo”, do arquiteto-fotógrafo André Martins e a

cidade em guerra, o Recife de 29 de maio de 2021,

no fotojornalismo de Arnaldo Sete, Douglas Fagner,

Melissa Fernandes e Sérgio Maranhão, que estavam

nas ruas naquele dia terrível e apresentam algumas

fotos onde se destaca o abuso de força, dessa vez

não do corpo, mas da corporação: a polícia militar de

Pernambuco. É essa mesma Recife apresentada em

memórias “coladas” ou desejos, ausências e presenças,

em “Gens”, colagens e fotografias de Renne Sophi.

Um tempo misto, onde saudade se relaciona também

com o futuro, como vocês verão.

Cor & corpo, azul de tão preto, como em “NoirBlue:

deslocamento de uma dança, de Ana Pi”, artigo

assinado por Elysângela Freitas, sobre a dança negra.

A busca dessa identidade também está em “Enegrecer

olhares...”, artigo de Daniel Meirinho, no ensaio “O

ouro de Oxum”, de Jéssica Lopes, e fortemente em

“Por onde tudo flui”, ensaio sobre cores (e corpos),

de Raiz de Maria.

Um corpo é também um não-lugar, de silêncios, como

“Entre o mangue e o mar”, ensaio em preto&branco

de Filipe Falcão. Nesta 17ª edição, o preto&branco

também faz parte da linguagem de vários ensaios,

desde os citados “Você está melhor?”, e “Betón et

photo”, como nas fotos de “Pássaros invisíveis”,

de Marconi Cordeiro e Tifanny Valente. Em

preto&branco, ainda, ensaio de Márcio Novellino

(1976 – 2021), sobre todos os pugilatos, não somente

nos tatames: a vida. Uma dessa fotos está na capa

desta edição, homenagem da Unicaphoto ao amigo

que nos deixa muita saudade.

Você poderá ver um mundo “olho-po-olho” sobre a

performance de fotógrafo e jornalista Flávio Costa.

Há excelentes momentos do mundo acadêmico:

O I Movi - Encontro Brasileiro de Fotografia em

Movimento, realizado pela Unicap, entre 30 de junho e

02 de julho de 2021, cujo tema ou lema foi “A direção

de fotografia no Brasil.” Destaque também para a 7ª

edição do festival Curta Vertentes, no pequeno distrito

de Aracoiaba, no Ceará: reportagem de Paulo Souza e

vinculada do padre Pedro Rubens, reitor da Unicap.

Você confere esses eventos, como a aula inaugural

do MBA (ocorrida em março passado), entre outros

lances, na nossa coluna “Aconteceu”.

Você poderá ver, também, fotos de Roberta Guimarães

em texto da audiodescritora Liliana Tavares, no artigo

sobre visitas guiadas a exposições fotográficas. Sobre

exposições, e um pouco mais sobre cosmopolitismo,

e sobre memória, deem uma olhada em “Expoduo”,

de Renata Victor e Yêda Bezerra de Mello, com

exposição virtual organizada por Natália Albuquerque.

Estávamos com tanta saudade que, na hora de editar,

resolvemos ampliar o número de páginas desta edição,

e transformá-la nesta edição especial, que chega a

público neste Dia Mundial da Fotografia.

Esperamos que gostem.


COORDENAÇÃO EDITORIAL

Renata Victor

CONSELHO EDITORIAL

André Antônio, Renata Victor e Sidney Rocha

FOTO DA CAPA

Márcio Novellino

FOTO DA CONTRACAPA

Jéssica Lopes

QUEM É QUEM NESTA EDIÇÃO

Allana Rocha, fotógrafa e publicitária

André Martins, fotógrafo, arquiteto e designer

Arnaldo Sete, estudante de fotografia

Betânia Corrêa de Araújo, arquiteta e escritora

Carol Monteiro, professora e diretora da Escola de Comunicação da Unicap

Daniel Meirinho, fotógrafo e professor da UFRN

Douglas Fagner, estudante de fotografia

Elysangela Freitas, fotógrafa

Filipe Falcão, professor da Unicap

Flávio Costa, fotógrafo, jornalista e estudante de Fotografia e Arte Latino-americana

Gustavo Bettini, fotógrafo

Isabela Cribari, fotógrafa e psicanalista

Jéssica Lopes, estudante de fotografia

Julianna Nascimento Torezani, professora da Uesc

Liliana Tavares, psicóloga e idealizadora do festival VerOuvindo

Márcio Novellino, fotógrafo e ex-aluno de fotografia da Unicap

Marconi Cordeiro, estudante de Fotografia e Arte Latino-americana

Melissa Fernandes, estudante de fotografia

Natália Albuquerque, fotógrafa

P. Pedro Rubens Ferreira Oliveira, jesuíta, reitor da Unicap

Paulo Souza, professor da Unicap

Raiz de Maria, estudante de fotografia

Renata Victor, professora e coordenadora do curso de Fotografia da Unicap

Renee Sophi Luise, estudante de fotografia

Sérgio Maranhão, fotógrafo

Tifanny Valente, estudante de Fotografia e Arte Latino-americana

Yêda Bezerra de Mello, fotógrafa

Escaneie o código QR abaixo, através de aplicativo no smartphone,

e acesse todas as edições da revista na internet

Unicaphoto é uma publicação semestral do Curso Superior de Tecnologia

em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco.

Esta sua 17a. edição vem a público em 19 de agosto de 2021.

(ISSN 2357 8793)


SU

RIO

Você

tá melhor?,

por Allana Rocha

Visita guiada a exposições

fotográficas,

por Liliana Tavares

Entre o mangue

e o mar,

por Filipe Falcão

Gens,

por Renee

Sophi Luise

Entrevista

Isabela Cribari

Por onde

tudo flui,

por Raiz de Maria

Andando pela vida afora,

por Renata Victor &Yêda

Bezerra e Natália Albuquerque

Pássaros invisíveis,

por Marconi Cordeiro

e Tifanny Valente

Enegrecer olhares,

reposicionar presenças...

por Daniel Meirinho

Ontem,

por Betânia

Corrêa de Araújo

6

12

16

24

28

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54

60

67

68

74

82

88

98

111

112

116

118

123

Recife, 29 de maio

de 2021,

por Arnaldo Sete, Douglas

Fagner, Melissa Fernandes e

Sérgio Maranhão

Olho por olho,

por Flávio Costa

O ouro de Oxum,

por Jéssica Lopes

Azul de tão preto...

por Elysangela Freitas

Betón et photo,

por André Martins

Curta Vazantes,

por Paulo Souza

Nas vazantes do rio

Aracoiaba...,

por P. Pedro Rubens

Ferreira Oliveira

Aconteceu

Arte, técnica e política,

por Julianna Nascimento

Torezani e Paulo Souza

Qual é o melhor

papel Fine Art?,

por Gustavo Bettin

124 Homenagem

a Márcio Novellino


ensaio

você

tá melhor?

por Allana Rocha

“Você tá melhor?” fala através das imagens sobre o

processo de procurar ajuda para tratar sintomas de

doenças psicológicas, mais especificamente depressão e

ansiedade. O processo de aceitação e descoberta é tão

difícil quanto lidar com os próprios sintomas, perceberse

ausente do dia a dia, a grandiosidade de coisas

pequenas, a importância dos diálogos e da solidão de

olhar pra dentro quando ninguém mais pode.

Quando a mente vai para um lugar de inércia ao

mesmo tempo que o corpo formiga, um relevo

cheio de irregularidades que sofreu com a ação do

tempo, ausente de linearidade ou razão, adoecida

pelo afastamento, pela ausência de resposta, pela

acumulação de fios de cabelo e lençóis amontoados, os

questionamentos e angústias tomam conta dos pés e

fazem o caminho de volta. Sem perspectiva de retorno.

Mas olhando para trás. Ouvir as perguntas, mas

nem ao menos esperar que algo lhe faça novamente

respirar. Sem pesar.

As imagens e fragmentos de diálogos me fizeram

perceber o que estava acontecendo comigo. Trazem a

passagem desse tempo, descoberta e aceitação.

No meio da pandemia, do luto coletivo e do

isolamento, essa produção tomou forma. E me ajudou

a falar desse processo, que pode reverberar em muitas

pessoas. É importante lembrar que temos o outro.

Apesar de tudo.

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9


10

Allana [Beatryz Ferreira da] Rocha

é fotógrafa e publicitária potiguar, com formações

complementares em fotografia. Participou de mostras

virtuais coletivas como o Prêmio Margem de Fotografia,

com o ensaio “Sagrado Feminino” (2020) e a Semana de

Antropologia da UFRN com o ensaio “Olhos Parados”

(2010).

Pesquisa, de forma independente, feminismos,

discursos e imagem. Na maioria, seu trabalho em

fotografia é produzido em tons de cinza.

Suas produções têm influência de artistas visuais

mulheres e autoras literárias nordestinas.


“Você tá melhor?”

Fotografias digitais manipuladas

em preto e branco, auto

representações, montagens de

trechos de conversas sob as

imagens fotográficas e montagens

de dípticos e polípticos.

11


audiodescrição

visita guiada a

exposições

fotográficas

por Liliana Tavares

Antes da pandemia, algumas exposições de fotografia

já estavam sendo planejadas com acessibilidade para

pessoas com deficiência visual, por meio da visita

guiada com audiodescrição - AD.

A realização da audiodescrição de qualquer exposição

envolve engajamento da produção com a equipe

de acessibilidade, para criar e definir as melhores

formas de exibição da AD. Tanto as imagens,

estáticas ou dinâmicas, quanto a expografia são o

material de trabalho para a construção do roteiro

da audiodescrição, que é feito antecipadamente e

ajustado durante a montagem. Por isso, na maioria

das vezes, as gravações da AD só são feitas após a

abertura da exposição. São necessários ainda entre

três e cinco dias para gravar, editar e testar o roteiro

final da visita guiada. Só então ela fica disponível ao

público.

Geralmente, no dia da abertura, a AD é feita ao vivo,

com uso de aparelhos de transmissão e de recepção.

E é bom que seja assim, porque naquele momento os

usuários também querem saber sobre

o artista, sobre as pessoas que ali estão e sobre todo

“auê” da festa.

Depois, com o roteiro gravado, os usuários da AD

podem visitar a exposição no ritmo que desejarem,

pausando ou adiantado o áudio. Por serem, muitas

vezes, exposições de curta duração, geralmente o

orçamento não comporta a instalação de rota com

piso podotátil. Caso a pessoa cega ou com baixa

12

Liliana Tavares é audiodescritora, gestora

da COM Acessibilidade Comunicacional,

doutora em Comunicação pela UFPE

e autora do livro VerOuvindo:

audiodescrição e o som do cinema.


13


visão vá desacompanhada, ela irá precisar de alguém

do educativo para ser seu guia. Daí a importância da

capacitação dos mediadores.

Duas exposições, realizadas no Museu do Estado,

com audiodescrição produzida pela equipe da COM

Acessibilidade, são base para nosso relato: “Agricultura

da Imagem”, de Rodrigo Braga, em agosto de 2018,

e “Agô”, de Roberta Guimarães, em abril de 2019.

A nossa intenção, aqui, não é a de refletir sobre a

complexidade da tradução audiovisual, mas a de

retratar a forma como foi feita a exibição da AD.

Ambas as exposições eram compostas por fotografias,

vídeoartes e objetos. Elas tinham aparelhos MP3 na

recepção, para a visita guiada. Na exposição de Rodrigo

Braga, a AD dos vídeos era aberta, ouvida pelo áudio do

monitor, um formato que amplia a recepção da AD para

todo o público, criando uma outra experiência de fruição.

Já na exposição de Roberta Guimarães, um resumo do

vídeo era incluído na trilha da visita guiada.

Para a construção de uma visita guiada com

audiodescrição é importante adicionar uma série de

elementos que colaboram para oferecer uma imersão

mais completa, para além da audiodescrição das imagens.

A ambientação, a iluminação, e a localização devem fazer

parte do roteiro. Indicações sonoras permitem distinguir

rapidamente entre o que é informação e o que é descrição

da obra. Um som de BG (background) pode sugerir a

atmosfera da exposição, caso ela não possua uma trilha

sonora própria.

Ao final do processo, a produção pode ter dois arquivos

de trilhas sonoras:

o da visita guiada; e o das obras, individualmente.

Nos três exemplos disponíveis para esta edição de

Unicaphoto, você escutará: a AD da foto de Rodrigo

Braga, separadamente do roteiro da visita guiada; a

introdução à exposição de Roberta Guimarães; e mais

uma faixa com a sequência de fotos da visita guiada.

Certamente, a maneira como a audiodescrição era

exibida antes da pandemia sofrerá pequenos ajustes,

principalmente quanto ao compartilhamento de

aparelhos de transmissão da audiodescrição e de

fones de ouvido, podendo vem sendo substituídos por

aplicativo ou por QR Code.

O bom de ter a gravação da AD das imagens é que

elas também podem ser hospedadas online com as

fotos no site do artista, da artista.

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ensaio

entre o

mangue

e o mar

por Filipe Falcão

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ensaio

A fotógrafa Renee

Sofhi apresenta

colagens de fotos, onde

passado e presente

se misturam. Tendo

como ponto de partida

a ausência presente ou

a presença ausente,

sua memória familiar,

Renne Sofhi cria um

novo e sensível tempo

de encontro, um

tipo de palimpsesto

visual, um documento

vigoroso, onde corpos

e lugares terminam

se unindo pelo desejo

de pertencimento e

permanência.

A fotógrafa disse:

“A finalidade do

trabalho é que minha

filha hoje, com cinco

anos de idade, e que

infelizmente não

conheceu pessoalmente

seus avós maternos

possa, com o resultado

desse trabalho, ter

uma lembrança de que

em alguns momentos

da sua infância

eles participaram

dela, mesmo que

simbolicamente. Pra

isso foram usadas

como fundo imagens do

Recife e, na colagem,

imagens dos meus pais

e da minha filha.”

enspor

Renee

Sophi

Luise



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entrevista

Foto: Tereza Maia

28


entrevista

29


“... e doem do tant

A fotógrafa e

psicanalista Isabela

Cribari topou

conversar um pouco

com Unicaphoto sobre

imagens, imaginação

e representação.

A partir de reflexões

sobre o corpo, em todos

os sentidos, Cribari

oferece um panorama

amplo e desfaz a ideia

de que a psicanálise

e a fotografia sejam

ideias-prontas e

desarticuladas do

mundo contemporâneo.

Na sua mais recente

exposição, o tema do

corpo, sobretudo o

feminino (você verá

algumas das fotos, aqui)

e ponto de reflexão que a

artista visual transfere

para o cinema, para os

estudos psicanalíticos,

“para a vida, rapaz, para

a vida, não esqueça de

completar a frase”.

Claríssima escuridão I:

na fotografia de Isabela

Cribari, o tema do corpo

aparece como abismo. A

ideia de liberdade se opõe

o tempo todo com a ideia

de clausura, de sins

e de nãos, em sua obra.

30


o que dói a vida.”

Unicaphoto - Por que ainda

tanto Deleuze, Benjamin

e Foucault e tão pouco de

intelectuais feministas como

Rosi Braidotti, Griselda

Pollock, Leonor Arfuch e

Norma Telles, por exemplo?

Falta ainda uma crítica

feminista mais atuante nas

artes e nas academias?

Isabela Cribari - Falta, sim.

Mas falta também interesse

pelo novo, por uma outra

forma de ver e narrar os

fatos. Svetlana Aleksiévitch

escreveu sobre a guerra,

que pode não ter nome de

mulher, mas apresenta outra

guerra, sem nome, que não

tem nada a ver com tudo

o que li e vi antes. Acho

que é importante conhecer

o pensamento pulsante de

nosso tempo. E aí você cita

pensadoras admiráveis,

com grande contribuição

para o pensamento crítico,

para pensar a sociedade e

a subjetividade de nosso

tempo. Rosi Braidotti, com

seu nomadismo filosófico, e

também algo que é tão atual,

a metafísica da presença,

num momento do mundo que

temos que reinventar nossas

noções de espaço e tempo.

Leonor Arfuch ramifica

vários interesses ao tratar

os dilemas da subjetividade

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contemporânea, dialogando

com a psicanálise, a sociologia

e a arte, quando discute

sujeito, linguagem, sociedade,

identidade(s) e narrativas.

A brasileira Norma Telles

tem-me interessado bastante

por tratar das errâncias,

algo essencial para se pensar

e retratar num mundo

de exilados e refugiados.

Tenho lido sobre este tema

a partir da psicanálise, do

estranhamento e do horror

dessas situações da vida.

Alan Kurdi emocionou o

mundo com a fotografia do

pequeno refugiado de três

anos, morto de bruços na

praia do Paquistão, tem a

foto de Warren Richardson

de um homem passando um

bebê na fronteira Sérvia-

Hungria por uma cerca de

arame farpado. Uma foto sem

flash, às escondidas, para não

atrapalhar a esperança por

uma nova vida.

PH - Corpo, organismo,

carne. Parece que ainda

há certas distinções

medievalescas em relação ao

corpo. Você acha que estamos

entrando em um Idade do

Corpo, ou Século do Corpo?

Onde e aonde avança essa

discussão no campo das artes

visuais?

IC – É contraditório pensar

em uma Idade ou Século do

corpo, num mundo cada vez

mais desmaterializado. Até a

arte está se esvaindo de seu

corpo, não se liquefazendo,

mas perdendo corpo. Há

um livrinho de Descartes,

As paixões da alma, sobre

esses limites do corpo e

da alma, que gostarei de

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Conexão com a

realidade:

“Penso que a fotografia

e as artes visuais têm

um papel fundamental

neste momento tão

terrível, de extrema

angústia,

de confinamento,

perdas, e algumas

desgraças adicionais

que vivem alguns

países, o Afeganistão

e em proporções

parecidas,

o Brasil atual.

reler após esta entrevista.

Performance? Vivemos em

eterna performance. Mas

mais ainda no tempo trans-

-transitório. É mesmo o

tempo da performance, da

arte efêmera, de esculturas

imateriais, como aquela de

Salvatore Garau. Um mundo

que se pretende minimalista,

mas excessivo, ao ponto da

intrusão. E na contramão da

falta da corporeidade, há o

culto ao corpo, mas não ao

corpo completo, visto como

psicossoma, mas fragmento,

no que se pode manipular,

mudar, exibir, O Século do

corpo na era desencarnada.

PH - Quando o corpo

deixa de ser somente uma

instituição simbólica e passa

a ser também um corpus

político? Qual a contribuição

da fotografia e a psicanálise

nesses caminhos?

IC - Penso que essa passagem

se dá quando os corpos

se encontram, atuam, no

espaço público, no sentido

arendtiano, mesmo. Em

relação à psicanálise, lembrei

do atualíssimo texto de Freud,

naquele seu texto sobre a

psicologia das massas. Tem a

ver com a análise do eu.

PH - As massas “pensam”?

IC -No geral, é esse

pensamento que vinga, aliás.

Não é? Vivemos o resultado

disso, e não somente no plano

simbólico, hoje, no Brasil. O

gado. A imunidade. O rei do

Gado. O panorama, no ponto

de vista do eu, nos faz duvidar

de soluções coletivas. Para

mim, a fotografia é parte dessa

esperança. Do se ver e ver o

Outro. Incansavelmente.

PH - A psicanálise funciona

como um refúgio, não. Um

ciclo bem fechado, não?

PH - Nada. As coisas mudam.

Há uma psicanálise que está

indo para as ruas, que tem-se

reaproximado de outras áreas,

como a arte, a neurologia,

a política, a sociologia, a

medicina. Quando penso numa

psicanálise além do divã, do

indivíduo, mas assumindo uma

atenção a esse corpus político,

como você chama, me lembro

de Maria Rita Kehl, com sua

escuta no Movimento dos Sem

Terra, na sua participação

na Comissão da Verdade,

dentre tantas coisas que faz

a partir de uma psicanálise

encarnada. E, na arte, de

uma forma mais ampla, gosto

muito do trabalho da artista

visual Berna Reale, que é

também perita criminal no

Pará, que utiliza seu corpo em

performances e instalações

incitando uma reflexão sobre

33


Claríssima escurid

O corpo em clausu

“Tenho a nítida

impressão de que a

são espíritos tendo

experiências na m

no corpo, diferente

pessoas comuns. O

para artistas, é es

esfinge, de que falá

mas uma esfinge

buscando sempre n

ciframentos”, diss

final da entrevista

o momento so

contemporâne

especialmente

violência.

PH -Para alg

psicanalistas,

inclusive amo

aconteciment

em um corpo

nas palavras,

isso nos leva

à fotografia, à

um tanto de r

e linguagens.

corporeidade,

simbólica, ap

suas fotografi

contemporâne

IC - Sim, o co

antes da entra

simbólico das

há acontecime

pré-verbal, há

de sensações,

destinados a e

forma de lingu

canal de comu

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ão II:

ra.

rtistas

atéria,

das

corpo,

sa

vamos,

ovos

e, ao

.

ciopolítico

o, priorizando

o tema da

uns e algumas

a linguagem,

rdaçada, é um

o de corpo,

amordaçado

nas imagens;

à literatura,

s artes, em

epresentações

Como essa

real e

arece hoje nas

as e de suas

as?

rpo existe

da no mundo

palavras, mas

ntos neste corpo

um mundo

de projeções

le, há uma outra

agem, um outro

nicação.

PH - A fotografia?

IC - Ela mais que as outras.

Tento isso nas minhas

fotografias, esse outro canal,

de uma linguagem com

representações mais fluidas,

com menos corporeidade, de

um universo mais arcaico,

especialmente ligado ao Arké,

mais sensorial, isolado e

menos corporal, concreto.

PH - Nunca se falou tanto

em corpo, ou no isolamento

de corpos, ou na negação ao

corpo (para o caso de não

podermos chorar junto aos

corpos das vítimas da Covid)

como nesses tempos. Onde a

fotografia ou as artes visuais

dão conta dessa angústia? Já

podemos ver alguns exemplos

de artistas que encaram

esse problema do corpo, na

performance, por exemplo,

nesse momento tão trágico?

Há exemplos no Brasil e fora

de artistas envolvidos com

esse tema?

IC - Não me sinto tão à

vontade, porque sou fotógrafa

sem um exercício crítico,

de pensar o que têm feito

fotógrafes contemporânexs..

Mas penso que a fotografia e

as artes visuais têm um papel

fundamental neste momento

tão terrível, de extrema

angústia, de confinamento,

perdas, e algumas desgraças

adicionais que vivem alguns

países, o Afeganistão e em

proporções parecidas, o Brasil

atual. São momentos tão

trágicos de uma experiência

quase incomunicável, como

descreveu Walter Benjamin

sobre como as pessoas

voltavam da guerra. Ele

falava de limite, de violência,

de ódio e de uma falta de

linguagem que representasse

essa experiência. E aí as artes

visuais, com seus códigos

outros, que não precisam de

tradução, e que podem ir além

do fato, podem comunicar

muito da dificuldade,

da tristeza, do luto, da

desesperança de um tempo,

vivido de formas diferentes

destes dois lugares, onde o

vírus da Covid 19, desatrelado

da aliança perversa de política

e religião já fazem um estrago

muito grande.

PH -Nesta edição de

Unicaphoto, temos artigo

e ensaios que falam sobre

a representatividade dos

corpos de pessoas indígenas,

negras, corpos nãonormativos...

em oposição ao

corpo branco, “parâmetro

da autorrepresentação dos

indivíduos” (as aspas são

para citar a tese de Isildnha

Nogueira, citada nesta

edição). Como você vê esses

espaços e lugares de fala?

IC- Vejo como um espaço

fundamental. Não vi ainda os

ensaios nem li o artigo, porque

vocês estão me entrevistando

no momento de produção

da revista, mas penso que é

importante também sermos

retratados, conhecer o olhar

dessas pessoas sobre o mundo

que os emudeceu tanto tempo.

Para isso temos que dar

espaço, ouvidos e atenção

para nos aproximarmos

como pessoas, com nossos

códigos e corpos, mas não só a

representação desses corpos,

mas o olhar desses corpos

sobre todos os corpos, seus e

dos outros, e sobre mundo.

PH - Aspas para um

de nossos artigos: “É

assustadoramente vazio

viver em um mundo rodeado

de imagens e não se sentir

parte delas. Concordo

com a curadora negra

Luciana Ribeiro, quando

nos lembra que o desejo

pela própria imagem faz

parte da nossa construção

e da nossa individualidade

e humanidade.” Estamos

em uma corrida pelo Corpo,

a busca pela legitimidade?

Como trazer mais ainda esse

discurso para a discussão

mais ampla?

IC- Como disse antes,

corrigindo essa violência da

exclusão.

PH - Por falar em linguagem,

o corpo é mais uma metáfora

ou uma metonímia? Ou seja,

o corpo é um território onde

se inscreve o sofrimento

e o prazer, ou é mais um

discurso, um símbolo e

palavra? O que faltamos

decifrar nessa representação,

nessa esfinge, que é do corpo?

IC- Gosto muito de pensar

como Galeano, que “o

corpo é uma festa”. O

corpo tem uma linguagem

própria com sua forma,

cor, cheiro, movimentos,

volume, sintomas. O corpo

é simbólico, tangível e

intangível. Mas nesse período

de pandemia o corpo, do outro,

é uma ameaça, uma bomba

capaz de aniquilar os outros.

Essa é a representação do

corpo do outro para mim,

nessa pandemia. A minha

fotografia busca essa estética,

esses limites, que não são coo

teorias, são emoções carnais, e

doem do tanto que dói a vida.

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ensaio

“mulher de toda cor fala

sobre resistência, sobre

fantásticas mulheres que

existem, mulheres que,

mesmo aparentando serem

fora do real, ainda, sim,

permanecem em terra e são

realizadoras. São mulheres

que, além de tudo, levam a

natureza consigo.

este é um olhar e um

movimento que mostram

quem somos, sob as cores,

sempre levando em conta a

fluidez de tudo o que existe

dentro de cada uma de nós.”

por onde

tudo flui

por Raiz de Maria

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exposição


por Renata Victor e Yêda Bezerra de Mello

exposição virtual por Natália Albuquerque

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se um viajante...

Unicaphoto visitou a exposição “Andando pelo mudo afora” das fotógrafas Renata Victor e

Yêda Bezerra de Mello, na plataforma Artsteps [https://linktr.ee/duogaleria].

Renata Victor e Yêda Bezerra são

artistas visuais experientes, com

raízes no fotojornalismo (ambas

foram editoras de fotografia de

jornais e revistas). Porém,

o resultado dessa exposição tem

pouco a ver com esse ponto de

partida. Aqui interessa mais o

ponto de chegada. São imagens

itinerantes. De viagem. Não de

turismos. Viajar é uma coisa: viajar

com uma fotógrafa é outra. Viajar,

a fotógrafa, viajarem as fotógrafas,

é algo mais distinto ainda. Essa

exposição é a verdadeira viagem.

Uma metonímia e metáfora de se

estar em trânsito, mesmo em tempos

de congelamento.

Na entrada, o texto de parede

aponta para algumas singularidades:

a precisão das imagens de Renata

Victor e a “poesia” nas imagens

produzidas por Yêda Bezerra.

Quem visita a exposição poderá

tirar outras as mesmas conclusões.

A nossa é de que o texto de

apresentação acerta quando fala do

caráter contemporâneo das imagens

e nisso há casos positivos nas duas

poéticas. A exposição foi montada

por Natália Albuquerque e, com o

tempo, nosso olho vai catalogando

aquelas espécies e lugares e

detalhes, de modo que, ao sair,

jogamos fora as plaquetas. Não sei

se essa foi a ideia da curadoria. As

duas viajantes oferecem o mesmo:

não interessa para onde: sempre

estamos no mesmo lugar.

A silhueta de um homem solitário

em (uma) exposição, comprimido

pelo relógio, em Nova Iorque, na

foto de Renata, divide a sala com

homens de pedra, provavelmente

em Milão, no topo do mundo, ou

mulheres-gigantes em portais, nas

imagens de Yêda, para mencionar

um dos nichos.

De fato, Renata prefere a cena mais

urbana do mundo afora. Mas o que

dizer da imagem da outra sala, um

veteran car esmeralda, sob a noite

vermelha?

A moça perto de mim comentou:

“Essa cena me lembra Drummond”.

O senhor ao seu lado quis saber

mais. E ela comentou baixinho, se

afastando:

“stop/ a vida parou/ ou foi o

automóvel?/”

49


Andando pela vida afora:

vistas da exposição

virtual organizada por

Natália Albuquerque,

para a Duo Galeria, leiase:

as fotógrafas Renata

Victor e Yêda Bezerra de

Mello.

[Foto: Fernando Neves]

Pensei outra vez nos pontos de

partida e de chegada e no texto

de parede. E nas ilhas soníferas

de Yêda, como aquela ilha de

Konstantinos Kaváfis: “Quando

partires em viagem para Ítaca/

faz votos para que seja longo o

caminho,/”

Vale a pena, depois de visitar tudo,

se sentar diante do mar defronte

ao módulo que abriga a exposição

e notar como essas atmosferas se

misturam.

O vidente aqui não sabe se Yêda

e Renata fizeram alguma vez uma

viagem juntas. Não importa. Os

viajantes que somos, flanadores

e flanadoras, já roubamos essa

“experiência” das fotógrafas.

Me lembrei do ditado: “Quer

conhecer alguém? Viaje com esse

alguém.”

Aqui, cabe um corolário: “Quer

conhecer alguém, peça pra ver suas

fotos de viagem”, eu pensava.

Estava nisso quando o homem e

a mulher saiam da exposição. Já

não me pareciam tão estranhos.

Viajantes, andarilhos, vagantes, se

reconhecem por aí, andando pelo

mundo afora. “Andam por andar

somente, não necessitam de nada”,

acenou para mim Cecília Meireles.

Nota técnica:

A plataforma, se é assim que

se chama, Artsteps, ainda é muito

“dura”, mas isso não estraga

a visita. Tive dificuldades

de me locomover ali e por três

vezes acertei a cara em alguns

quadros. Contudo, isso foi bom,

porque verifiquei de as etiquetas me

levarem a linques onde se pode ver

as dimensões reais

das fotografias e como adquiri-las,

no site Duogaleria, leia-se:

www.duogaleria.com

50


Andando pela vida afora:

vistas da exposição virtual

organizada por Natália

Albuquerque, para a Duo

Galeria.

51


52


53


artigo

pássaros

54


invisíveis

Por Marconi Cordeiro e Tifanny Valente

55


56


Edmond Husserl, o filósofo e

fenomenologista, defendia que o

corpo é o ponto-zero de referência.

É partir desse marco zero que nosso

mundo consciente se organiza. Essa

consciência está naquilo que cheiramos,

escutamos, vemos, tocamos. O corpo é

o meio para se entender o mundo.

Mas isso já Marleau-Ponty. Cheguemos

mais perto. Há ainda elementos do

mundo da psicologia, da percepção,

que no mundo da trívia nos mostra em

documentários científicos e filmes cult:

os indígenas não viam as primeiras

caravelas.

Cheguemos mais perto ainda.

Esse ensaio de Marconi Cordeiro e

Tifanny Valente tentam, pela repetição,

pela repetição, pela repetição, enfrentar

certo deslocamento do olhar: as pessoas

e a paisagem.

A partir de técnicas de sobreposição,

comuns à linguagem do vídeo, os

autores fotografaram a paisagem do

Recife atual, mas sempre antigo em

desigualdades. Esse deslocamento tem

viés de consciência e conscientização,

fenômeno perceptivo e social, ao

mesmo tempo. A partir do fato real,

perceptual, e aponta para um tipo de

cegueira social.

Não são fotógrafo e fotógrafa de

paisagem. A paisagem serve para

definir a relação do eu com o outro eu, o

mundo. A história da fotografia ensinou

isso aos autores deste ensaio. Não

são, contudo, simplesmente fotógrafos

documentais. Eles assumem a caráter

experimental do trabalho. Algo do

experimento de repetições de René

Magritte? Sua mão pintando o Império

das Luzes na rua das Mimosas?

O experimento desses autores se passa

no Recife dos anos 2020 e não nos

anos 1950. Suas inspirações chegam

mais perto: “A fotógrafa Diane Arbus

nos serviu de grande influência para

criar retratos do que a sociedade

evitar enxergar, o que é posto como

‘invisível’”, comentam.

Mas há mais aproximação ainda da

fotografia social, contemporânea:

57


“Aline Motta nos ajudou a pensar mais

sobre discutir questões de invisibilidade.”

Eles estão falando da artista visual e seu

vídeo “Poupa tempo” (2’47”, 2015),

onde se vê com clareza a inspiração

da cultura do vídeo, neste trabalho

publicado em Unicaphoto.

“Corpos se tornam uma massa amorfa,

sem identidade, subrepticiamente

integrados à paisagem urbana.”

Esta fala é da artista Diane Arbus,

no seu site, sobre o vídeo que inspirou

Tifanny e Marconi.

Mas este trabalho inova porque é

experimento feito por repetições.

Assumidamente. Sem a repetição,

esqueça a ciência. A fotografia.

“Buscamos estabelecer um campo de

alusões para um trabalho fotográfico”,

dizem Tifanny Valente e Marconi

Cordeiro. Alusão é uma referência

vaga, enviesada, sem foco, sobreposta.

é parte de uma retórica. Não tem a

força do axioma. Se sustenta, quem

sabe, nos paradoxos. O Brasil é país

das alusões. E da fome. Recife é a

capital das alusões. E da fome. Pessoas

em estado de risco no Recife fazem

parte desse deslocamento de retina,

de retícula, da pele, do corpo, do tecido

social brasileiro.

Os artistas preferiram correr riscos.

Cheguem mais perto. A repetição é a

monotonia. A monocromia. A paisagem

cinza, onde se pode ver, no nada,

uma cidade invisível aparecer sob as

camadas e camadas de outros nadas.

Venham para mais perto. Onde o

inverossímil se torna verossímil.

O invisível, visível. A pessoa, a

paisagem. O plano, o fundo.

Sob o som angustiante do arrulhar de

pombos, ao meio dia, onde um rosto

humano, demasiado humano, comparece

para a fotografia.

Mais perto: o ponto-zero. Bem perto: a

estalar da consciência.

Um estranho Ecce homo.

58


59


artigo

E se expandíssemos interpretação que fazemos

sobre as imagens fotográficas, de forma

tentarmos transcender a superfície estética da

representação e da materialidade discursiva?

Nos sobraria um pouco mais de espaço para

compreendermos os lugares, as vivências e as

histórias de quem a produziu? Quem esteve por

trás daquele olhar, momentos antes do clique e

porque escolheu emoldurar apenas aquela cena

como forma de expressar uma visão de mundo?

enegrecer

olhares,

reposicionar

presenças

Por uma fotografia

negra brasileira

Por Daniel Meirinho

Para o entendimento das narrativas visuais, temos que

perceber algumas estratégias, por vezes ocultas, que

fotógrafos/as/es utilizam como canal relacional e expressivo

para falar sobre si mesmos com o observador. Estaríamos,

assim, desacelerando a frenética forma de observação do

mundo para indagarmos se aquela fala, e olhar, estaria

autorizada para apresentar aquele contexto ou aquelas

pessoas. Qual recusa pode ser feita quando alguém se vê

reduzido a uma representação mimética, de semelhança e

verdade (DUBOIS, 1989) pela qual a fotografia sempre foi

construída? Alguns autores falam que a estratégia passa

pela “apresentação” (FERREIRA DA SILVA, 2020), de

pôr-se à diante, em primeira pessoa.

Tal abordagem implicaria que pessoas indígenas, negras, não-

-binárias, nordestinas retomassem suas imagens e pudessem

recontar suas histórias. Um desfazimento que anularia a

necessidade de mediação de olhares curiosos que sempre

buscaram reproduzir uma rede de significações normativas e

60


de convenções visuais que determinaram a estereotipagem

racial do exótico, do diferente, do subserviente, e até

mesmo do indesejável e inaceitável, em oposição ao corpo

branco, “parâmetro da autorrepresentação dos indivíduos”

(NOGUEIRA, 1998, p. 46).

Esse resgate possibilitaria a recuperação de outras

narrações e outras histórias sobre a existência de

pessoas negras e indígenas, quando a fotografia é e

sempre foi historicamente uma ferramenta elitista

e construída sobre um olhar de expropriação da

representação do outro. A questão demarca um ideário

político-social estruturante (ALMEIDA, 2019) que dá

continuidade ao preconceito sobre corpos racializados e

não normativos, vistos e sentidos como assunto/objeto

e não como sujeitos.

Denise Ferreira da Silva (2020) nos dá pistas

para compreendermos a arte contemporânea,

particularmente a anticolonial, quando diz que ela se

move com o objetivo de contra-atacar essa violência

da representação que controla a imaginação e os

imaginários atrelados as representações de corpos

marginais. As fotografias produzidas por estes artistas

assinaram seus marcadores raciais, de classe, gênero,

sexuais e territoriais como um arsenal bélico, de

confrontos. Formas de expor na presença de alguém

em termos de igualdade, sem serem expostos, pois

o entendimento sobre direitos de imagem passa

por pessoas “livres” também não aceitarem ser

representadas por alguém, além delas próprias. Talvez

tenha sido neste ponto que a fotografia brasileira

negra venha a buscar sua presença. Não no ato de não

apenas representar alguém, mas de afirmar a própria

vida de quem a produz sendo manifestada a partir de

uma inscrição autobiográfica do seu corpo e das suas

vivências, em primeira pessoa.

É assustadoramente vazio viver em um mundo

rodeado de imagens e não se sentir parte delas.

Concordo com a curadora negra Luciana Ribeiro

(2020), quando nos lembra que o desejo pela própria

imagem faz parte da nossa construção e da nossa

individualidade e humanidade. Muniz Sodré (2018)

explica essa lógica perversa de não-lugar e não

pertencimento, quando diz que o racismo brasileiro é

configurado a partir da “saudade” de uma branquitude

que olha para o outro como “um objeto em falta

utilitária na trama das relações sociais” (2018, p.

15). Algo que está inscrito no nosso subconsciente,

sem justificativas racionais ou doutrinárias, mas com

o sentimento de que os lugares sociais já estariam

A escritora e ativista negra

norte-americana Gloria

Jean Watkins, conhecida

como bell blair hooks, assim

mesmo, em minúsculas.

[Foto: bell hooks Institute]

61


socialmente e culturalmente muito bem distribuídos

e não sobraria mais espaço para novas narrativas e

novos olhares.

Se não me vejo, não me reconheço, portanto não

pertenço (RIBEIRO, 2020). É deste desequilíbrio

de presenças que a história da fotografia se encontra

e possibilita a continuidade das estratégias de

representação atreladas à construção e difusão do

racismo cotidiano que foi criado e cristalizando

permanecendo nos imaginários sociais da população

brasileira. Mesmo compreendendo que sub-categorizar

os indivíduos pela raça sempre foi, e continua

sendo, uma ferramenta de poder da branquitude, é

importante debatermos a ênfase de uma fotografia

negra brasileira.

O fotógrafo que se identifica como negro indica nas

suas imagens o seu lugar de fala,

“Jota Mombaça é uma bicha não binária, nascida e criada

no Nordeste do Brasil, que escreve, performa

e faz estudos acadêmicos em torno das relações entre

monstruosidade e humanidade, estudos kuir,

giros descoloniais, interseccionalidade política, justiça

anti-colonial, redistribuição da violência,

ficção visionária e tensões entre ética, estética,

arte e política nas produções de conhecimentos

do sul-do-sul globalizado.”

[Foto e texto do site www.jotamonbaça.com]

e traduz politicamente a urgência de um debate racial

no seu tempo e na sua história (NASCIMENTO,

1978; MUNANGA, 1986; MBEMBE, 2018; hooks,

2019). Omitir a raça ou a etnia de quem produz

essas fotografias pode contribuir para apagar e vedar

uma pluralidade de olhares e perspectivas, pois se

eles não se posicionarem quem irá? Lembramos que

no Brasil não há interesse no diferente do que sempre

foi imposto ou no outro, especialmente quando já

arquitetaram um entendimento palatável do que seria

uma identidade brasileira miscigenada.

A fotografia em sua crise identitária de

reconhecimento entre linguagem artística e registro

documental (ROUILLÉ, 2009; ENTLER, 2009), tem

ignorado o debate sobre representatividade e a

presença de fotógrafos negros nos festivais e mostras

nacionais de fotografia, que atrasaram e muito uma

necessária discussão sobre autorrepresentação. As

estratégias de resistência e olhares internos negros e

indígenas sempre existiram no esforço de fixar novos

significados que contestam a repetição das fantasias

racistas, mas nunca tiveram visibilidade. Basta

reconhecermos uma presença ampla de fotógrafos

populares, que retratam famílias e agendas culturais

locais nas periferias, quilombos e aldeias indígenas

brasileiras, que foram reduzidos ao anonimato e a

clandestinidade dos cultos e rituais ou ao conceito das

artes “populares, e que nunca ganharam o cubo branco

(MUNANGA, 2019).

A vivência negra brasileira, que demarca a

sistematização de suas experiências de corporeidade

ancestral, histórica e cultural, sempre passou por uma

construção fotográfica de narrativa e legitimidade

do olhar branco (MEIRINHO, 2020). E quando os

lugares de fala (RIBEIRO, 2019) ou de enunciação

(BERNARDINO-COSTA e GROSFOGUEL, 2016)

são questionados, o desconforto curiosamente parece

ganhar mais força do que a representatividade e

a inclusão de fotógrafos negros no cenário local.

Como Jota Mombaça (2021) coloca, a crítica

tendencialmente branca insiste em identificar esse

reconhecimento, de forma muito agressiva, como uma

prática de censura “na medida em que os ativismos

do lugar de fala supostamente desautorizam certos

corpos (nomeadamente os brancos, cisgêneros,

heterossexuais, etc.) a falar” (MOMBAÇA, 2021,

p. 36). A pensadore e artista negre, nordeStine

e não-binárie, nos alerta sobre as contradições

intersubjetivas de como algumas alianças brancas,

que são estabelecidas na luta antirracista por maior

representatividade, visibilidade e circulação, geram

62


armadilhas que se fecham em uma certa expectativa

à cumprir, ou que a existência de fotógrafos negros

venham a se alinhar aos privilégios de raça, classe e

gênero hegemônicos. Uma estratégia de “reciclagem

pós-colonial” que valida um regime de verdade que até

hoje determina quem enuncia e quem continua a ser o

representado.

Ainda não se estranha essas ausências e não se aceita

a possibilidade que a representação sobre corpos

negros e indígenas, e suas problemáticas, seja feita em

primeira pessoa, como uma estratégia de apresentação

(FERREIRA DA SILVA, 2020). Esse é um momento

de revisão e ajuste e não temos mais desculpas para

dizer que esses outros olhares não existem.

Reconhecemos que a complexidade da discussão sobre

uma fotografia negra brasileira, pois não existe uma

fotografia e uma fotografia negra, em paralelo. Apesar

da importância de sua ênfase e lugar de fala, também é

redutor encaixotar e limitar o artista fotógrafo negro a

falar apenas de questões raciais pelo simples fato de ser

uma pessoa negra. Ainda se tematiza se colocarmos

essa produção ali, ao lado, limitada a um espaço, ou com

visibilidade em apenas um mês. Se não fazemos essa

cobrança na fotografia feita por pessoas brancas, um

fotógrafo negro têm o direito e liberdade de falar de

suas experiências de vida, sem a exigência de seu

trabalho ter um enfoque racializado. A fotografia

negra vem coabitar um lugar de reconhecimento de

diversidade de vozes e estabelecer um debate a partir

de como cada pessoa olha para si mesma e para o

outro em sua subjetividade. Não mais como um objeto

ou assunto a ser capturado e exposto, mas como

uma tentativa de inscrever um novo ordenamento

e reestruturação de narrativas invisibilizadas e

silenciadas.

O projeto Olhos Negros

como um novo ato

fotográfico

Em um movimento narcisístico inverso, tão

abordado na história da fotografia por Rosalind

Krauss, Susan Sontag, Roland Barthes, Margarida

Medeiros, Boris Kossoy, Luana Navarro, entre outros

(RIBEIRO, 2020), as imagens fotográficas propõem

simbolicamente uma liberação do encantamento que

condenou e impediu a branquitude de se reconhecer

de forma afetiva além do seu próprio reflexo. Como

aponta em suas pesquisas Vilma Neres (2021), a

consolidação, mesmo que ainda muito restrita, da

Figura 1:

Perfil do projeto Olhos Negros

no Instagram

63


Figura 2:

Postagem do perfil do fotógrafo negro

Gabriel Lima (BA)

Figura 3:

Postagem do projeto

#EmMemória sobre a fotógrafa

camaronesa Ginette Daleu

arte afro-brasileira repercute hoje com a existência

de fotógrafos como Walter Firmo (1937), Eustáquio

Neves (1955), Lita Cerqueira (1952), Lázaro Roberto

(1958), Dora Souza (1957), Sónia Chaves (1952) e

Januário Garcia (1943-2021).

Assim, jovens fotógrafos e artistas como Rosana

Paulino (1967), Aline Motta (1974), Ana Lira (1977),

Marcela Bomfim (1983), Gê Viana (1986), Silvana

Mendes (1991), entre muitos outros e outras têm

ampliado suas presenças nos espaços de legitimação

e validação artística. Suas imagens têm influenciado

diretamente na articulação de arranjos coletivos

que buscam o adensamento da complexidade visual

em torno do racismo contemporâneo. A riqueza de

abordagens estéticas propostas pelos fotógrafos negros

contemporâneos nas redes sociais digitais e nos espaços

institucionalizados da arte buscam abordar a negritude

da sua pluralidade de formas e representações.

Com uma maior exposição de fotógrafos negros nos

espaços de arte e nas redes sociais, tem se ampliado a

visibilidade, o interesse e investimento de instituições,

colecionadores, ativistas e entusiastas das múltiplas

e interseccionais formas de representação fotográfica

(PATTON, 1998; POWELL, 1997).

Como forma de compreensão do cenário da fotografia

negra contemporânea brasileira e de perceber os

significados e simbolismos manifestados a partir

das imagens, o projeto Olhos Negros: Visibilidades

e alteridades na fotografia negra contemporânea

brasileira se juntou, em 2020, à iniciativas que

já aconteciam como a do Coletivo Afrotometria,

[Ver mais em https://www.afrotometria.com.br], do

Projeto Afro,[Ver mais em https://projetoafro.com],

Negras[fotos]grafia, [https://www.instagram.com/

negrasfotosgrafias/] e o projeto Fotógrafas Negras

[https://www.instagram.com/fotografasnegras/]

na tentativa mapear, catalogar e inventariar estes

produtores fotográficos negros e que atuam nos

diversos territórios do país. A pesquisa é desenvolvida

pelo Departamento de Comunicação Social da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(UFRN) e busca ampliar debate sobre decolonialidade,

fotografia, questões raciais, estigmas e cultura visual

e identificar a partir de entrevistas e análises visuais

questões de identidade, representação e resistência

racial que recaem sobre as imagens.

A investigação é coordenada pelos professores Daniel

Meirinho e Rodrigo Almeida, com a colaboração de

alunos e alunas dos cursos de Jornalismo, Audiovisual

e Publicidade e Propaganda, da UFRN. A pesquisa

tem uma base de dados de mais de 120 fotógrafos/as/

64


es negros/as/es entrevistados e divulga semanalmente

em seu perfil no Instagram [Ver mais em https://

www.instagram.com/projeto.olhosnegros/] (Figura

1) o trabalho de fotógrafos de todas as regiões do

Brasil que participam do mapeamento (Figura 2).

Compreendemos essa movimentação de circulação

e partilha de saberes como uma experiência de

aquilombamento, proposto pela historiadora Beatriz

Nascimento (2006), que busca construir visualmente

mundos e referências a partir de uma agregação

de forças e amparo de um conjunto de indivíduos

que não se sentem apoiados pelas políticas de

inclusão e visibilidade. São tecnologias ancestrais e

práticas de resistência decorrentes dos ambientes de

militância do movimento negro que dão vida à ações

coletivistas a partir do acolhimento das diferenças, das

singularidades e dos pensamentos, em espaços como o

proposto pelo projeto de pesquisa.

Uma vez por semana ainda o perfil do projeto

ainda publica referências teóricas e bibliográficas

relevantes para a área, projetos coletivos que utilizam

a fotografia como linguagem expressiva e #tbts do

projeto #EmMemória, com perfis de fotógrafos negros

que tiveram uma atuação marcante na história da

fotografia mundial (Figura 3).

Todas as terças-feiras são realizadas reuniões de

planejamento e encontros do Grupo de Estudos

com o debate de textos e obras relevantes para o

tema da fotografia e da arte afro-brasileira, negra

e diaspórica. Com o foco na troca de experiências

com o público externo à universidade, acontecem os

Encontros.ON, toda a primeira semana de cada mês.

Fotógrafos/as/es, realizadores/as/es, cineastas e

artistas visuais negros/as/es são convidados para

conversas virtuais sobre a produção e a circulação de

seus projetos autorais, ampliando o debate em torno

da complexidade da produção e da representação

fotográfica negra contemporânea em âmbito nacional.

O projeto Olhos Negros busca tencionar a

universalidade que demarca esses lugares de

apagamento na fotografia brasileira. Assim, apesar

do racismo ser uma questão estrutural e estruturante

no Brasil (ALMEIDA, 2019), as experiências sobre

a vivência da negritude ocupam distintas trajetórias.

É percebido um conjunto de múltiplas estruturas que

atravessam os fotógrafos negros brasileiros, desde

a demarcadores territoriais de contextos urbanos e

rurais à questões que cruzam questões de classe, raça

e sexualidade, ancestralidade, geolocalização, matrizes

identitárias afroindígenas e mestiças, entre muitos

outros atravessamentos interseccionais.

Basta uma virada de pescoço nos festivais de

fotografia ou em qualquer vernissage para atestar a

presença majoritária de pessoas brancas. Os dados

coletados pelo mapeamento apontam que de 122

fotógrafos entrevistados, 39% dos fotógrafos atuam

no Nordeste e 32% residem na região Sudeste, sendo

ainda uma escassez de participação de fotógrafos do

Norte (8%) e do Centro-Oeste (8%). De acordo com

a pesquisa, apenas 20% já tiveram a oportunidade de

exibir seus trabalhos em mostras, festivais, galerias

e exposições físicas ou online, enquanto 80% nunca

conseguiram expor suas fotografias, além das galerias

nas redes sociais.

Esse dado evidencia uma dimensão da exclusão

existente para alguns grupos dentro do circuito

da fotografia nacional e acende um alerta para a

centralização de atuação destes artistas e profissionais

no Nordeste e Sudeste do país. Sem nem refletir sobre

a migração e quantidade de oportunidades o circuito

Sobre a formação e educação visual dos participantes,

79% já fizeram algum curso na área da arte e da

fotografia, desde workshops, oficinas, cursos de

extensão e de curta duração. Os dados apontam para

que apenas 40% dos participantes cursam ou tem o

ensino superior completo.

O fato representa a tendência para uma formação

técnica em fotografia, mas não revela um maior acesso

à universidade.

A pesquisa cita que a fotografia continua ainda a ser

eminentemente masculina (59%) ao se comparar

ao número mulheres fotógrafas (40%). O contexto

de desequilibro de gênero piora quando se fala de

pessoas negras travestis e transexuais, em que

apenas uma pessoa fez parte da coleta. Enquanto

alguns números comprovam a escassez dos acessos

da representatividade de gênero, classe social e

sexualidade, do grupo de 122 entrevistados, 82%

apontaram ter começado a fotografar em 2014,

configurando o quesito etário por um grande número

de jovens atuando na fotografia negra brasileira.

Sobre suas imagens e gênero fotográfico, 63%

65


afirmam produzir fotografias documentais, 62 %

declara possuir uma produção artística autoral e 54%

diz ter que suas fotografias são ativistas,

ideológicas e sociais.

Essa questão trata-se de um movimento estéticopolítico

que equilibra poderes entre aqueles que

representam e aqueles que são representados. A

representação permanece sendo uma forma de ecoar

as tensões raciais enquanto um compromisso político

inadiável na fotografia contemporânea

O coletivismo é observado quando a pesquisa aponta

que 48% dos fotógrafos têm ou já tiveram nos últimos

dois anos a participação em coletivos de artistas,

grupos culturais, movimentos sociais e organizações

ligadas ao movimento negro. A prática coletiva,

enquanto lugar simbólico de troca de vivências, tem

se ampliado para a criação de espaços de acolhimento

(SODRÉ, 2017) e reconhecimento de corpos

racializados plurais (BATISTA, 2019). São lugares

de agregação e segurança que fazem esses fotógrafos

criarem assentamentos e partilharem experiências e

práticas de resistência. Enxergamos como espaços de

aglutinação, ou de saída no que Fred Moten e Stefano

Harney (2013) apresentam como estratégias de

fuga, não territorial física, mas como um programa

de existência a partir fugitiva, que desprograma a

norma e recria novas performatividades de recusa e

opacidade (GLISSANT, 2008).

Notas conclusivas

O projeto Olhos Negros está ainda na fase de coleta

de dados e análise de resultados, mas já se apresenta

como uma plataforma que busca tencionar o estatuto

de privilégios e de universalidade da fotografia

brasileira reside muito confortável. As poéticas

de resistência e de presença estão postas à mesa e

revelam a urgência de um debate sobre equidade,

demonstrando que reposicionar corpos, subjetividades,

lugares e imagens só será possível a partir de um

reposicionamento de privilégios. O “dar espaço”

ou “dar visibilidade” não pode ser mensurado ou

uma moeda de troca para a dimensão negativa de

“perder espaço” ou “perder visibilidade”. Quando a

fotografia decide usar seu privilégio para partilhar

olhares (negros, indígenas, trans, gordos, nordestinos)

não deveria haver limites ou condições para essa

distribuição. Não são cotas, mas sim formas de todos

multiplicarmos nossas perspectivas e presenças.

Referências

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PATTON, S. African-American Art. Oxford: Oxford University

Press, 1998

POWELL, R. Black Art and Culture in the 20th Century. London:

Thames and Hudson, 1997.

RIBEIRO, D. Lugar de fala. São Paulo: Pólen Produção Editorial

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RIBEIRO, L. A narcísica história da fotografia e possibilidades

de saída de uma história única, SP-ARTE 365, <Disponível

em https://www.sp-arte.com/editorial/a-narcisica-historia-dafotografia-e-possibilidades-de-saida-de-uma-historia-unica/>.

Acesso em: 26 julho. 2021.

ROUILLÉ, A. A Fotografia: entre documento e arte contemporânea.

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SODRÉ, M. Filosofia a toque de atabaques. In: Pensar Nagô.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

_________. Uma lógica perversa de lugar. Revista ECO-Pós, v. 21,

n. 3, p. 9-16, 2018.

66


flashes

Ontem

por Betânia Corrêa de Araújo

As fotografias deixaram de ser

impressas e abandonaram os álbuns

e porta-retratos de família, agora

vazios. Vazios também estão os

cadernos com a narrativa das

experiências construídas com palavras.

Os diários deixaram de ser escritos.

Agora nossas imagens, arquivadas nos

telefones móveis, funcionam

como testemunho dos nossos

trajetos e aventuras.

Nossos diários de bordo.

Com a capacidade de armazenar

milhares de fotografias

em aparelhos cada vez mais sofisticados,

os aplicativos desenvolvidos

com alta tecnologia nos enviam

diariamente imagens

do passado, arquivam nossos álbuns,

escolhem trilhas sonoras

para animar nossas viagens

e organizam nossas celebrações.

Direcionam nosso pensamento.

A circulação de nossas histórias

acontece não mais nos ambientes

privados das nossas casas, de nossas

aldeias, mas no mundo do Instagram,

do facebook, do tiktok.

Uma exposição sem limites espaciais

ou temporais.

Bilhões de diários, flutuam sem

cerimônia nas nuvens.

Nuvens de Babel.

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ensaio

Recife,

29 de maio

de 2021

por Arnaldo Sete, Douglas Fagner,

Melissa Fernandes e

Sérgio Maranhão

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Polícia militar encurrala manifestantes

em ato pacífico, no dia 29 de maio de

2021, no centro do Recife.

[Fotos de Melissa Fernandes]

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A policia impede que a

manifestação pacífica

siga, em fila indiana,

por conta das medidas

sanitárias; e isola a

avenida Guararapes.

Momentos seguintes,

os policiais avançam

contra os manifestantes

e começam os

disparos, o uso de

gás lacrimogênio e as

prisões. Arbitrárias.

[Foto de Arnaldo Sete]

70


O sinal estava fechado

para a livre-expressão

naquele 29 de junho.

Entre muitos protestos

naquele dia, somente

no Recife tivemos

episódios de violência

policial. [Foto de

Douglas Fagner]

Outra vítima da

violência: o trabalhador

Jonas Correia de

França, de 29 anos.

Atingido no olho

esquerdo, sem chance

de recuperação.

Segundo as

autoridades,

a autorização não

partiu do governo de

Pernambuco. E de

quem?

[Foto de Arnaldo Sete]

71


Acima, duas fotos

de Arnaldo Sete e,

abaixo, foto

de Sérgio Maranhão.

Em todas,

cenas que

transformaram o

centro do Recife em

uma campo de guerra

bem desigual.

72


O trabalhador Daniel

Campelo, 51 anos,

atingido por bala de

borracha disparada pela

Polícia Militar, perdeu

a visão de um dos olhos,

durante repressão às

manifestações pacíficas

contra o presidente Jair

Bolsonaro.

[Foto de Sérgio Maranhão]

73


performance

olho

por

olho

por Flávio Costa

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Foto: Flávio Costa

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dente por dente,

imagem por imagem

Engajamento, do francês Engage. A palavra nasce

quase junta ao existencialismo de Sartre, lá pelos

nos anos 50, 60 do século passado. Jean-Paul Sartre

(1905-1980) foi desses que mudou bastante de

opinião durante a vida e isso caracteriza mesmo o

fazer filosófico. Vai para além do cafezinho cult da

TV. A palavra “engajamento” hoje pulula nas redes

sociais. É preciso não só se engajar, mas engajar

alguém. Converter. Converter-se a si próprio até, se

isso é possível, se nos lembramos do garçom, de O Ser

e o Nada, desse Sartre, para lembrar café & filosofia.

“Estamos o tempo todos engajados, desempenhando

papéis”, dizia o filósofo. E os não-engajados estão

mais engajados ainda, dizemos nós. Se um fotógrafo,

em tempos atuais, escolhe fazer arte pela arte, um tipo

de purismo estético e asséptico, deve estar consciente

de sua opção afetar o mundo em volta, a política em

volta, a volta dos piores regimes, a volta do parafuso.

Ninguém está isento. Nem passa impune. O fotógrafo

e performer Flávio Costa entendeu isso rapidamente,

diante do abuso de poder, durante as manifestações

contra Jair Bolsonaro (veja o ensaio “Recife, 29 de

maio de 2021”. Na página XX). Engajou-se, mediou

e liderou ato de arte política que viralizou nas redes

sociais. “Em relação à performance, esse foi o meu

primeiro trabalho, onde pensei, planejei todas as ações

e deixei de registrar a ação para ser o ator, nela.”

Há tempo, Costa dirige seu trabalho de artista visual à

luta contra a violência, aos conflitos no campo, contra

a exploração sexual de crianças. A ação que tomou

as redes naquele sábado foi ato de arte pensada. Sem

intenção, não há arte. A performance reflete seu

engajamento político, na vida real. @flaviorcosta é

também Flavio Costa. Pessoa e persona (eis outra

palavra ululante na boca dos estagiários de marketing

das redes) no mesmo corpo.

Claro: Flávio Costa não lida com os likes das redes

senão para reforçar seus atos artísticos e políticos.

Hoje, 19 de agosto, Dia Mundial da Fotografia,

ele tem perto de 60 mil seguidores no Instagram.

Não se considera um influencer. É um artista,

um fotógrafo. Sabe das responsabilidades do

engajamento e da representação.

Sempre vivemos em rede, hoje mais ainda, e a

luta é pela sobrevivência virtual, a “supremacia

da imagem”, do avatar, um tipo de cabeça sem

corpo, onde conta mais a audiência para uma

espécie ainda não totalmente catalogada de

emoção.

Pensando nisso, perguntamos ao fotógrafo,

pelo WhatsApp, durante a edição desta matéria:

“É possível de as pessoas terem se comovido

mais vendo fotos de sua performance que mesmo

com fotos do fato

em si, de pessoas atingidas durante o protesto de

29 de maio? O que sensibiliza mais as pessoas

hoje? A metáfora ou a realidade?”

“A realidade será sempre mais impactante,”

respondeu Flávio. “porém a arte, neste

caso, através da performance, tem o poder

de intensificar essa realidade. Na minha

performance eu coloquei 100 pessoas

representando as vítimas das atrocidades da

PM e esse volume de pessoas, com “sangue no

olho”, sensibilizou bastante as pessoas. Isso teve

grande repercussão nas redes sociais.”

“Olho por olho”, de Flávio Costa, acorreu no

dia19 de junho de 2021, no Recife. Marcou

não somente a estreia do fotógrafo na arte

performática, pública. “Funcionou” mais que

listas e abaixo-assinados. Nada contra. Melhor

que centenas de notas de repúdio e posts de

Facebook. Alterou a vida das pessoas. De fato.

A ação deve estar ainda tocando pessoas nas

redes. Suas imagens podem ainda influenciar

fatos sociais e políticos, como as eleições de

2022. Se isso não for arte, que no geral não

tem utilidade alguma, passa a buscar outros

significados. E a fazer muita gente refletir e

encarar, nos perfis, a vida de frente.

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Olho por olho: multiplicações:

efeito viral nas redes, contribuiu para

alteração dos fatos, na vida real.

A foto que aparece nas postagens

é de Marlon Diego

“Antes mesmo de

começar a performance

eu já havia alertado

os seguidores de

que eu faria algo nas

manifestações. Na minha

primeira postagem no

Twitter foram mais de 80

mil interações. Durante

a performance, a ideia

era ser fotografado e

não fotografar. Então

o fotógrafo Marlon

Diego fez uma foto

minha que em pouco

tempo viralizou na

internet. Perfis no

Twitter e Instagram com

milhões de seguidores,

começaram a postar

e retuitar. Pessoas na

manifestação postando

em suas redes e jornais

como o El País falando

sobre a performance

contribuíram para

espalhar ainda mais.

Mais de um milhão

e oitocentas mil

vizualizações. [...] Dias

depois caiu toda a cúpula

da PM responsável

pelos ataques e os

policiais envolvidos

foram afastados, devido

a grande repercussão.

Quero acreditar que

contribui um pouquinho

e, dessa forma, me senti

‘vingado’: olho por olho.”

Flávio Costa, jornalista,

fotógrafo, performer

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Foto: Flávio Costa

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Foto: Luciano Costa

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ensaio


o ouro

de Oxum

por Jéssica Lopes

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Jéssica Lopes, mulher negra,

mãe, casada com uma mulher

incrível, estudante de fotografia

na Unicap, Educadora social e

produtora Cultural nas Coletivas

Espaço Cultural das Marias e

Periféricas.

O trabalho “O ouro de Oxum” faz

parte de um projeto da Coletiva

Espaço Cultural das Marias

(@espacoculturaldasmarias)

chamado “Cultura de Favela”,

onde o intuito é compartilhar,

enaltecer e ajudar na visibilidade

dos trabalhos de artistes e

artesãos, negres, Lgbtqia+,

favelades, da comunidade do

Ibura.

Essa é uma performance de Lua

Maria, que traz sempre na sua

dança a busca, o reconhecimento

e o reencontro com a

ancestralidade.

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azul de

tão preto

Noir-Blue - deslocamentos

artigo

de um dança, de Ana Pi

por Elysangela Freitas

A dança negra existe, aliás,

é a única que tem uma cor.

Ana Pi

Mineira de Belo Horizonte, Ana Pi é uma artista

coreográfica e da imagem, pesquisadora das danças

urbanas, dançarina contemporânea e pedagoga. Graduada

pela Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia

– Brasil, em 2009/10, estudou no Palácio das Artes em

Belo Horizonte e no Centre Chorégraphique National de

Montpellier, na França, formação EX.E.R.CE, sob a direção

de Mathilde Monnier.

Ana performa e palestra, com apresentações realizadas

na América Latina, na Europa e na África. Por meio

de seu trabalho e como resultado de suas pesquisas,

ela também se interessa pelo desenvolvimento de

uma prática pedagógica, concebendo um diálogo mais

direto com o público. Assim, dentro deste processo,

ela ministra oficinas de dança, baseadas no que vem

desenvolvendo, chamadas de Corpo firme: danças

periféricas, gestos sagrados, onde as danças originárias

das periferias das grandes cidades, também conhecidas

como danças urbanas, se relacionam intimamente com

gestos sagrados presentes na Diáspora Negra. 1

Seu interesse é pelas danças que emergem nas periferias

das grandes cidades do mundo, ditas também danças

urbanas, danças de rua, ou ainda, street dance. Um

encontro em que a dança, enquanto linguagem, transmite

conhecimento, emoções e imagens através do corpo e de

seu movimento. 2

Noir-Blue, espetáculo de

dança solo

Foto: Daniel

Nicolaevsky

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A artista se apresenta como uma pessoa curiosa, um

corpo atento às coisas do mundo. Sua prática criativa

e pedagógica passa pelo trânsito, o deslocamento, o

pertencimento, a sobreposição, a memória, as cores, as

ações ordinárias e seus gestos. Para Ana Pi:

A diáspora negra forçada em direção às Américas

durou cerca de 400 anos. Em outro terreno e sob a

opressão do contexto, esta imensa massa humana

em deslocamento teve a perspicácia de dançar.

Compreender esse impacto oferece a oportunidade

de viver de modo diferente as danças emergentes

de zonas periféricas das cidades, ditas danças

urbanas. A pesquisa coletiva sobre a adaptação,

groove, improvisação e freestyle são a base desta

prática. Dançar em roda, ativar pés, bacia e

olhos são aqui percebidos como gestos sagrados,

produtores de expansão em permanência. 3

Em 2017 Ana Pi cria Noir-Blue, espetáculo de dança

solo, e, estreia o seu primeiro filme intitulado Noir-

Blue – deslocamentos de uma dança (27min) , gravado

em 2016 em 9 países da África (Níger, Burkina, Mali,

Nigéria, Angola, Guiné Equatorial, Costa do Marfim,

Etiópia e Mauritânia).

A viagem para os países africanos da África sub-saariana,

ou África Negra, aconteceu em 2016 no meio do processo

de criação do espetáculo Noir-Blue. Em sua pesquisa, a

que ela chama de exercícios de pertencimento, Ana queria

entender o conceito de dança negra e de como poderia

trabalhar de uma forma mais aberta, colocar juntas danças

que são de contextos totalmente diferentes, como uma dança

de cerimônia e uma dança de batalha, estava preocupada

primeiro em fazer o espetáculo de dança. Ana conta que:

Durante a viagem fui fazendo aqueles experimentos

(...) e encontrei pessoas que foram me dando mais

informações sobre danças negras. Então tudo foi

ficando mais rico, e foi nesse momento que resolvi

pensar nessa expressão racista “azul de tão preto”.

Foi uma questão que me coloquei: como eu criaria

uma dança “azul de tão preta”? 4

4 de agosto de 2016

retornar <> revenir,

mais um exercício para essa criação (azul) em

deslocamento.

Ontem em Paris, ao som da super 8 de Indira

Dominici, dancei aqueles gestos trazidos de África,

das 9 cidades percorridas em junho e julho desse

ano. Dentro do meu tênis ainda tem areia da

Mauritânia, percebi. Coberta pelo meu tecido eu

90


As fotos que

acompanham este

artigo são frames

do documentário

NoirBLUE – les

déplacements d’une

danse (Deslocamentos

de uma dança)

(2018, 27’, realizado

por Ana Pi)

NoirBLUE,

espetáculo de

dança solo

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Nouakchoot/Mauritânia

Luanda/Angola

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Malabo/Guiné Equatorial

Lagos/Nigéria

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pude ver mil rostos. Nas ruas desertas desta cidade

atual eu dancei gestos daquele pertencimento, no

vazio deste espaço tudo era abundância dentro do

meu movimento, me bastava só fechar os olhos e

todo mundo estava ali comigo. 5

Aujourd’hui elle existe cette danse bleue qui dérive

de la noire.

Hier j’ai dansé sans peur, dans l’obscurité. On était là,

le son, la lumière et le mouvement, ensemble à se voir

et s’écouter. Les yeux devant moi étaient, eux aussi,

luminescents. J’ai sentais leur vibration curieuse. Je

suis partie et ça vibrait encore, c’est ça que je voulais

faire sans concession. La liberté est bleue. 6

Hoje existe essa dança azul que deriva da negra.

Ontem, dancei sem medo no escuro. Estávamos lá,

som, luz e movimento, juntos para nos vermos e

ouvirmos. Os olhos à minha frente também eram

luminescentes. Eu senti sua vibração curiosa. Saí e

ainda estava vibrando, era isso que eu queria fazer

sem compromisso.

A liberdade é azul. (tradução livre)

Já o filme NoirBlue – deslocamentos de uma dança,

disponível no site da artista (https://anazpi.com/

noirblue-doc/), surgiu um pouco por acaso. Ana só

percebeu que tinha um filme muito tempo depois de voltar

da África, quando o Facebook lhe mostrou as lembranças,

por meio da amostra de pequenos vídeos diariamente.

Assim, o filme foi realizado de forma independente, com

poucos recursos, uma câmera e sem equipe. Inicialmente

as imagens foram feitas com o objetivo de compartilhar

a experiência da viagem com pessoas próximas e como

objeto de observação da pesquisa em dança, e não era

visto pela própria artista como “cinema”. 7

Narrado em primeira pessoa, o filme é ao mesmo tempo

o relato de uma experiência pessoal bem como uma

performance. Ana Pi narra e dança o que sente. O mais

importante pra mim era contar sobre os pensamentos que

me ocorreram por estar ali, daquela experiência, como

me senti, que informações que eu tive acesso que não

chegam até aqui, ou que não saem de lá, inclusive, diz. 8

Ana conhece a África de seus ancestrais dançando, volta

a se ligar às suas origens através do gesto coreográfico,

se deixa imergir nesse mundo novo, estando dentro dele,

em movimento constante. Segundo Le Breton, para

nós, seres humanos, não existem alternativas senão

experimentar o mundo, ser atravessado e transformado

permanentemente por ele, sendo que o mundo é a

emanação de um corpo que o penetra. Um vai e vem

instaura-se entre sensação das coisas e sensação de si.

94


Enugu/Nigéria

Bamako/Mali

Niamey/Niger

Antes do pensamento, há os sentidos. 9

O antropólogo afirma ainda que o corpo é a condição

humana do mundo, este lugar onde o fluxo incessante

das coisas se detém em significações precisas ou em

ambiências, metamorfoseia-se em imagens, em sons, em

dores, em texturas, em cores, em paisagens etc. 10

E é assim, consciente de seu corpo e com um olhar de

dentro, que a artista vivencia e filma essa experiência,

com o objetivo de mostrar uma outra África, diferente

daqueles relatos explorados pela grande mídia. Em

entrevista, a artista afirma:

Porque acaba que a maioria dos materiais que

a gente tem em imagem sobre África são muito

exotizantes, muito expositivos de uma África

ritualística, mas totalmente fora de contexto, vista

pelo olhar de pessoas que são inclusive céticas

de tudo. Ou então mostram a fome, a miséria, os

animais selvagens…

Quando aconteceu a viagem, já nesse primeiro

momento do avião, que está na narração do

filme – quando vi todas aquelas pessoas negras,

principalmente o piloto e quem estava na primeira

classe –, percebi que iria me deparar com uma

complexidade, que eu iria ficar ao avesso mesmo.

Pensando nessa questão do quão humanos

podemos ser enquanto pessoas negras, ou mesmo

nessa coisa do status social. Naquele momento

eu já percebia que estava indo para um lugar

absolutamente humano, humanizado mesmo,e isso

foi maravilhoso.

(...)

Então o deslocamento era isso, um deslocamento

visando ampliar a reflexão sobre essa questão de

onde viemos e como aquele lugar de onde viemos

está. De uma certa forma as imagens dão conta de

mostrar como ele está um pouco. Entendo como se

fosse uma contação de história, um griot mesmo,

acompanhada das imagens. 11

Dessa forma, Ana Pi em sua obra constrói

contravisualidades, promovendo outras narrativas

e incentivando deslocamentos nas formas como

aprendemos a ver e a vivenciar o mundo. Na avaliação de

ABREU, ÁLVAREZ e MONTELES,

As contravisualidades ajudam a questionar o

círculo da homogeneização do olhar, no qual os

dispositivos de visibilidade formalizam o que é

representável e o que não pode ser visto. Trata-se de

narrar uma alternativa a outras realidades, onde

a presença, em geral invisibilizada do ‘outro’ e de

outros contextos socioculturais, é requisitada. 12

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OUAGADOUGOU/Burkina Faso


Quais as sensações e sentimentos que um gesto provoca

em nós e no outro? Quais os outros modos de conhecer

o mundo? É possível experimentar-compreender através

do puro movimento? Assim, eu conheci Ana Pi, fui

atravessada por sua narrativa e sua dança. Poesia.

A obra da artista me chama a experimentar outras

existências, mesmo sem a presença física naquele espaço.

No início do filme, a artista pede a benção dos ancestrais

e, ao final da narrativa, aos mais jovens. Ela afirma,

ainda, que quando o visível se torna invisível o olho

demora a se acostumar e nos convida a imaginar. Então,

vamos imaginar e sonhar um passado, um presente e um

futuro que dialoguem com os deslocamentos e conexões

geográficas afetivas que Ana Pi nos propõe.

https://anazpi.com/author/anazpi/#:~:text=Ana%20

Pi%20est%20diplômée%20de,E.R. Acesso em

29.04.2021.

https://www.hojeemdia.com.br/almanaque/jovenscineastas-mineiros-se-destacam-na-mostra-de-cinemade-tiradentes-1.687754/cineasta-ana-pi-1.687758.

Acesso em 29.04.2021.

https://cinefestivais.com.br/ana-pi-fala-sobre-noirbluedeslocamentos-de-uma-danca/.

Acesso em 29.04.2021.

Notas

Referências

ABREU, Carla Luzia de; ÁLVAREZ, Juan Sebastián

Ospina; MONTELES, Nayara Joyse Silva. O que

podemos aprender das contravisualidades?, In:

Encontro Nacional da Associação Nacional de

Pesquisadores em Artes Plásticas, 28, Origens,

2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia:

Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 831-846.

Le Breton, David, 1953 - Antropologia dos sentidos.

Tradução de Franciso Morás. Petrópolis, RJ: Vozes,

2016.

NoirBLUE – les déplacements d’une danse (2018,

27’). Réalisation : Ana Pi. https://anazpi.com/

noirblue-doc/. Acesso em 29.04.2021

www.anazpi.com. Acesso em 29.04.2021.

https://anazpi.com/corpo-firme-corps-ancre-steadybody-ana-pi/.

Acesso em 29.04.2021.

https://ims.com.br/convida/ana-pi/. Acesso em

29.04.2021.

https://www.institutotomieohtake.org.br/

programacao/interna/noirblue-por-ana-pi. Acesso em

29.04.2021.

https://masp.org.br/exposicoes/ana-pi. Acesso em

29.04.2021.

https://cinefestivais.com.br/ana-pi-fala-sobrenoirblue-deslocamentos-de-uma-danca/.

Acesso em

29.04.2021.

1

https://www.institutotomieohtake.org.br/

programacao/interna/noirblue-por-ana-pi.

Acesso em 29.04.2021.

2

https://masp.org.br/exposicoes/ana-pi.

Acesso em 29.04.2021.

3

https://anazpi.com/corpo-firme-corps-ancre-

-steady-body-ana-pi/. Acesso em 29.04.2021.

4

https://cinefestivais.com.br/ana-pi-fala-sobre-noirblue-deslocamentos-de-uma-danca/.

Acesso em 29.04.2021.

5

https://anazpi.com/author/anazpi/#:~:-

text=Ana%20Pi%20est%20diplômée%20

de,E.R. Acesso em 29.04.2021.

6

Idem.

7

https://www.hojeemdia.com.br/almanaque/

jovens-cineastas-mineiros-se-destacam-na-

-mostra-de-cinema-de-tiradentes-1.687754/

cineasta-ana-pi-1.687758. Acesso em

29.04.2021.

8

Idem.

9

Le Breton, David, 1953 - Antropologia dos

sentidos. Tradução de Franciso Morás. Petrópolis,

RJ: Vozes, 2016.

10

Idem.

11

https://cinefestivais.com.br/ana-pi-fala-sobre-noirblue-deslocamentos-de-uma-danca/.

Acesso em 29.04.2021.

12

ABREU, Carla Luzia de; ÁLVAREZ, Juan

Sebastián Ospina; MONTELES, Nayara Joyse

Silva. O que podemos aprender das contravisualidades?,

In: Encontro Nacional da Associação

Nacional de Pesquisadores em Artes

Plásticas, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás.

Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de

Goiás, 2019. p. 831-846.

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ensaio

betón

et photo

por André Martins

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É possível pensar não em uma cidade cenográfica, mas em

uma cidade absolutamente “fotográfica”, por excelência

“photogênica?”

Essa é uma das perguntas que se desprende deste ensaio

de André Martins. O que busca, na verdade, o fotógrafo de

arquitetura? A cena? e menos o acontecimento? Há cidades

“performáticas”?

Martins fotografou Paris, Dublin, Lisboa, Berlin, Haia,

Rotterdam, Munique, Rio de Janeiro, Recife, Bilbao entre

outras senhoras, velhas e jovens, outros rostos, outros

gestos, outros corpos. Neste ensaio inédito, publicado agora

pela Unicaphoto, há essa ideia vertiginosa, o tempo todo,

neste ensaio “Béton et Photo”. A primeira palavra

vem do francês, e significa “concreto”, “pedra”. O projeto

nasceu em 2015, quando o fotógrafo estava no bairro de

LaDefense, em Paris. “A característica de “Béton et Photo”

é a monocromia das imagens”, diz o arquiteto. “Esta estética

é inspirada nas maquetes arquitetônicas, geralmente em

papel, cortiça, madeira, acrílico, para analisar a forma,

volumetria, escala, ambientes e estrutura dos projetos de

arquitetura.”

Seu olhar leva vantagem: André Martins é arquiteto,

urbanista, fotógrafo e designer. Nota-se aí controle dos

pontos de vista. Da perspectiva. O suficiente para confrontar

a formação e deformação da imagem. A vertigem.

Em minibio enviada para Unicaphoto, registra-se: já

superou os 200 mil cliques, em dez anos de carreira.

Atualmente, se dedica à pós-graduação em fotografia e

audiovisual, pela Universidade Católica de Pernambuco.

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aconteceu

Foto: Danilo Galvão

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Curta

Vazantes

por Paulo Souza

Muito se fala do poder transformador da arte e da

educação para uma sociedade, mas, diante da amplitude

da dimensão histórica, poucas vezes somos capazes

de vivenciar os efeitos das sementes que plantamos.

Vazantes, pequeno distrito de Aracoiaba, no maciço de

Baturité, Ceará, nos mostra uma deliciosa exceção a

esse fenômeno. Pouco mais de 4 mil habitantes viram

suas vidas serem transformadas por um conjunto de

projetos sociais e ações culturais iniciados há pouco mais

de 10 anos. Um dessas sementes foi plantada a partir

da inspiradora magia e ludicidade do cinema, com o

nascimento da Mostra Curta Vazantes, que agora chega à

sua 7ª edição.

O mês de junho, como em muitos municípios da região,

é especialmente importante para o povo de Vazantes.

As cerimônias religiosas juninas dividem o coração da

população com os tradicionais concursos de quadrilha e,

agora, com essa especial visita do cinema, que em um

democrático espaço ao ar livre, ilumina a noite com as

mágicas imagens projetadas para toda população. Mais

que uma mostra de filmes, o Curta Vazantes é um evento,

anunciado por toda cidade, esperado pelos brilhantes

olhos dos jovens que encontram nos filmes janelas para

outros mundos e possibilidades. Quando cai a noite

vemos a crescente movimentação, os pequenos comércios

se preparam para atender ao público, os moradores

timidamente vão se aproximando e, pouco a pouco, a

plateia vai se acomodando. Os filmes exibidos são produto

de uma minuciosa curadoria, centenas de filmes de todo

o mundo são submetidos à mostra anualmente, mas

só alguns deles têm a honrosa oportunidade de cruzar

fronteiras e tornar palpável o estado de sonho do cinema

que se instala em Vazantes.

o cinema tem de ir

aonde o povo está

111


Em 1981, Milton Nascimento e Fernando Brandt

cunharam o célebre verso que diz que “todo artista tem

de ir aonde o povo está”. E é essa a essência que traduz a

Mostra Curta Vazantes, que torna possível o impensável,

construindo pontes e superando os obstáculos que

cotidianamente são impostos às populações afastadas

dos grandes centros. Mais que pontes, a chegada do

cinema à Vazantes construiu trampolins, impulsionando e

projetando sonhos de muitos daqueles jovens entusiastas

da sétima arte. Além de exibir filmes, o evento reúne uma

série de oficinas e atividades, apresentando aos jovens da

comunidade a possibilidade de fazer, participar e contar

suas próprias histórias através do cinema.

A cada edição os jovens têm contato com oficinas que,

entre tantas temáticas, já apresentaram fundamentos

como fotografia, maquiagem, animação, sempre a partir

da ideia de uma prática orientada, ou seja, eles realizam

seus próprios filmes e os projetam na mostra noturna. Se

o contato com o cinema já tem toda uma aura de magia,

mais encantadora ainda é a reação dos habitantes aos

verem seus rostos, suas ruas, seu povo e suas histórias

projetadas na tela grande, contadas por seus próprios

filhos, netos, sobrinhos. Lembro-me especialmente de

quão simbólico foi chegar à Vazantes e perceber que

um dos filmes projetados naquela edição foi resultado

não de uma prática orientada, mas desenvolvido

espontaneamente ao longo dos meses que antecederam

o evento, pelos próprios jovens que frequentaram a

Mostra em anos anteriores. Era cristalino, ali uma

semente havia germinado. E, tenho certeza de que, se

outras 10 edições precisassem ser realizadas até um

novo despertar como esse acontecer, a missão social e

cultural do Curta Vazantes continuaria valendo a pena.

Mas o árido solo de Vazantes parece ser muito fértil e, já

em 2018, o documentário Leide, de João Marcos Maia

– um daqueles entusiasmados jovens que, anos antes,

conheceram o cinema através do Curta Vazantes – foi

selecionado e projetado no 28° Cine Ceará – Festival

Ibero-americano de Cinema. No ano seguinte, o jovem

diretor realizou Neusa, que também circulou em festivais

de âmbito nacional, inclusive fora do Ceará.

Bem mais que um espaço de exibição de cinema, a

Mostra Curta Vazantes é a materialização do poder

transformador da arte, da fundamental importância

de sua promoção, onde quer que seja, contra todas

as correntes. Os filmes de Vazantes ecoam em nossas

mentes sempre alertando que há que se continuar

acreditando nas transformações sociais. O cinema das

grandes produções, dos milionários orçamentos de

Hollywood, é agora também o cinema do João Marcos,

de Vazantes, e dos muitos jovens que, como ele, ousarem

sonhar através dos filmes.

vinculada

Nas vazante

lugar onde o

nada está c

por P. Pedro Rubens Ferrei

Fe y Alegria” (FyA) são duas palavras cheias

de magia e vigor, traduzindo, assim, a proposta

de “movimento de educação popular integral”,

internacional, inspirada na pedagogia educacional

jesuíta. Criado na Venezuela, em 1955, esse

movimento chegou ao Brasil em 1981 e,

nas Vazantes do Rio Aracoiaba, em 2005. Apesar

de produzir frutos diferentes em cada terreno

novo, FyA nasce de três raízes comuns: a demanda

de educação, o apoio da comunidade e a orientação

pedagógica jesuíta.

Vazantes, distrito de Aracoiaba, semiárido cearense,

foi emancipado em 1963, mas, por conta da ditadura

militar, o novo município não foi criado, perdendo sua

oportunidade histórica e caindo em certo isolamento.

Mesmo assim, esse pequeno lugar sempre teve destaque

na atuação de educadores, articulando as suas duas

escolas públicas, movimentando a comunidade e

formando muitas gerações. No entanto, em 2004,

houve a ameaça de fechamento de sua escola de ensino

médio (Escola João Alves Moreira – Ejam), em razão

do baixo número de matrículas (menos de 200) e

elevado índice de evasão. Os educadores, junto com

as lideranças da comunidade, reuniram-se e criaram

um movimento “Vazantes vive” para movimentar

a comunidade e defender a escola, além de recorrer

também a um jesuíta, filho da terra e educador.

Assim, uma série de ações voluntárias e

criativas chamaram a atenção de todos e provocaram

a visita técnica de uma diretora da Fundação Fé e

Alegria do Brasil, para avaliar as condições de criação

de uma unidade do movimento no Ceará. O parecer

da professora Raimunda Cadó foi determinante: “Se

essa comunidade não tem condições para uma unidade

112


s do rio Aracoiaba,

s pássaros cantam,

omo antes…

ra Oliveira

Foto: Danilo Galvão

113


O autor desta vinculada,

P. Pedro Rubens Ferreira Oliveira,

Jesuíta, é filho de Vazantes,

Conselheiro da Fundação Fé

e Alegria do Brasil e Reitor

da Universidade Católica de

Pernambuco.

de FyA, nenhum lugar terá”. E assim aconteceu,

com a criação da unidade Ceará da Fundação: os

sonhos foram transformando-se em projetos e,

os projetos, em realizações, sob a liderança das

professoras Francimayre Maia e Antônia Ferreira,

sempre contando com apoio de outros educadores

das escolas. O movimento criou um dinamismo novo,

fazendo surgir várias atividades de apoio escolar (prévestibular,

reforço escolar, brinquedoteca, campanha

de livros para uma biblioteca, etc.), muitos grupos

culturais (flautas, quadrilha, dança regional, balé,

maracatu, capoeira, uma pequena banda, dança

dos idosos, etc.) e algumas ações de geração de

renda (padaria e confeitaria comunitária, fabricação de

produtos de limpeza, corte e costura, artesanato, etc.).

Todo esse esforço comunitário chamou a atenção e foi

reconhecido por instituições de apoio e financiamento,

das quais passo a mencionar as principais.

Uma organização social alemã (Sozialwerk

Brasilienhilfe), fundada pelo jesuíta Padre

Günter, aprovou a construção de dois importantes

equipamentos públicos: o Centro de Desenvolvimento

Educativo e Comunitário (Cedec, 2007) e a Galeria

de Economia Solidária e Lazer Comunitário (Galeria,

2010), espaços totalmente diferenciados. Graças a

esses investimentos, uma mantenedora jesuíta (Aneas)

pode entrar com uma contrapartida financiando

os projetos sociais realizados nesses espaços.

Significativo também foi o apoio do grupo Prover,

da Volkswagen: a doação de uma Kombi possibilitou

uma série de atividades e transporte das pessoas, em

uma localidade de tão difícil acesso. Outras conquistas

da comunidade, nestes últimos 15 anos, merecem

destaque, associadas, direta ou indiretamente à

atuação de FyA e ao protagonismo dos educadores:

primeiro, a escola estadual (Ejam), antes ameaçada

de fechar, uniu-se a outra unidade vizinha e foi

114


Foto: Alex Costa

emancipada (2010); além da reforma da Ejam “por

dentro e por fora”, a nova escola alcançou bons

indicadores e destaque na região e, no final de 2020,

foi elevada à categoria de “Escola de Tempo Integral”;

no mesmo passo, a escola municipal (Escola Capitão

Antônio Joaquim – Ecaj), de ensino fundamental, foi

reformada e recebeu uma nova unidade (ainda sem

funcionamento), além de ter ganhado uma “Creche

modelo” padrão federal (Creche Raimundo Bento de

Oliveira Maia – CRBOM) e uma quadra de esportes.

Portanto, hoje, Vazantes é um verdadeiro polo

educacional.

A vocação cultural da comunidade também foi

intensificada, graças a uma renovação do calendário

de praticamente todas as festas da comunidade,

além de eventos totalmente inovadores que entraram

na agenda, sobretudo a partir de 2013: primeiro,

a criação da Mostra “Curta Vazantes”, cinema

em comunidade, sob a liderança de Leo Tabosa,

atuando desde 2014 (em junho, aniversário do FyA

Vazantes) e, segundo, a experiência do Voluntariado

Universitário, reunindo estudantes de universidades

jesuítas da Espanha e de Pernambuco (parceria

da Unicap, Instituto Humanitas e Magis Brasil,

experiência que se repete durante todo o mês de julho).

No desafiador ano de 2020, FyA Vazantes completou

15 anos, com um grande legado, mas teve que cancelar

muitas atividades por conta da pandemia. No entanto,

por um lado, atuou na assistência às famílias mais

necessitadas, e, por outro, ofereceu apoio às escolas

em parceria firmada com Unicap e a Prefeitura de

Aracoiaba (agosto de 2020): projetos de extensão (ciclo

de conferências para educadores e também para alunos

das escolas), criação de Pré-universitário para reforçar

preparação para o Enem, e, finalmente, a criação do 1º

Polo EAD do FyA do Brasil, com base no Cedec e

acessível a todo o município, com a oferta inicial de

Licenciaturas, mediante a oferta de bolsas.

Nesses anos de atuação na comunidade, portanto,

muitas foram as conquistas associadas ao FyA, direta

ou indiretamente.

E, para coroar esse relato, importa destacar a

aprovação de um projeto governamental que vai

facilitar o acesso e melhorar a estrutura urbana de

Vazantes. Acontece que, em 2016, começaram as

obras de uma estrada importante (a CE 464), mas

passando, como convém, por fora da localidade e

gerando certo isolamento, cruzamentos perigosos e

difícil acesso. Por isso, no mesmo ano, a Fundação

FyA, junto com as lideranças da comunidade, entrou

com um projeto complementar, endereçado ao

governador do Estado, Camilo Santana: inicialmente,

o projeto não alcançou êxito, mas continuamos

insistindo e, no início de 2021, o governador assinou a

ordem de serviço para a construção de uma interseção

da CE 464 com a localidade, além da construção

de uma avenida de 1,8 km, interligando todos os

equipamentos públicos e estruturando a urbanização

do distrito, batizada como Avenida Fé e Alegria.

Ironicamente, essa conquista pública nos remete a

uma célebre frase do grande fundador do movimento,

Padre Velaz: “Onde acaba o asfalto, começa Fé

e Alegria”. Agora, porém, é preciso completar ou

fazer uma nova sentença, como por exemplo: onde

o movimento “Fé e Alegria” começa, tudo se

transforma. Seja como for, deveríamos ter cantado, no

início dessa aventura, algo assim: com Fé e Alegria em

Vazantes, “sei que nada será como antes, amanhã…”

(Milton Nascimento).

115


aconteceu

Fevereiro

Colação de grau 2020.2

O mês começou com a

cerimônia de colação de grau da

Unicap para os estudantes formados

em 2020.2. O evento, que aconteceu

no dia 02 de fevereiro, de modo

remoto, contou com a participação

dos alunos e seus familiares. O orador

que representou a turma de Fotografia

foi Danyllo Feliciano da Silva e o

estudante laureado do curso foi

Matheus Mota Acioli.

Live sobre Cultura Visual na

América Latina

Os professores André Antônio,

Catarina Andrade, Fernanda Grigolin,

Maíra Gamarra, Marina Feldhues e

Rodrigo Lessa participaram no dia 08

de fevereiro de uma live para debater

a cultura visual na América Latina. O

encontro também teve como objetivo

apresentar a proposta do MBA

Cultura Visual: Fotografia & Arte

Latino-Americana. Os professores e

professoras falaram sobre os temas que

serão abordados em suas respectivas

disciplinas no MBA.

Abertura de semestre 2021.1

Três encontros marcaram a abertura

do primeiro semestre de 2021 para

os alunos do curso de Fotografia. A

noite de 18 de fevereiro contou com o

professor Paulo Souza que falou sobre

como organizar uma exposição virtual.

No dia 19 foi a vez de Mariana

Nepomuceno apresentar a temática

“Que história a fotografia conta?”. O

terceiro dia teve a presença de Alyson

Carvalho ao lado de três egressos do

curso de Fotografia.

Março

Aula inaugural do MBA

A aula inaugural da primeira turma do

MBA Cultura Visual: Fotografia & Arte

Latino-Americana aconteceu no dia

primeiro de março. O curso tem como

objetivo capacitar os profissionais à

criação de projetos artísticos e culturais

multidisciplinares, multimidiáticos e

multilinguagens com uso da Fotografia,

incentivando a pesquisa, a reflexão

crítica e a prática artística-cultural, com

ênfase na América-Latina.

Fotografia e métodos de

conservação

Os amantes de conservação e restauro

de fotografia puderam participar de uma

aula sobre o tema com o especialista Luís

Pavão e com o Doutorando em Ciência

da Arte e Patrimônio, ex-aluno do

curso de Fotografia da Unicap, Renato

Menezes. O encontro remoto, que

aconteceu no dia 27 de março, contou

também com as presenças de Betty

Lacerda e Fabiana Bruce.

Abril

Live Abril Pras Artes

O “Abril Pras Artes” 2021, iniciativa

sociocultural que pretende fortalecer a

cultura nordestina e aproximar ainda

mais a arte das atividades acadêmicas,

contou com mediação de Renata

Victor e aconteceu no dia 19 de abril

com Daniel Meirinho, Heudes Regis e

Roberta Guimarães.

Aula aberta

A noite de 29 de abril foi marcada por

uma aula aberta com os convidados

da ONG @imagemagica. O encontro

virtual foi conduzido por Andreza

Portela e Andreza Magalhães. Elas

realizaram dinâmicas em grupo

e mostraram como funcionam os

projetos da ONG.

Maio

Visita de Rafael Beck

O dia 10 de maio foi marcado pelo

talento do músico Rafael Beck. Foi

um encontro maravilhoso que uniu

música e fotografia.

116


Junho

Gincana do saber fotográfico

Autorretratos instântaneos: estudantes vencedores

da Gincana do saber fotográfico, realizada em junho,

de modo remoto. O evento já faz parte da tradição do

curso de fotografia de Unicap.

A manhã do dia 05 de junho

foi marcada por muita energia,

brincadeiras e produções dos alunos do

curso de Fotografia que participaram

da 5ª Gincana do Saber Fotográfico. O

evento, que já faz parte do calendário

do curso, foi adaptado ao formato

remoto e funcionou muito bem

gerando aprendizado e muita diversão.

Podcast sobre fotografia

A Escola de Comunicação da Unicap

realizou em junho uma série de

programas de podcast sobre os cursos

de Fotografia, Jornalismo, Jogos

Digitais e Publicidade e Propaganda. O

podcast de Fotografia ganhou o título

de “Por que fazer fotografia agora?” e

foi apresentado pelo professor André

Antônio, que entrevistou uma aluna

do curso de Fotografia e um aluno do

MBA Cultura Visual: Fotografia & Arte

Latino-Americana.

Oficina de vídeo

O professor Filipe Falcão ministrou

nos dias 15, 22 e 29 de junho uma

oficina de vídeo gratuita, onde

apresentou noções para a produção

audiovisual, a utilização de ângulos

e planos, cuidados com o som e a

iluminação, e dicas de edição com

dispositivos móveis. Ao final, todos

os alunos realizaram vídeos com um

minuto de duração.

Julho

1º Encontro Brasileiro de

Fotografia em Movimento -

Movi

O curso de Fotografia da Unicap

teve a honra de sediar o 1º Encontro

Brasileiro de Fotografia em

Movimento - Movi ocorreu durante os

dias 30/06, 01 e 02/07.

O evento contou com a participação

de grandes nomes da direção de

fotografia brasileira. Apresentou

questões importantes para

o audiovisual. Vida longa ao

@movicinematografia e parabéns pela

organização de um evento

tão necessário.

117


aconteceu

Arte, técnica

e política

um encontro

para celebrar

a direção

de fotografia

por Julianna Nascimento

Torezani e Paulo Souza

Julianna Nascimento Torezani é

Mãe de Lis. Professora do Curso de

Comunicação Social da Universidade

Estadual de Santa Cruz (Uesc).

Professora do Curso de Psicologia da

Faculdade de Ilhéus. Professora do

MBA Cultura visual: fotografia e arte

latino-americana da Universidade

Católica de Pernambuco. Doutora em

Comunicação pela Universidade Federal

de Pernambuco. Mestra em Cultura e

Turismo e Bacharela em Comunicação

Social - Rádio e TV pela Uesc.

Paulo Souza dos Santos Júnior é

doutorando em Comunicação no

PPGCOM-UFPE. Professor da

Universidade Católica de Pernambuco

- Unicap. Mestre em Comunicação pelo

PPGCOM-UFPE (2018). Especialista

em Fotografia e Audiovisual pela

Unicap (2017). Graduado em

Fotografia também pela Unicap (2015).

Pesquisador, fotógrafo documental e

realizador audiovisual de Recife.

118


A estatueta do I Movi,

Encontro Brasileiro

de Fotografia em

Movimento

[Foto: Mariana Leão]

A Universidade Católica de

Pernambuco, por meio do Curso

Superior de Tecnologia em

Fotografia, realizou, entre os dias

30 de junho e 02 de julho de 2021,

o I Movi - Encontro Brasileiro de

Fotografia em Movimento, com

o tema “A direção de fotografia

no Brasil”. O evento reuniu

importantes nomes da fotografia

brasileira como Lauro Escorel,

Heloísa Passos, Beto Martins,

Patrícia de Filippi, Leonardo

Feliciano e Hernani Heffner;

realizou palestras, mesas temáticas,

lançamentos de livros, oficinas,

além de seminários temáticos em

sessões privadas que chegaram

a alcançar 80 espectadores

simultâneos. Foram mais de 300

inscrições, cerca de 40 trabalhos

submetidos e 25 textos a serem

publicados nos anais do evento.

As apresentações da noite foram

acompanhadas pelos intérpretes de

Libras da empresa InLibras para

dar maior acessibilidade ao evento.

Na noite de abertura foram feitas

três homenagens: a Antônio Leão

da Silva Neto (in memorian), pela

sua paixão, dedicação e seu legado

como escritor e colecionador de

filmes; ao diretor de fotografia

Fernando Duarte, pela contribuição

para a filmografia e direção de

fotografia no Brasil; e a Kátia

Coelho, pelas contribuições

históricas e acadêmicas na

cinematografia brasileira e foi

a primeira mulher a dirigir a

fotografia de um filme de longa

metragem no Brasil (Tônica

Dominante, dirigido por Lina

Chamie, em 2000). Para a família

de Antônio Leão, Fernando e Kátia

foram enviadas esculturas feitas

pelo artesão pernambucano Luiz

Benício. Os resultados parciais

podem ser conferidos no site no

seguinte endereço: https://www.

direcaodefotografia.com/movi.

O Movi foi pensado como

um espaço aberto ao

encontro do campo da

direção de fotografia

em geral. Assim,

trocamos informações a

respeito das demandas

e soluções do mercado

e da academia, ao

mesmo tempo em que

criamos dados para o

desenvolvimento das

mais diversas pesquisas.

Matheus Andrade

A noite de abertura contou

com a fundamental palestra do

pesquisador Hernani Heffner,

gerente da Cinemateca do Museu

de Arte Moderna (MAM) onde, por

duas décadas, atuou também como

conservador-chefe. Heffner refletiu

sobre a fotografia de cinema no

Brasil, seus percursos históricos

e tendências a partir de diversos

questionamentos.

Na segunda noite do Movi, Patrícia

de Filippi, que coordenou por 15

anos o laboratório de restauração

da Cinemateca Brasileira, e

Lauro Escorel, renomado diretor

da fotografia cinematográfica

brasileira, discutiram sobre

Restauração e Preservação das

Imagens em Movimento a partir

119


Homenageados:

Kátia Coelho [Foto: Kátia Coelho],

Fernando Duarte [Foto: Eraldo Peres/

Photo Agência] e Antônio Leão,

homenageado (in memorian) do Movi

[Foto: Laura Del Rey]

120

de suas experiências conjuntas

em restauros fundamentais para

a história do cinema brasileiro

como o filme São Bernardo, de

Leon Hirszman. Relatos sobre a

história, reflexões sobre memória,

preservação das mídias, implicações

do digital e políticas públicas, foram

alguns dos temas que permearam o

debate, que também refletiu sobre a

grave situação em que atualmente

se encontra Cinemateca Brasileira,

de portas fechadas para o público

há mais de um ano e gerida

diretamente pelo Governo Federal

desde julho de 2020.

A noite de encerramento do Movi

contou com a presença de uma

das mais virtuosas e importantes

diretoras de fotografia da história

de nosso país, Heloísa Passos,

que nos brindou com reflexões

sobre sua trajetória e sobre o fazer

fotográfico. A mesa redonda contou

com precisas contribuições dos

fotógrafos Beto Martins e Leonardo

Feliciano, que diretamente de seus

sets de filmagem, nos enviaram

contribuições para o debate sobre a

multiplicidade das luzes e rostos do

Brasil.

No Movi foram apresentados

artigos científicos, ensaios, críticas

cinematográficas, entrevistas, relatos

de experiência e vídeo-ensaio nas

oito sessões temáticas, que trataram

sobre fotografia em movimento,

cinematografia, construções de

sentidos e poesias pelas imagens,

estilo e forma da direção de

fotografia, técnica e linguagem

audiovisual, experiências com a

câmera e memórias audiovisuais.

O evento também ofertou duas

oficinas, uma ministrada pela

Que tipo de

história você está

construindo? Quais

são as premissas

da sua narrativa

histórica? E a gente

precisa rever essas

premissas, é preciso

um amplo debate

sobre a narrativa

histórica sobre

cinema no Brasil.

Hernani Heffner

O Movi é necessário

para debater o que

tem se desenvolvido

sobre a direção de

fotografia no Brasil,

ampliando essas

discussões através

de toda a troca

possibilitada pelo

evento. Foi muito

importante para

aprofundar meus

conhecimentos na

área, além de me

permitir entender

a amplitude dos

debates que podem

ser realizados no

âmbito da direção de

fotografia. As mesas

e os convidados

agregaram muito

e os trabalhos

apresentados foram

muito interessantes.

Lorena Borges


Palestra de abertura com Hernani Heffner,

mediada por Marina Tedesco.

Outro momento do Movi: Heloísa Passos fala

sobre luzes e rostos do Brasil, mediação de

Andrea C. Scansani

Eu quero muito agradecer

a esse encontro, porque

para mim é sempre

uma aprendizagem

poder estar junto de

pensadores. Agora com

a pandemia existe esse

intervalo e eu fiquei muito

nesse lugar organizando e

pensando a imagem, lendo

sobre, num mergulho das

imagens que eu fiz e das

imagens que eu sonho

em fazer. Eu tenho que

fechar essa mesa falando

das utopias, mesmo com

todas as tristezas que

nos assolam eu acho

que a gente consegue

seguir firmes, com pernas

firmes e coração leve,

para continuar criando e

fazendo filme e contando

história mesmo, nesse

Brasil tão intenso e tão

imenso e apaixonante, é

muito isso para mim.

Heloísa Passos

A gente vai descobrir um

buraco gigantesco, esses

10 anos (desde que os

trabalhos de restauro

foram interrompidos)

vão gerar um déficit de

restauração – que é o

que os produtores não

dimensionam, além das

autoridades – eu acho que

a situação é bem grave

e numa época que você

tem uma demanda por

conteúdo como você. [...]

A solicitação em cima da

Cinemateca nunca foi tão

grande na verdade para ela

fazer tudo que ela tem que

fazer e ela não tá podendo

fazer nada, tá fechada no

momento. Então eu tenho

uma visão muito triste e

pessimista sobre essa

situação.

Lauro Escorel

121


Lauro Escorel e Patrícia de Fillipi em palestra sobre Restauração e Preservação das Imagens em

Movimento com mediação de Rogério Luiz Oliveira

diretora de fotografia Taís Bardi

contou o processo criativo e

a narrativa visual na prática

através do vídeo “Bá”, com a

direção de Leandro Tadashi. A

outra intitulada “Ferramentas

avançadas da cinematografia

digital” foi ministrada pelo

diretor de fotografia André

Besen. Na sessão de lançamento

de livros, foi possível assistir a

apresentação das obras: Lições

de fotografia para fazer em

casa: técnicas, composição e

criatividade (Editora da UFPB,

2021), de Agda Aquino; Reflexões

sobre a cor (Martins Fontes,

2021), organizado por Marco

Giannotti, com a apresentação

de uma das autoras Fernanda

Riscali; e o lançamento do livro

Cinematografia, expressão e

pensamento vol.2 (Appris, 2021),

organizado por Cynthia Gomes

Calhado e Aline de Caldas Costa

que conta com textos elaborados

pelos pesquisadores do Grupo

Cinematografia, Expressão e

Pensamento.

O evento foi organizado pelos

integrantes do Grupo de Pesquisa

Cinematografia, Expressão

e Pensamento das seguintes

instituições: Universidade Federal

Fluminense (UFF), Universidade

Federal da Integração Latino

Americana (Unila), Universidade

Federal da Paraíba (UFPB),

Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC), Universidade

Federal do Oeste da Bahia (Ufob),

Universidade Estadual de Santa

Cruz (Uesc), Universidade de

Brasília (UnB), Universidade

Estadual do Sudoeste da Bahia

(Uesb), Universidade do Vale do

Rio dos Sinos (Unisinos) e Escola

Superior de Propaganda e Marketing

(ESPM). Já estamos em fase de

preparação do II Movi e contamos

com a participação de todos neste

evento, para mais uma vez analisar,

discutir e apresentar as ideias, as

lutas, as propostas, as questões

estéticas, os elementos técnicos, as

implicações políticas e as expressões

artísticas da direção da fotografia no

Brasil e no mundo.

O Movi cumpre um papel

singular ao estabelecer

uma conexão entre os

diferentes saberes

que constituem a

direção de fotografia.

Unindo a dinâmica do

mercado audiovisual

à sistematização do

ambiente acadêmico,

colabora com a

organização de um

campo de conhecimento

em processo de

consolidação. Além

disso, o evento acaba

divulgando de forma

organizada e atenta

muitas práticas

excepcionais que acabam

passando despercebidas

entre as infinitas obras

da área audiovisual.

Impulsionada pelos

procedimentos da

pesquisa, especialmente,

o evento propõe uma via

de mão dupla qualificada

nesse trânsito entre

realização e pensamento.

Rogério Luiz Oliveira

122


impressão

Qual é o melhor

papel Fine Art?

por Gustavo Bettini

Essa é uma pergunta que escuto

com bastante frequência. Afinal,

com tantas opções disponíveis e

preços muito distintos, a dúvida é

constante: será que os melhores são

mais caros, os de algodão são bons?

Geralmente, faço uma analogia

aos veículos de transporte. Qual

é o melhor: um Jeep 4x4 ou uma

Ferrari? Não é uma resposta exata.

Depende do que você pretende fazer

em ele. Qual o mais adequado pra

determinado uso?

Com os papéis é a mesma coisa.

Precisamos de mais pistas,

informações, sobre a obra, como

será montada, exposta, e também

de uma avaliação da imagem que vai

ser impressa para decidir o papel que

mais se adequa a ela, aquele que vai

potencializar o resultado final.

Podemos dividir os papéis por seus

acabamentos: foscos, semibrilhos

e brilhantes; com base em nas

matérias primas: Alphacelulose,

Algodão, Cânhamo, Bamboo...;

quanto aos tipos de texturas: liso,

texturas leves e grandes texturas;

e ainda em relação aos tons: mais

quentes ou mais frios...; de acordo

com o Gamut de cores (capacidade

de reprodução de cores do papel).

Enfim, a análise, caso a caso, é que

levará em conta o melhor papel para

cada trabalho. Uma escolha definida

pela imagem, autor e impressor.

123


homenagem

“caro

márcio,

Nem sempre a gente ganha. Mas a gente luta sempre. Nem

sempre a gente entende o tempo-sempre no tempo-presente.

De luta. A gente conjuga. A gente subjuga. A gente vem,

a gente vai, a gente luta. E reluta. É isso que a gente faz:

a gente crê. A gente pouco sabe com será. De onde vem. A

vida jabeia. A vida mata-leão. A vida e seus diretos. E seus

cruzados. A gente sabe da Indesejada das gentes, porque o

poeta Manuel já tinha falado. Cada coisa no seu lugar. No seu

sempre. No seu tempo. A gente chuta. A gente soca. A gente

quer mesmo é entender. Uns golpes a gente assimila. Outros,

demoram a sarar. Uns nem saram. Porém, quando menos se

espera, a gente tá de volta. A gente vem pra luta. De frente.

A gente baila. Salta. A gente se defende, não se defende? Ah,

a gente não entrega os pontos, não é assim? Não deixa barato.

E quando as luzes do ginásio se apagam, não é a gente

que fica? A gente fica, a gente fica. Quem pode mesmo com a

gente? Com a força que a gente tem? A gente não perde. Nem

nunca. A gente ganha. Por esperar. Por amar. Por nunca esquecer.

A gente cruza essa vida. A vida enovela. A gente desnovela.

A gente jabeia também, ora. A gente ora. A gente não

para. Se engana quem acha. A gente agacha. Ginga. A gente

passeia. No ringue. A vida ring-ring. A gente soa. A gente

sua. A gente passa. A gente atravessa. A gente-travessia.

Unicaphoto deu voz a estes personagens do ensaio de Márcio Novellino. Uma

homenagem ao fotógrafo nos deixou em 30 de junho deste 2021. Foi mais uma

vítima da Covid. E lutou-lutou-lutou até o fim. Até se apagarem as luzes. A Márcio

Novellino, nosso amigo, desejamos a única coisa que um fotógrafo sempre vai querer

por perto: Luz. A luz verdadeira. Você, lutador, merece. Hora dessas, a gente se vê

de novo. Na luta. Na paz. Na Luz. No amor. Que com tudo isso, a gente sempre

ganha. Na vida. É como dizem os lutadores, as lutadoras. E estão certos.

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Márcio Novellino

23/05/1976 - 30/06/2021

Luz



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