História, Arqueologia e Educação Museal: Patrimônio e Memórias

Organizadores: José Petrucio de Farias Junior / Ligia Terezinha Lopes Simonian / Ana Cristina Rocha Silva / Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus. Organizadores: José Petrucio de Farias Junior / Ligia Terezinha Lopes Simonian / Ana Cristina Rocha Silva / Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus.

norberto.arte
from norberto.arte More from this publisher
10.08.2021 Views

Ana Cristina Rocha SilvaAo combater esse avanço, as comunidades tradicionais do sul do estado romperamcom a dinâmica fundiária que impedia a posse e o usufruto de suas colocações, por meio dacriação do PAE Maracá. Logo, a conquista do assentamento de caráter agroextrativitsaconstitui elemento do embate histórico da população tradicional contra as mazelasperpetuadas pelo domínio do capitalismo na região. Ao propor a criação de áreas ambientaisespecíficas para o uso tradicional do território, os movimentos sociais do sul do Amapádemostraram a necessidade de políticas públicas para a viabilização conjunta do usosustentável da floresta e da justiça social.Eis que, tal ação, revela um movimento concatenado com o cenário nacional einternacional, em que as consequências do desenvolvimento fundado no economicismopassam a ser questionadas. Logo, a criação do PAE Maracá está contida em dinâmicasglobais-locais/locais-globais (APPADURAI, 2002) assentadas na ideia de desenvolvimentosustentável. Embora tenha ganhado projeção nacional (ALLEGRETTI, 2002), essa trajetória deluta é pouco conhecida.De tal modo, quase sempre, quando abordada em espaços museais tradicionais, a áreado vale do rio Maracá é destacada apenas pela cultura material dos seus sítios arqueológicos. Arealidade social e ambiental das populações situadas sobre ou ao redor desses sítios é ignorada,como se eles fossem a-históricos e, no decorrer dos tempos, não tivessem elo algum com osprocessos em sua volta. Destarte, o destaque para a historicidade da luta dos movimentos sociaislocais há de manifestar os modos de vida da população local e mostrar que, até os dias atuais,tais modos têm sido ameaçados por interesses da estrutura capitalista tradicional 11 .11Inclusive, por conta desses interesses, cinco comunidades cobram uma nova situação fundiária parasuas áreas, são elas: Conceição do Maracá, Mari, Joaquina, Fortaleza e Laranjal do Maracá. Ao temera invasão do agronegócio e da exploração madeireira em seus territórios, desde 2012, essascomunidades lutam pelo reconhecimento da área como sendo de remanescentes de quilombo. A lutajustifica-se não apenas pela trajetória histórica do lugar, associada à transferência da população daMazagão africana para a Nova Mazagão, no século XVIII, como também pela necessidade de umasituação fundiária mais segura, em face das investidas de grupos empresariais externos para aexploração madeireira e para o ingresso da cultura da soja, no âmbito do PAE Maracá. Em 2013, aFundação Cultural Palmares reconheceu a legitimidade da área requerida como sendo deremanescentes quilombolas. Em 2019, o laudo antropológico foi concluído e, desde então, o processo524

Patrimônio arqueológico e desenvolvimento no PAE Maracá-AP: contribuições...Uma vez explorados em ambiente museal, os hábitos, costumes, tradições e crençasdessa população tradicional revelará o vínculo indissociável entre natureza e cultura, demaneira a expor a incompatibilidade entre a lógica capitalista e a sua dignidade. Assim, opróprio museu se torna instrumento de resistência frente ao sistema capitalista estruturante.Imerso nesse contexto, se fará entender que o patrimônio arqueológico não está dissociadodos fenômenos sociais do presente (CASTAÑEDA, 2008). Desse modo, no Maracá, o museuhá de ser elemento conscientizador da inviabilidade da preservação do patrimônioarqueológico sem a preservação do meio ambiente e dos modos de vida locais.Por fim, considerando o abandono dos sítios arqueológicos, a negligência do Estadopara com a realidade agroextrativista do território e a vulnerabilidade social, econômica eambiental das comunidades, a efetivação de uma proposta de museu integrado haverá depossibilitar a sustentabilidade dos sítios e da população local. Isso é possível por meio dagestão compartilhada, estratégia definida por Pardi (2002) como um conjunto de açõesdesenvolvidas por vários atores, cuja junção de esforços vislumbra identificar, promover epreservar aquilo que se entende como a produção documental dos povos antigos.Associada à proposta de museu integrado, por certo a gestão compartilhada facilita oenvolvimento de grupos locais. Asim, não se limitando a abordar o passado, o museu estarápróximo da realidade e das demandas da sociedade, de modo a propor reflexões amplas arespeito das relações entre homem, meio ambiente e território. Eis que, dessa maneira, omuseu se alinha à ciência do concreto (LÉVI-STRAUSS, 1976) e soma para o alcance daefetividade do paradigma participacionista (CANCLINI, 1994), em direção ao uso social dopatrimônio cultural.segue no INCRA para fins da titulação definitiva. Ao ter-se em vista a trajetória de luta das populaçõestradicionais da região, esse processo é mais um capítulo da luta dos movimentos sociais locais pelodireito de uso do território em conformidade com sua cultura.525

Ana Cristina Rocha Silva

Ao combater esse avanço, as comunidades tradicionais do sul do estado romperam

com a dinâmica fundiária que impedia a posse e o usufruto de suas colocações, por meio da

criação do PAE Maracá. Logo, a conquista do assentamento de caráter agroextrativitsa

constitui elemento do embate histórico da população tradicional contra as mazelas

perpetuadas pelo domínio do capitalismo na região. Ao propor a criação de áreas ambientais

específicas para o uso tradicional do território, os movimentos sociais do sul do Amapá

demostraram a necessidade de políticas públicas para a viabilização conjunta do uso

sustentável da floresta e da justiça social.

Eis que, tal ação, revela um movimento concatenado com o cenário nacional e

internacional, em que as consequências do desenvolvimento fundado no economicismo

passam a ser questionadas. Logo, a criação do PAE Maracá está contida em dinâmicas

globais-locais/locais-globais (APPADURAI, 2002) assentadas na ideia de desenvolvimento

sustentável. Embora tenha ganhado projeção nacional (ALLEGRETTI, 2002), essa trajetória de

luta é pouco conhecida.

De tal modo, quase sempre, quando abordada em espaços museais tradicionais, a área

do vale do rio Maracá é destacada apenas pela cultura material dos seus sítios arqueológicos. A

realidade social e ambiental das populações situadas sobre ou ao redor desses sítios é ignorada,

como se eles fossem a-históricos e, no decorrer dos tempos, não tivessem elo algum com os

processos em sua volta. Destarte, o destaque para a historicidade da luta dos movimentos sociais

locais há de manifestar os modos de vida da população local e mostrar que, até os dias atuais,

tais modos têm sido ameaçados por interesses da estrutura capitalista tradicional 11 .

11

Inclusive, por conta desses interesses, cinco comunidades cobram uma nova situação fundiária para

suas áreas, são elas: Conceição do Maracá, Mari, Joaquina, Fortaleza e Laranjal do Maracá. Ao temer

a invasão do agronegócio e da exploração madeireira em seus territórios, desde 2012, essas

comunidades lutam pelo reconhecimento da área como sendo de remanescentes de quilombo. A luta

justifica-se não apenas pela trajetória histórica do lugar, associada à transferência da população da

Mazagão africana para a Nova Mazagão, no século XVIII, como também pela necessidade de uma

situação fundiária mais segura, em face das investidas de grupos empresariais externos para a

exploração madeireira e para o ingresso da cultura da soja, no âmbito do PAE Maracá. Em 2013, a

Fundação Cultural Palmares reconheceu a legitimidade da área requerida como sendo de

remanescentes quilombolas. Em 2019, o laudo antropológico foi concluído e, desde então, o processo

524

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!