História, Arqueologia e Educação Museal: Patrimônio e Memórias
Organizadores: José Petrucio de Farias Junior / Ligia Terezinha Lopes Simonian / Ana Cristina Rocha Silva / Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus. Organizadores: José Petrucio de Farias Junior / Ligia Terezinha Lopes Simonian / Ana Cristina Rocha Silva / Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus.
Ana Cristina Rocha Silvapatrimônio arqueológico. Apesar disso, tal como assevera Bezerra (2017), ao invés deproblematizar as relações entre as pessoas e a materialidade arqueológica, o discursoautorizado de patrimônio prefere normatizá-las.Adiante, o relato de Maria Divina Videira de Jesus (Imagem 6) exemplifica esseprocesso. Com 89 anos, ela é a moradora mais idosa da comunidade Conceição do Maracá.Desde criança, ela diz encontrar peças de barro, durante a rotina na floresta.Imagem 6 - Maria Divina Videira de Jesus, 89 anos, moradora mais idosa dacomunidade Conceição do MaracáFoto: Ana Cristina Rocha Silva, 2019.No entanto, em face da legislação que rege o manejo do patrimônio arqueológico, essaampla experiência junto a esses objetos é desqualificada. Eis sua fala:[...] uma vez, minha mana, eu levei uma dessas peça de barro lá pra Macapá,naquela feira de artesanato que fica perto da Fortaleza [...]. Como a genteachava aquilo aos monte, eu peguei e levei. Hum, pra quê eu fui fazer isso!?Chegou lá ainda me fizeram foi medo! Me disseram: “– Olha, isso aqui, essascoisas que tá debaixo da terra isso é do governo federal. A senhora não pode514
Patrimônio arqueológico e desenvolvimento no PAE Maracá-AP: contribuições...mexer. Agora essas peça vão ficar aqui e isso vai pro museu”. Minha mana, eusaí de lá [...] sem peça, sem nada. Mas o jeito que falaram aquilo me doeutanto, minha filha. Parecia que eu tinha roubado alguma coisa. Nunca na minhavida eu roubei nada. Eu cresci vendo aquelas coisa nessa terra. Eu, minha mãe,meus irmão, até meus filho, todos nós achava essas peças, quando nós tavano mato [...]. A gente cresceu com essas coisa, mas mesmo assim fizeram issocomigo lá pra Macapá. Pois eu vim embora e nunca mais quis saber de ir nessenegócio de artesanato de tanta vergonha que eu fiquei. Depois disso veio essepessoal desse museu e tirou tudinho e levou embora. Eles chegam, minhafilha, e não pedem nem permissão [...] E as pessoas pensam que quem achoufoi eles. Mas não, minha filha, quem acha tudo somos nós [...] (DIVINA, 2019,entrevista).Por meio do relato de Maria Divina, vê-se que, mesmo possuindo uma vida inteirasobre ou no entorno de sítios arqueológicos, os afetos, os significados e as relações daspessoas junto aos objetos do passado são desqualificados. Essa desqualificação se dá emnome de uma lógica preservacionista que, na prática, atribui valor intrínseco a esses objetose restringe o seu manejo aos profissionais da ciência. Neste ponto, há de destacar-se que, noBrasil, os bens arqueológicos são bens públicos da União, inalienáveis, imprescritíveis e cujaproteção é qualificada (MIRANDA, 2006; SOARES, 2007).Ademais, na condição de bem ambiental, o patrimônio arqueológico é tratado comoum direito fundamental difuso. Isso obriga o Estado a assegurar sua proteção e efetividade(CUNHA FILHO; RABELO, 2018. SOARES; FARIAS, 2018). Para tanto, no país, a gestão dosbens arqueológicos é realizada por meio de um sistema de cogestão que envolve o IPHAN,arqueólogos, instituições de guarda, dentre outros.Consonante com esse aparato protetivo, no PAE Maracá, a dinâmica preservacionistacentralizada na figura do Estado prioriza a preservação dos objetos do passado e coloca aspessoas em segundo plano. Eis que, assim, se resguarda a materialidade dos artefatosarqueológicos, em detrimento das imaterialidades que eles evocam. Nessa lógica, ignoramseos processos e as contradições sociais.515
- Page 464 and 465: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 466 and 467: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 468 and 469: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 470 and 471: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 472 and 473: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 474 and 475: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 476 and 477: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 478 and 479: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 480 and 481: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 482 and 483: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 484 and 485: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 486 and 487: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 488 and 489: Avelino Gambim Júnior, Jelly Julia
- Page 490 and 491: PARTE 3Patrimônio: Pesquisa, Memó
- Page 492 and 493: Ana Cristina Rocha SilvaNão se lim
- Page 494 and 495: Ana Cristina Rocha SilvaAo ter-se e
- Page 496 and 497: Ana Cristina Rocha SilvaTrajetória
- Page 498 and 499: Ana Cristina Rocha SilvaA princípi
- Page 500 and 501: Ana Cristina Rocha Silvados fundado
- Page 502 and 503: Ana Cristina Rocha Silvasuperior, e
- Page 504 and 505: Ana Cristina Rocha SilvaImagem 2 -
- Page 506 and 507: Ana Cristina Rocha SilvaMapa 2 - Co
- Page 508 and 509: Ana Cristina Rocha Silvapontual dos
- Page 510 and 511: Ana Cristina Rocha Silvaarqueológi
- Page 512 and 513: Ana Cristina Rocha SilvaAo consider
- Page 516 and 517: Ana Cristina Rocha SilvaO abandono
- Page 518 and 519: Ana Cristina Rocha Silvaofertar o E
- Page 520 and 521: Ana Cristina Rocha Silvade sustenta
- Page 522 and 523: Ana Cristina Rocha Silvados sítios
- Page 524 and 525: Ana Cristina Rocha SilvaAo combater
- Page 526 and 527: Ana Cristina Rocha SilvaConsideraç
- Page 528 and 529: Ana Cristina Rocha Silvade um proje
- Page 530 and 531: Ana Cristina Rocha SilvaCHUVA, M. P
- Page 532 and 533: Ana Cristina Rocha SilvaMEGGERS, B.
- Page 534 and 535: Ana Cristina Rocha SilvaSIMONIAN, L
- Page 536 and 537: Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, Reja
- Page 538 and 539: Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, Reja
- Page 540 and 541: Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, Reja
- Page 542 and 543: Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, Reja
- Page 544 and 545: Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, Reja
- Page 546 and 547: Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, Reja
- Page 548 and 549: Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, Reja
- Page 550 and 551: Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, Reja
- Page 552 and 553: Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, Reja
- Page 554 and 555: Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, Reja
- Page 556 and 557: Júlia Constança Pereira CamêloNo
- Page 558 and 559: Júlia Constança Pereira Camêlone
- Page 560 and 561: Júlia Constança Pereira Camêlopr
- Page 562 and 563: Júlia Constança Pereira Camêloem
Patrimônio arqueológico e desenvolvimento no PAE Maracá-AP: contribuições...
mexer. Agora essas peça vão ficar aqui e isso vai pro museu”. Minha mana, eu
saí de lá [...] sem peça, sem nada. Mas o jeito que falaram aquilo me doeu
tanto, minha filha. Parecia que eu tinha roubado alguma coisa. Nunca na minha
vida eu roubei nada. Eu cresci vendo aquelas coisa nessa terra. Eu, minha mãe,
meus irmão, até meus filho, todos nós achava essas peças, quando nós tava
no mato [...]. A gente cresceu com essas coisa, mas mesmo assim fizeram isso
comigo lá pra Macapá. Pois eu vim embora e nunca mais quis saber de ir nesse
negócio de artesanato de tanta vergonha que eu fiquei. Depois disso veio esse
pessoal desse museu e tirou tudinho e levou embora. Eles chegam, minha
filha, e não pedem nem permissão [...] E as pessoas pensam que quem achou
foi eles. Mas não, minha filha, quem acha tudo somos nós [...] (DIVINA, 2019,
entrevista).
Por meio do relato de Maria Divina, vê-se que, mesmo possuindo uma vida inteira
sobre ou no entorno de sítios arqueológicos, os afetos, os significados e as relações das
pessoas junto aos objetos do passado são desqualificados. Essa desqualificação se dá em
nome de uma lógica preservacionista que, na prática, atribui valor intrínseco a esses objetos
e restringe o seu manejo aos profissionais da ciência. Neste ponto, há de destacar-se que, no
Brasil, os bens arqueológicos são bens públicos da União, inalienáveis, imprescritíveis e cuja
proteção é qualificada (MIRANDA, 2006; SOARES, 2007).
Ademais, na condição de bem ambiental, o patrimônio arqueológico é tratado como
um direito fundamental difuso. Isso obriga o Estado a assegurar sua proteção e efetividade
(CUNHA FILHO; RABELO, 2018. SOARES; FARIAS, 2018). Para tanto, no país, a gestão dos
bens arqueológicos é realizada por meio de um sistema de cogestão que envolve o IPHAN,
arqueólogos, instituições de guarda, dentre outros.
Consonante com esse aparato protetivo, no PAE Maracá, a dinâmica preservacionista
centralizada na figura do Estado prioriza a preservação dos objetos do passado e coloca as
pessoas em segundo plano. Eis que, assim, se resguarda a materialidade dos artefatos
arqueológicos, em detrimento das imaterialidades que eles evocam. Nessa lógica, ignoramse
os processos e as contradições sociais.
515