História, Arqueologia e Educação Museal: Patrimônio e Memórias

Organizadores: José Petrucio de Farias Junior / Ligia Terezinha Lopes Simonian / Ana Cristina Rocha Silva / Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus. Organizadores: José Petrucio de Farias Junior / Ligia Terezinha Lopes Simonian / Ana Cristina Rocha Silva / Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus.

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Diogo Jorge de Melo, Renata Croner Giquel da Silvasignificância dentro do contexto da civilização egípcia, mas que ganhou notoriedade musealpor sua tumba ter sido descoberta sem violação, isto é, não foi saqueada e destruída porladrões. Este faraó menino se tornou uma espécie de “garoto propaganda” da cultura egípcia(EINAUDI, 2009). Algo que de certo ponto acabou acontecendo com a Dama de Cao.No entanto, ainda é de destacar-se que a Dama de Cao se difere de diversas outrasmúmias encontradas, por possuir diversas representações simbólicas, que a tornam singular.Não só por ter sido uma mulher de prestígio ou destaque social, mas principalmente por ser umcorpo feminino que exerceu uma função de poder no período pré-colombiano e que hoje podeser assimilado como uma base estrutural para discursos de empoderamento junto dasconcepções decoloniais e feministas. No entendimento de Sousa (2010), é de lembrar-se que seulugar social não era uma dissimulação de seu sexo, com por exemplo, sabe-se que aconteceucom Hatshepsut, a mulher faraó do Egito antigo.Neste ponto, é de se lembrar das múmias dos “Niños de Llullaillaco” encontrados naregião de Salta na Argentina. Segundo Cosmai et al. (2013), estas múmias foram encontradasna expedição de Llullaillaco em 1999, que no dia 17 de março encontrou o corpo de “El Niño”e “La Doncella” e dois dias depois “La Niña del Rayo”. Junto a esses corpos foramencontradas réplicas pequenas de objetos do uso cotidiano, cocares de plumas e arranjostêxteis, dentre outros objetos. Eles têm sido considerados mensageiros dos deuses e os sereshumanos que estiveram mais próximos do Deus Sol.Sabe-se que cinco anos depois deste achado se iniciou a exibição ao público destasmúmias no Museo de Alta Montaña na cidade de Salta, criado especificamente para esteachado arqueológico, como o caso do Museo Cao. No entanto, neste processo existiramconflitos mais explícitos, pois a retirada dos niños de Llullaillaco foi considerada umaprofanação de um lugar sagrado e destas múmias. Isso porque para os povos tradicionais daregião elas não se encontravam mortas e sim em um estado de hibernação.Logo, este processo para Cosmai et al. (2013) se caracterizou por uma musealizaçãoque se estabeleceu primordialmente por seu víeis econômico produtivista, atrelado apossibilidade de melhoramento turístico da região. Ainda, não teve a participação da180

Decolonialismo e feminismo a partir da musealização da Dama de Caopopulação dos povos originários. Processo esse que parece ter ocorrido de maneira diferentecom a Dama de Cao, já que sabemos que na sua retirada do sepultamento teve a participaçãoda população local, que realizou ritos religiosos, colocando-a em um status de santidade,inclusive com direito a uma procissão.Com base em Simone de Beauvoir (1970), que argumentou que “[...] ninguém nascemulher, mas se torna uma [...]”, trazemos a Dama de Cao de encontro com essa diretriz, quetambém ajuda a pensar seus contextos sociais, culturais, temporais e principalmentemuseais. Como entende-se que ela se tornou algo além do “ser mulher”, função que exerceuem seu contexto de vida, mas sabemos que ela também se tornou uma museália. Fato queabriu modos novos para esta compreensão do “ser mulher”, posta na contemporaneidadepelas instâncias simbólicas que a cercam, principalmente as vinculadas as identidadesfemininas locais.Deste modo, seu corpo é um testemunho de um tempo onde existiam outras relaçõesepistêmicas de compreensão de mundo. Também, mostra que existiram outros lugares paramulheres, foras de instâncias altamente machistas que as impedem atualmente de chegaremem lugares de poder. Consequentemente e simbolicamente, seu corpo se põe nesse sentidoem uma interposição entre “ser mulher” no período Mochica e ser um elemento que contribuidiretamente para as representações do feminino e de suas militâncias na contemporaneidade.Ao fundirem-se questões de identidades entre passado e presente, onde seu corpo esua representação simbólica podem ser um instrumento de transformações sociais.Principalmente, se apropriado pelo feminismo e movimentos sociais das mulheres indígenasdas cercanias de Magdalena de Cao, que estão de algum modo representadas nos painéisfotográficos espalhados pela cidade. Também, por se constituir em uma dinâmica que sereconhece como uma possibilidade de giro decolonial, que se contrapõe a uma colonialidadedo poder, onde os valores eurocêntricos são reafirmados.181

Decolonialismo e feminismo a partir da musealização da Dama de Cao

população dos povos originários. Processo esse que parece ter ocorrido de maneira diferente

com a Dama de Cao, já que sabemos que na sua retirada do sepultamento teve a participação

da população local, que realizou ritos religiosos, colocando-a em um status de santidade,

inclusive com direito a uma procissão.

Com base em Simone de Beauvoir (1970), que argumentou que “[...] ninguém nasce

mulher, mas se torna uma [...]”, trazemos a Dama de Cao de encontro com essa diretriz, que

também ajuda a pensar seus contextos sociais, culturais, temporais e principalmente

museais. Como entende-se que ela se tornou algo além do “ser mulher”, função que exerceu

em seu contexto de vida, mas sabemos que ela também se tornou uma museália. Fato que

abriu modos novos para esta compreensão do “ser mulher”, posta na contemporaneidade

pelas instâncias simbólicas que a cercam, principalmente as vinculadas as identidades

femininas locais.

Deste modo, seu corpo é um testemunho de um tempo onde existiam outras relações

epistêmicas de compreensão de mundo. Também, mostra que existiram outros lugares para

mulheres, foras de instâncias altamente machistas que as impedem atualmente de chegarem

em lugares de poder. Consequentemente e simbolicamente, seu corpo se põe nesse sentido

em uma interposição entre “ser mulher” no período Mochica e ser um elemento que contribui

diretamente para as representações do feminino e de suas militâncias na contemporaneidade.

Ao fundirem-se questões de identidades entre passado e presente, onde seu corpo e

sua representação simbólica podem ser um instrumento de transformações sociais.

Principalmente, se apropriado pelo feminismo e movimentos sociais das mulheres indígenas

das cercanias de Magdalena de Cao, que estão de algum modo representadas nos painéis

fotográficos espalhados pela cidade. Também, por se constituir em uma dinâmica que se

reconhece como uma possibilidade de giro decolonial, que se contrapõe a uma colonialidade

do poder, onde os valores eurocêntricos são reafirmados.

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