História, Arqueologia e Educação Museal: Patrimônio e Memórias

Organizadores: José Petrucio de Farias Junior / Ligia Terezinha Lopes Simonian / Ana Cristina Rocha Silva / Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus. Organizadores: José Petrucio de Farias Junior / Ligia Terezinha Lopes Simonian / Ana Cristina Rocha Silva / Yuri Givago Alhadef Sampaio Mateus.

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Tadeu Lopes MachadoConstituição Federal de 1988. Contudo, o que se observa na realidade das escolas indígenasé algo bem distante do direito garantido.De acordo com Gersem Luciano (2013), a escola indígena enfrenta vários desafios paramanter-se de pé, a saber: i) recursos e investimentos insuficientes; ii) projeto de escolapautado na perspectiva dos projetos de escolas não-indígenas; iii) falta de estrutura mínima,em alguns casos. Conforme o autor, isso tudo indica que a escola indígena não tem sidolevada a sério pelos poderes públicos. Assim, ela tem se mantido como uma “política de fazde conta”, mesmo considerando os pequenos avanços na década de atuação de governosditos progressistas.Importa destacar que não podemos cair na armadilha de considerar apenas um projetode educação para todos os povos indígenas do Brasil. É necessário que se coloque emevidência que cada povo tem seus mecanismos de organização e dispõe de formasdiferenciadas de lidar com a escola em seu território. Portanto, é necessário entender quecada povo percebe de maneira diferenciada a presença da escola, e reivindica esse espaçoconforme suas próprias perspectivas do presente, do passado e de futuro.Na aldeia Kumenê a educação escolar é aceita pelos indígenas a partir de suavinculação com a missão protestante do Summer Institute of Linguistics (SIL), instalada emseu território na década de 1960. Até então, os Palikur não aceitavam a escolarização ofertadapelas instituições estatais. A partir de 1960, a escola passa a se fazer presente na aldeia e,desde então, é reconhecida como um espaço de novas aprendizagens e de reflexão dospróprios conhecimentos indígenas.Atualmente, a permanência e manutenção da escola na aldeia é reivindicada pelospróprios indígenas e a responsabilidade de sua gestão fica a cargo do Governo do Estado doAmapá. Com o passar dos anos, desde sua introdução pelos missionários do SIL, a escola,portanto, foi ressignificada pelos Palikur, que perceberam a importância de mantê-la em seumeio para garantir o alcance de alguns objetivos seus. Como informa Gedael LabontêMartins, cacique da aldeia Kumenê, um desses objetivos é o acesso aos saberes econhecimentos do mundo dos brancos.152

O museu vai à aldeia: desafios e possibilidades de educação museal na escola indígenaAcho muito importante nossos jovens e crianças aprenderem as coisas dosbrancos, aprender a ler, a escrever, a falar bem o português, a matemática, ahistória dos brancos, o conhecimento de geografia, ciências. São coisas queprecisamos saber para poder lidar com os brancos, porque a gente não viveisolado, a gente fica sempre indo na cidade, negociando nossa farinha, indono banco, e aí se a gente não souber de nada dos brancos vamos sempre serconsiderados tipo como uma criança, que é enganada. E muitos brancospensam que a gente indígena não tem capacidade de aprender as coisas deles.É claro que nós temos capacidade. Mas para isso precisamos de uma escolaque realmente nos ajude, nos ensine de verdade (Gedael Labontê Martins –Cacique da aldeia Kumenê. Comunicação pessoal, 2020).Esse trecho do depoimento do cacique Gedael deixa claro o que os indígenas Palikuresperam da escola existente em sua aldeia há décadas. Ademais, o depoimento aponta quea escola não está garantindo a efetivação de um ensino com qualidade, que contemple oaprendizado referente aos conhecimentos de outros povos e de outras tradições. Essa é arazão prática de existir da escola indígena para os Palikur. No depoimento adiante, um outroelemento também é apontado como finalidade da educação escolar dentro da aldeia Kumenê:Para nós é importante o conhecimento que os brancos nos transmitem naescola, mas também é importante para nós que a escola esteja aliada aosnossos projetos, aquilo que interessa para nós, pois nossa cultura éimportante, nossa língua é importante, nossa forma de vida é importantetambém. Então a escola tem que reconhecer que somos indígenas eprecisamos também valorizar nossa história, nosso povo. (Senhor MateusEmílio – Morador da aldeia Kumenê, Comunicação pessoal, 2020).Como se vê, o relato do senhor Mateus reivindica a valorização da cultura indígena,por meio de uma educação escolar capaz de viabilizar esforços para que os mais novospercebam a importância de sua cultura, de sua língua materna, de suas cosmologias. Ao terseem vista a fala do interlocutor, um dos papéis da escola é a apreensão e valorização dacultura indígena.Para Luciano (2013, p. 24), o modo de vida moderno passou a ser concebido pelospovos indígenas como algo desejável, como“[...] referência preferencial para construir seus projetos presentes e futuros debem viver”. Segundo o autor, a escola é um dos instrumentos que podegarantir esse objetivo dos povos indígenas. Porém, isso não implica dizer que153

O museu vai à aldeia: desafios e possibilidades de educação museal na escola indígena

Acho muito importante nossos jovens e crianças aprenderem as coisas dos

brancos, aprender a ler, a escrever, a falar bem o português, a matemática, a

história dos brancos, o conhecimento de geografia, ciências. São coisas que

precisamos saber para poder lidar com os brancos, porque a gente não vive

isolado, a gente fica sempre indo na cidade, negociando nossa farinha, indo

no banco, e aí se a gente não souber de nada dos brancos vamos sempre ser

considerados tipo como uma criança, que é enganada. E muitos brancos

pensam que a gente indígena não tem capacidade de aprender as coisas deles.

É claro que nós temos capacidade. Mas para isso precisamos de uma escola

que realmente nos ajude, nos ensine de verdade (Gedael Labontê Martins –

Cacique da aldeia Kumenê. Comunicação pessoal, 2020).

Esse trecho do depoimento do cacique Gedael deixa claro o que os indígenas Palikur

esperam da escola existente em sua aldeia há décadas. Ademais, o depoimento aponta que

a escola não está garantindo a efetivação de um ensino com qualidade, que contemple o

aprendizado referente aos conhecimentos de outros povos e de outras tradições. Essa é a

razão prática de existir da escola indígena para os Palikur. No depoimento adiante, um outro

elemento também é apontado como finalidade da educação escolar dentro da aldeia Kumenê:

Para nós é importante o conhecimento que os brancos nos transmitem na

escola, mas também é importante para nós que a escola esteja aliada aos

nossos projetos, aquilo que interessa para nós, pois nossa cultura é

importante, nossa língua é importante, nossa forma de vida é importante

também. Então a escola tem que reconhecer que somos indígenas e

precisamos também valorizar nossa história, nosso povo. (Senhor Mateus

Emílio – Morador da aldeia Kumenê, Comunicação pessoal, 2020).

Como se vê, o relato do senhor Mateus reivindica a valorização da cultura indígena,

por meio de uma educação escolar capaz de viabilizar esforços para que os mais novos

percebam a importância de sua cultura, de sua língua materna, de suas cosmologias. Ao terse

em vista a fala do interlocutor, um dos papéis da escola é a apreensão e valorização da

cultura indígena.

Para Luciano (2013, p. 24), o modo de vida moderno passou a ser concebido pelos

povos indígenas como algo desejável, como

“[...] referência preferencial para construir seus projetos presentes e futuros de

bem viver”. Segundo o autor, a escola é um dos instrumentos que pode

garantir esse objetivo dos povos indígenas. Porém, isso não implica dizer que

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