Edição de Julho e Agosto 2021
Edição de Julho e Agosto 2021 Nºs 277 e 278
Edição de Julho e Agosto 2021
Nºs 277 e 278
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Saloia da Malveira
CULTURA
V ALICE VIEIRA (*) - (***)
uerido neto
Para mim, saloia da
Malveira só há uma, a
Beatriz Costa e mais nenhuma.
A primeira vez que vi a Beatriz Costa,
eu tinha seis anos e ela entrava numa
revista do Parque Mayer. Eu adorava
vê-la, batia muitas
palmas, saltava na
cadeira a rir—mas
do que eu gostava
mais era quando a
revista acabava, a
cortina caía, e ela
aparecia de lado,
por detrás da
cortina, com um
penteado igual
ao meu, a acenar
com a mão e a dizer
“adeus, meninos,
até amanhã!”
Até porque eu
pensava que aquele
“adeus, meninos”
era para nós,
a miudagem que
assistia ao espectáculo.
Depois ela desapareceu
dos palcos
e eu nunca
mais me lembrei
dela.
Até um dia, princípio
dos anos 70,
em que eu estava nos Armazéns do
Chiado com a minha filha pequenina.
A Catarina nem era muito de birras
mas, naquele dia, embicou que queria
que eu lhe comprasse uma boneca
que estava numa das lojas. Eu disse-
-lhe que não, tentei sairmos daquela
loja, mas ela não arredava pé, berrava,
berrava, que queria a boneca. Eu
já não sabia o que fazer da minha via
quando, de repente, vejo aparecer a
Beatriz Costa, ali a fazer compras.
Chega-se junto de nós e disse:
“Coitadinha da menina! Quer aquela
boneca, quer? Então eu dou-lhe a
boneca!”
Eu ainda disse que não, que ela tinha
de aprender que não podia ter tudo o
que queria, mas ela não desistia:
“Coitadinha da menina! Como te chamas?
Catarina? O´Catarininha, anda
comigo que eu dou-te a boneca!”
E lá foram as duas.
A minha filha ainda hoje tem essa boneca.
E, algum tempo depois, o jornal
mandou-me fazer uma entrevista à
Beatriz Costa. Fui ao Hotel Tivoli, e
lá ficámos na conversa uma data de
tempo, como duas velhas amigas.
E não, não foi ela que optou por viver
no Hotel Tivoli, como dizes. Um
grande amigo dela, uma pessoa muito
conhecida, de que não vou dizer o
nome mas a quem ela sempre chamou,
mesmo durante as nossas conversas,
o “Sr. Almirante” ( e não, não era o
Almirante Américo Tomás! Nem para
isso ele tinha jeito..,)—que lhe pagou
a estadia naquele hotel, com tudo incluído,
como se fosse mesmo a sua
casa, até ao fim da sua vida.
O quarto não era muito grande e por
isso, de vez em quando, uma das sobrinhas
dela ia lá buscar uma data de
coisas--livros, joias, prendas que lhe
ofereciam, para o quarto ficar com
um pouco mais de espaço. Tudo isso
deve estar hoje no Museu.
Às vezes apareciam pessoas lá no hotel
para a verem. Mas o empregado
da recepção sabia muito bem aquelas
com quem ela queria estar, e aquelas
com quem não queria. E às vezes ela
podia ser muito malcriada para aqueles
de quem ela não gostava e que
(*) Os autores escrevem segundo o Acordo Ortográfico
(**) Jornalista - (***) Jornalista e Escritora
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interrompiam a sua leitura, ou o seu
descanso.
Eu tinha sempre entrada mas, mesmo
assim, antes de sair do jornal e ir passar
o resto da tarde com ela, ligava-
-lhe primeiro. Sentávamo-nos sempre
ao fundo do bar, donde se podia ver o
salão inteiro.
Fiz-lhe muitas entrevistas, nem sei
quantas. E ela fazia sempre uma coisa
que mais ninguém fazia (e que eu
aprendi com ela): ligava-me para o
jornal a dizer que tinha gostado muito,
e escrevia um cartão ao director a
dizer que aquela tinha sido uma grande
entrevista e que a pessoa que a tinha
feito era uma grande jornalista.
Lia muito (lia todos os meus livros
e dava-me a sua opinião) e escrevia
muito bem. Era muito amiga do Jorge
Amado e da Zélia Gattai (amigos que
herdei dela), e dava-se com grandes
escritores, pintores, etc )
Até que em 1975 decidiu escrever um
livro de memórias :“Sem Papas na
Língua”, a que se seguiram mais quatro
: “Quando os Vascos eram Santanas”
(1977) ,“Mulheres sem Fronteiras”
(1981), “Nos Cornos da Vida”
(1984), e “Eles e Eu “ (1990)
Nunca se esqueceu do dia dos meus
anos, nem do dia dos anos do meu
marido e dos meus filhos. Escrevia-
-nos muitos postais donde quer que
estivesse—e no dia do casamento do
meu filho mandou-lhe uma lindíssima
colcha de crochet.
Pronto, aí tens a história da verdadeira,
da única, da genuína Saloia da
Malveira.
Já sabes quendo serás vacinado?
Bjs
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