Edição de Julho e Agosto 2021
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Nºs 277 e 278
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CRÓNICADuas lindas e verdadeirashistórias de supermercados© horjaraul© PexelsCOSTA GUIMARÃES (*)1Foramos dois namoradosou similares aosupermercado.Efectuadas as compras desejadas, eledisse-lhe:— vamos pagar ali nas caixas automáticas;Mas ela foi clara no recado:— aí não, nunca, porque estás a contribuirpara que quatro ou cinco rapazese raparigas das caixas deixem deter um posto de trabalho, ajuda paraos seus estudos e realizar os seus sonhos.Eu estava na fila para as caixas, ouvie pensei comigo: que bem pensa estarapariga de cabelo rapado nos parietais(das orelhas até meio da cabeça).Ele escutou, com a sua t-shirt de basquetebole ela com um top onde seviam várias tatuagens estilho “metálico”em várias partes do corpo, semdesprimor. Sem desprimor, sim, porqueestas observações “boomers” (decotas), normalmente, caem-nos emcasa.Atrevi-se um pouco e dei os parabénsos parabéns à tatuada “metálica”.— muito bem, menina, é assimque estas empresas aumentam osseus lucros, à custa da diminuiçãode trabalhadores e automação deprocedimentos. E depois os gestoresrecebem milhões d eprémios degestão.A miúda respondeu:— Olhe, amigo, eu sei muito bemcomo tudo se faz. Eu trabalhei aquina secção de legumes, hortaliças efruta. Com a chegada das balanças,os clientes são convidados a pesar ea tirar o tiquete com o preço. Comoeste processo teve adesão das pessoas,sempre apressadas, postasumas semanas depois, fui despedida.Comigo foram mais quatro camaradas.Sobraram os que repõemos frutos, os legumes e as hortaliçasporque ainda não inventaram umaforma dos clientes o fazerem. Eles— os crânios da gestão — não precisavamde nós. Os clientes acabarama fazer o nosso trabalho, comoeste marmanjo aconselhava!E ela, agarrou o namorado (ou similiar)pelo braço elá se foi para a fila dascaixas manuais mais o companheirode compras que não quis ripostar efazer figura triste na minha frente.Ele não encaixou a lição mas eu tambémmastiguei em seco: afinal, somosnós que ajudamos a construir ummundo melhor ou pior, ou péssimo,com os nossos gestos.É tempo de perceber que é urgenteparar de disparar tiros nos nossospróprios pés.É mais que tempo. Com coragem!Porque temos de ser nós a pesar amanga que queremos levar para casa?Porque temos de ser nós a ver quantocustam as cebolas que enfiámos numsaco? Porque temos de ser nós a substituirquem nos pode colocar as bananasna balança?Porque somos uns bananas.2Uns dias depois, fuia um supermercadomais pequeno — tambémcom caixas de pagamento impessoal.Estacionei a carroça e sou abordadode imediato por uma idosa.16Lusitano de Zurique - Julho/Agosto 2021 | www.cldz.eu
— Dê-me um eurinho, se faz favor.Olhei a senhora de alto abaixo, desdeos seus óculos já embaciados pelamáscara de protecção, a sua simplicidadeno vestir e pensei com os meusbotões: — é mais uma artista!Uma jovem que vi entrar num jipãoBMW não a quis ouvir e deitou-lheum normal ar de desprezo. Afinal, elapaga impostos para que o estado dêo mínimo de Rendimento a todos osportugueses.Doeu-me. Voltei atrás e quis ouvir asua história. Foi um impulso irrefectido.— Esta senhora podia ser a minhamãe, a quem pudesse ter acontecidoalguma desgraça.E perguntei:— para que quer um eurinho, minhasenhora?! Um eurinho, hoje, não dápara quase nada?— Olhe menino, eu recebi a minhareforminha de pouco mais de 200eurinhos, levantei o dinheiro e metias notas num avental e não sei quediacho aconteceu: ou as perdi, oualguém mas tirou quando vim aquiao Líder fazer umas comprinhas.Sabe. Menino, eu nunca dei paraa Segurança Social, mas esse santoque foi o Antoino Guterres deu-nosalguma coisa para não morrermosde fominha.A senhora estava desesperada. Acrediteina sua História. Dei-lhe o quetinha naquela altura, aquilo que dariaa minha Mãe.A senhora, ajoelhou-se, beijou-me asmãos.Levantei-a e gritei: mãe! Vai comprara tua comidinha, mas não os gastesmal gasto, Arminda.— Como sabe que me chamo Arminda,se eu nem lhe disse o meu nome?Meti-me na minha carrocinha pararegressar a casa. Ela tinha o rosto daminha Mãe, por isso, lhe chamei Arminda.Olhei pelo retrovisor e vi amenina do jipão BMW, após colocaras compras na mala do bólide, entregar-lheuma nota de vinte euros.Só pode ter estado a escutar a nossaconversa.É bom ouvir. Escutar é melhor. Agir éóptimo. A menina do jipão BMW nãoteve de ir para África para ser umagrande mulher.Podemos ser grandes, com os que estãopróximos de nós e, às vezes, tãosemelhantes aos nossos... com tatuagensou sem elas.É preciso coragem para levantar-se efalar, mas também é preciso coragempara sentar-se e ouvir — disse WinstonChurchill e não é que estou completamentede acordo?CRÓNICA(*) Jornalista, Ex-Capelão Militar eex-Director do Jornal Correio do MinhoGhttps://www.facebook.com/transportes.fernandesLusitano de Zurique - Julho/Agosto 2021 | www.cldz.eu17
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— Dê-me um eurinho, se faz favor.
Olhei a senhora de alto abaixo, desde
os seus óculos já embaciados pela
máscara de protecção, a sua simplicidade
no vestir e pensei com os meus
botões: — é mais uma artista!
Uma jovem que vi entrar num jipão
BMW não a quis ouvir e deitou-lhe
um normal ar de desprezo. Afinal, ela
paga impostos para que o estado dê
o mínimo de Rendimento a todos os
portugueses.
Doeu-me. Voltei atrás e quis ouvir a
sua história. Foi um impulso irrefectido.
— Esta senhora podia ser a minha
mãe, a quem pudesse ter acontecido
alguma desgraça.
E perguntei:
— para que quer um eurinho, minha
senhora?! Um eurinho, hoje, não dá
para quase nada?
— Olhe menino, eu recebi a minha
reforminha de pouco mais de 200
eurinhos, levantei o dinheiro e meti
as notas num avental e não sei que
diacho aconteceu: ou as perdi, ou
alguém mas tirou quando vim aqui
ao Líder fazer umas comprinhas.
Sabe. Menino, eu nunca dei para
a Segurança Social, mas esse santo
que foi o Antoino Guterres deu-nos
alguma coisa para não morrermos
de fominha.
A senhora estava desesperada. Acreditei
na sua História. Dei-lhe o que
tinha naquela altura, aquilo que daria
a minha Mãe.
A senhora, ajoelhou-se, beijou-me as
mãos.
Levantei-a e gritei: mãe! Vai comprar
a tua comidinha, mas não os gastes
mal gasto, Arminda.
— Como sabe que me chamo Arminda,
se eu nem lhe disse o meu nome?
Meti-me na minha carrocinha para
regressar a casa. Ela tinha o rosto da
minha Mãe, por isso, lhe chamei Arminda.
Olhei pelo retrovisor e vi a
menina do jipão BMW, após colocar
as compras na mala do bólide, entregar-lhe
uma nota de vinte euros.
Só pode ter estado a escutar a nossa
conversa.
É bom ouvir. Escutar é melhor. Agir é
óptimo. A menina do jipão BMW não
teve de ir para África para ser uma
grande mulher.
Podemos ser grandes, com os que estão
próximos de nós e, às vezes, tão
semelhantes aos nossos... com tatuagens
ou sem elas.
É preciso coragem para levantar-se e
falar, mas também é preciso coragem
para sentar-se e ouvir — disse Winston
Churchill e não é que estou completamente
de acordo?
CRÓNICA
(*) Jornalista, Ex-Capelão Militar e
ex-Director do Jornal Correio do Minho
Ghttps://www.facebook.com/transportes.fernandes
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