Dicionario-Paulo-Freire-versao-1
ANTROPOLÓGICA (Condição)Celso Ilgo HenzFreire, Fiori, Lima Vaz, Hélder Câmara, Alceu Amoroso Lima são algunsdos educadores e intelectuais latino-americanos que se engajaram na lutacontra a opressão e a dominação humana em nosso continente; seusentir/pensar/agir foi fortemente influenciado pelo existencialismo francês.Freire e Fiori fundamentam suas concepções de ser humano, mundo eeducação em Mounier, Gabriel Marcel, Merleau-Ponty, Sartre, Teilhard eoutros representantes do existencialismo. As principais influênciasconvergem para a valorização e a defesa da pessoa contra toda forma deopressão, o autoritarismo ou a alienação; a concepção do ser humano comoinacabado, precisando se humanizar sócio-historicamente; uma pedagogiavoltada para a libertação da pessoa concreta, inserida na história; avalorização da comunicação e do diálogo; a confiança na capacidade do serhumano em refazer-se e refazer a história.Antropologicamente, Freire concebe o gênero humano como o únicodentre as espécies vivas, que não tem seu modus vivendi já estabelecido aonascer. A natureza dos seres humanos é vir-a-ser, é construção e conquistapermanente, busca incessante e progressiva, própria do inacabamento econdicionamento sócio-histórico de homens e mulheres, que estão sendo nummundo e numa história também em construção e re-construção.Os seres humanos precisam aprender a se humanizar, o que dá à vidahumana um sentido muito mais biográfico do que biológico. “Programados”para aprender, num vir-a-ser constante realizando-se pela interação com omundo e com os semelhantes, integrando sempre o passado e o presente paravislumbrar o futuro e, assim, como seres históricos que vão sendo, vão dandoforma a si e ao mundo, num processo de interação significadora etransformadora com o mundo e com os outros. Essa aprendizagem dohumano é possível pela linguagem e pelo trabalho, capacidades inseparáveisde sentir/pensar/agir, pois “o ser humano é uma totalidade que recusa serdicotomizada. É como uma inteireza que operamos o mundo enquantocientistas ou artistas, enquanto presenças imaginativas, críticas ou ingênuas”(FREIRE, 1995, p. 104). A “hominização” não é adaptação, mas inserção
consciente, transformadora, processo sócio-histórico-cultural de humanizaçãodo mundo.Constituindo o seu mundo conscientemente, homens e mulheres vão seconstituindo enquanto corpos conscientes. Conscientizando-se, eles seexistenciam: tomam nas mãos a constituição do seu mundo e a própriaconstituição do humano em si. Esse é um processo aberto, dialético, sempreem renovação, assim como as mais diversas formas de vida e de organizaçãodo mundo vão sendo transformadas, em busca do ser mais; “esta busca do sermais, porém, não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas nacomunhão, na solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-se nasrelações antagônicas entre opressores e oprimidos” (FREIRE, 1987, p. 75).Homens e mulheres vão sendo porque questionam, pronunciam emodificam o mundo no qual e com o qual vão se humanizando, por seremcapazes de tomar distância e admirar o mundo e o seu estar sendo. Quandouma pessoa deixa de assombrar-se, de espantar-se, ela começa a perder acuriosidade, a sensibilidade, a criatividade, o gosto pelo risco da aventurahistórica, o querer ser mais. Para Freire (1998, p. 67), “a libertação autêntica,que é humanização em processo, não é uma coisa que se deposita noshomens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica aação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo”.Conscientizando-se da sua condição de estar sendo, como serescondicionados, inconclusos e aprendizes para sempre, com possibilidades elimites, capacitados para superar os obstáculos e engajar-se na construção deinéditos viáveis, homens e mulheres trazem em si a vocação ontológica deser mais; como indivíduos, na coletividade, cada um vai descobrindo que suapassagem pelo mundo não é predeterminada, “não é dado, mas algo queprecisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir”. Percebem,então, que sua presença no mundo é comunhão e interação, “que não se fazno isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se compreendefora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, culturale historicamente, tem muito a ver comigo”. E esse é um processo em aberto,num mundo e numa história também e aberto, como “um tempo depossibilidades e não de determinismo” (FREIRE, 1997, p. 59).Nem o ser humano nem o mundo podem chegar à plenitude total, maspermanecem num constante vir-a-ser, sempre inacabados, abertos àpossibilidade de inéditos viáveis. Assim, os homens e as mulheres autênticos
- Page 30 and 31: que reconhecem a educação como lu
- Page 32 and 33: àqueles que mais necessitam da ver
- Page 34 and 35: construção e reinvenção nas dif
- Page 36 and 37: [...] para a dialética, a importâ
- Page 38 and 39: novo ethos cultural a partir dos pr
- Page 40 and 41: limites; não apenas acredita na po
- Page 42 and 43: construir um mundo mais humanizado.
- Page 44 and 45: prática, ação e reflexão, subje
- Page 46 and 47: AD-MIRARMiguel EscobarTradução: M
- Page 48 and 49: da palavra como ação transformado
- Page 50 and 51: integrado e solidário na postura,
- Page 52 and 53: África/Africanidade(Angola, Guiné
- Page 54 and 55: pedagógica, qualquer processo alfa
- Page 56 and 57: indignação, de inconformismo, de
- Page 58 and 59: criticamente, sua concepção de al
- Page 60 and 61: ato de ler: em três artigos que se
- Page 62 and 63: da pós-modernidade progressista e
- Page 64 and 65: egoísmo.Os seres humanos se fazem
- Page 66 and 67: AMÉRICA LATINATelmo Adams e Danilo
- Page 68 and 69: tema. Na revisão de dez de suas ob
- Page 70 and 71: existencial do ser humano. Na centr
- Page 72 and 73: ANALFABETISMOAlceu Ravanello Ferrar
- Page 74 and 75: Para se pôr um fim a essa situaç
- Page 76 and 77: “descoberta” tardia da América
- Page 78 and 79: estaçãozinha, dois açudes, a cad
- Page 82 and 83: estão em constante renovação, es
- Page 84 and 85: interlocutores, inquietando o senti
- Page 86 and 87: ARQUEOLOGIA DA CONSCIENTIZAÇÃO(Ar
- Page 88 and 89: autores e testemunhas de suas hist
- Page 90 and 91: People’s Organization in Thaïlan
- Page 92 and 93: transformadora. E rejeita decididam
- Page 94 and 95: “revolucionarismo impaciente” [
- Page 96 and 97: Na mesma obra, Freire, explicita me
- Page 98 and 99: inúmeras decisões, que vão sendo
- Page 100 and 101: humanidade se organiza.Enfim, Freir
- Page 102 and 103: AUTORITARISMOGomercindo GhiggiPara
- Page 104 and 105: que o autoritarismo coerente”. Fr
- Page 106 and 107: aprendizagem”, “avaliação de
- Page 108 and 109: que, para dominar, se esforçam por
- Page 110 and 111: BONITEZAEuclides RedinEsta dimensã
- Page 112 and 113: Nada de conviver com pessoas e depo
- Page 114 and 115: CCAMPONÊSLuci Mary Duso PachecoA n
- Page 116 and 117: CARTAS PEDAGÓGICASAdriano VieiraMa
- Page 118 and 119: CHILEBalduino AndreolaApós o golpe
- Page 120 and 121: CIDADANIASérgio Pedro HerbertA edu
- Page 122 and 123: para um novo contrato social. Petr
- Page 124 and 125: práticas grupais de uso comunitár
- Page 126 and 127: CLASSE SOCIALAvelino da Rosa Olivei
- Page 128 and 129: CODIFICAÇÃO/DECODIFICAÇÃOHernan
ANTROPOLÓGICA (Condição)
Celso Ilgo Henz
Freire, Fiori, Lima Vaz, Hélder Câmara, Alceu Amoroso Lima são alguns
dos educadores e intelectuais latino-americanos que se engajaram na luta
contra a opressão e a dominação humana em nosso continente; seu
sentir/pensar/agir foi fortemente influenciado pelo existencialismo francês.
Freire e Fiori fundamentam suas concepções de ser humano, mundo e
educação em Mounier, Gabriel Marcel, Merleau-Ponty, Sartre, Teilhard e
outros representantes do existencialismo. As principais influências
convergem para a valorização e a defesa da pessoa contra toda forma de
opressão, o autoritarismo ou a alienação; a concepção do ser humano como
inacabado, precisando se humanizar sócio-historicamente; uma pedagogia
voltada para a libertação da pessoa concreta, inserida na história; a
valorização da comunicação e do diálogo; a confiança na capacidade do ser
humano em refazer-se e refazer a história.
Antropologicamente, Freire concebe o gênero humano como o único
dentre as espécies vivas, que não tem seu modus vivendi já estabelecido ao
nascer. A natureza dos seres humanos é vir-a-ser, é construção e conquista
permanente, busca incessante e progressiva, própria do inacabamento e
condicionamento sócio-histórico de homens e mulheres, que estão sendo num
mundo e numa história também em construção e re-construção.
Os seres humanos precisam aprender a se humanizar, o que dá à vida
humana um sentido muito mais biográfico do que biológico. “Programados”
para aprender, num vir-a-ser constante realizando-se pela interação com o
mundo e com os semelhantes, integrando sempre o passado e o presente para
vislumbrar o futuro e, assim, como seres históricos que vão sendo, vão dando
forma a si e ao mundo, num processo de interação significadora e
transformadora com o mundo e com os outros. Essa aprendizagem do
humano é possível pela linguagem e pelo trabalho, capacidades inseparáveis
de sentir/pensar/agir, pois “o ser humano é uma totalidade que recusa ser
dicotomizada. É como uma inteireza que operamos o mundo enquanto
cientistas ou artistas, enquanto presenças imaginativas, críticas ou ingênuas”
(FREIRE, 1995, p. 104). A “hominização” não é adaptação, mas inserção