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Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

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ANDARILHAGEM

Carlos Rodrigues Brandão

Somos humanos porque aprendemos a andar. Somos humanos porque

aprendemos a pendular entre um “estar aqui” e um contínuo “partir”, “ir

para”. Entre os que andam, viajam e vagam, há os que se deslocam porque

querem (os viajantes, os turistas), os que se deslocam porque creem (os

peregrinos, romeiros), os que se deslocam porque precisam (os migrantes da

fome, os exilados, e há os que se deslocam porque devem (os “engajados” –

para usar uma palavra cara aos dos anos 1960 – os “comprometidos com o

outro, com uma causa”).

Paulo Freire pertenceu às duas últimas categorias. Quando a Radio

Neederland da Holanda dedicou a ele uma série de programas, deu a ela (e ao

CD depois editado) este nome: O andarilho da utopia. Entre a infância

nordestina, a juventude e o começo da vida madura e profissional, nada

parecia indicar, num homem que começou deslocando-se apenas entre o

Recife e Jaboatão, um destino andarilho, errante. Ele veio logo a seguir e se

confunde com o início de sua vida de educador. Sua primeira experiência

como educador leva-o da grande cidade litorânea aos sertões secos do

Nordeste: Angicos, no Rio Grande do Norte. Depois, a descoberta do Brasil.

A vinda com a família para “o Sul” (tudo o que existe da Bahia para baixo,

ou “para cima” no sentido especialmente dado por Paulo a uma geografia que

ao seu ver deveria aprender a “sulear” para buscar o seu destino universal, ao

invés de estar sempre apenas “norteando-se”, buscando o seu “norte”).

No início dos anos 1960, agora já plenamente envolvido com os

movimentos de cultura popular, entre viagens seguidas e leituras constantes,

Paulo Freire “descobre o Brasil” e já o seu primeiro livro, Educação como

prática da liberdade, revela um país pobre e migrante. Revela uma

“sociedade em trânsito”. Os movimentos de cultura popular instituem uma

errância urgente em pelo menos três sentidos: um compromisso com

deslocamentos de corpos e imaginários em direção ao conhecimento e à ação

em “outros brasis”, terras próximas, distantes e desconhecidas, onde o sujeito

é o povo e a razão de ser do movimento é o popular; um deslocamento em

direção a “outros mundos” e a “outros povos”, o que equivale a uma

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