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TRANSCENDÊNCIA

Leonardo Boff

A transcendência não é apenas um tema recorrente em toda a obra de

Paulo Freire. É sua pressuposição fundamental. Falar em opressão-libertaçãoliberdade-esperança

implica compreender o ser humano como um ser de

transcendência, quer dizer, que pode romper as cadeias, inaugurar uma

prática inovadora e esperar por um mundo possível e ainda não ensaiado.

Para entendermos de forma adequada o que seja a transcendência,

precisamos superar um tipo de representação que nos vem dos gregos e que

perpassa a história do pensamento ocidental. A transcendência vem sempre

acolitada por uma outra categoria, a imanência. Essas duas categorias

formaram a metafísica ocidental, presente no cristianismo, na filosofia e

mesmo nas ciências.

Transcendência é tudo aquilo que vai além da imanência. A imanência é

tudo aquilo que é dado, que está à mão e constitui o nosso mundo.

Transcendência é Deus, o céu, o mundo espiritual, o outro lado da realidade

sensível. Imanência e transcendência são colocadas em oposição,

constituindo o famoso dualismo de nossa cultura. O ser humano é aquele que

pode circular pelas duas, mas sempre sofrendo sob essa oposição.

Fez-se historicamente uma espécie de divisão de trabalho metafísico: as

religiões e as tradições espirituais se encarregam da transcendência. O

trabalho, a vida cotidiana, a política se ocupam com a imanência.

Essa oposição dilacerou a experiência humana e social. Entretanto,

procedendo a uma reflexão mais radical, nos daremos conta de que a

oposição entre imanência e transcendência é uma projeção cultural. Num

nível mais fundamental, chegando àquilo que chamamos de pensamento

originário, veremos que imanência e transcendência são dimensões da única e

mesma condição humana.

Nossa realidade em grau zero pode ser definida como uma ex-istência

histórica. Somos uma ex-istência, quer dizer, um ser aberto (ex) ao outro, à

natureza, ao universo e à Última realidade. E, ao mesmo tempo, vivenciamos

essa ex-istência dentro do tempo, do espaço e de um arranjo existencial. Quer

dizer, é a nossa condição histórica, feita e sempre por fazer, aberta ao Todo e

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