Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

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30.05.2021 Views

TOLERÂNCIA/INTOLERÂNCIAElza Maria Fonseca FalkembachTolerância é um termo que conquista lugar especialmente nos textos maistardios de Freire, como Pedagogia da esperança (1992), Cartas a Cristina(1994), À sombra desta mangueira (1995) e ainda em textos da Série “PauloFreire” organizada por Ana Maria Freire: Pedagogia da indignação (2000),Pedagogia dos sonhos possíveis (2001) e Pedagogia da tolerância (2004).É em tempo de globalização, quando a economia capitalista (neoliberal)radicaliza as desigualdades sociais e em que, paradoxalmente, a diversidadecultural dentre e entre nações, instituições e entre sujeitos se vê ameaçada porum movimento de homogeneização e uniformização cultural, que o conceitoalcança maior importância na obra do autor. Tolerância com o diferente,respeito à experiência e à liberdade do outro, possibilidade da convivênciaatenta e curiosa entre identidades culturais diversas, condição necessária parao estabelecimento de relações dialógicas. Tolerância vista como “virtude daconvivência humana” (2004, p. 23) sem a qual a democracia se torna inviávele as liberdades ameaçadas pela intolerância de mentes humanas configuradaspor uma ética de mercado que fomenta o desrespeito à vida, quando faz dolucro seu objetivo central. Que desenvolve atitudes e produz atos, como oassassinato do índio Gaudino Jesus dos Santos, em Brasília, veementementedenunciado por Freire em Pedagogia da indignação (2000, p. 65-69) ePedagogia da tolerância (2004, p. 23-24).O conceito de tolerância assume, na obra de Freire, diferentes ênfases. Nosentido ético, associado à liberdade e à solidariedade, a tolerância é vistacomo dever de todos nas suas relações com os outros, “regra de vida” (1995,p. 38) que o indivíduo experimenta como sujeito moral; no sentido políticoestratégico,associado à democracia, o termo é apresentado como “a virtuderevolucionária que consiste na convivência com os diferentes para que sepossa melhor lutar contra os antagônicos” (1992, p. 39). Luta radical semlevar, porém, o indivíduo e seus coletivos a “posições dogmáticas, sectárias eestreitas nas leituras de mundo e formas de ação” (p. 39-40), mas que o incitaa defender com denodo suas posições, “se convencido de seu certo”. Nosentido epistemológico, associado ao diálogo fundado em relação dialética –

concordância e discordância – que leva ao reconhecimento do “pensamentocontrário ao meu e ao sujeito que o pensa”, o termo tolerância revela como seconstitui “uma forma de o indivíduo crescer e desenvolver a produção dosaber” (1994, p. 194-195).Em Pedagogia da esperança os conceitos “tolerância e intolerância”aparecem associados à análise de Freire sobre as dificuldades de convivênciadas diversas facções de esquerda que integraram a Unidade Popular, noChile, no início dos anos 1970. Fala sobre a incapacidade de essas forçasconseguirem realizar uma política radical, mas não sectária, compreender econviver mediante o princípio da unidade na diversidade e com isso setolerarem.Em À sombra desta mangueira, o termo aparece contextualizado noespaço/tempo nomeado pelo autor como “a minha terra”, aquela que ele querver livre dos horrores da guerra de classes. Para isso, preconiza, é preciso“decisão política, mobilização popular, organização, intervenção política eliderança lúcida, democrática, esperançosa, coerente, tolerante” (1995, p. 36).A tolerância não é virtude que se transmita mecanicamente de um sujeitofalante a pacientes emudecidos. Seu aprendizado requer coerência entrediscurso e ação para não dar lugar à conivência e à concessão capazes dedeteriorar o “sonho possível”.No livro Cartas a Cristina, Freire afirma que o tolerante reconhece oconflito, não foge do embate, mantendo, contudo, profundo respeito aopensamento contrário à verdade que defende. Ressalta a exigência ética que oacompanha no embate: “O dever de ao fazê-lo, não mentir” (1994, p. 195).Adverte que ensinar tolerância às novas gerações pressupõe dar-se conta deque nossas tradições histórico-culturais “são pouco claras quanto às relaçõescontraditórias liberdade-autoridade” (p. 196). Pressupõe reconhecer asleituras de mundo, os desafios e as exigências que este mundo impõe aosnovos e admitir que isso os faz diferentes de gerações que os precederam. Atolerância nas relações sociais livra o indivíduo do autoritarismo comotambém da licenciosidade.Em Pedagogia dos sonhos possíveis, ao abordar o tema tolerância,manifesta-se “crítico do discurso neoliberal e que se alonga em pósmoderno”(2001, p. 237). Afirma, contudo, dispor-se ao diálogo com osneoliberais, o que não o obriga a estabelecer acordos com eles. Umacompreensão democrática da intervenção pedagógica do intelectual

concordância e discordância – que leva ao reconhecimento do “pensamento

contrário ao meu e ao sujeito que o pensa”, o termo tolerância revela como se

constitui “uma forma de o indivíduo crescer e desenvolver a produção do

saber” (1994, p. 194-195).

Em Pedagogia da esperança os conceitos “tolerância e intolerância”

aparecem associados à análise de Freire sobre as dificuldades de convivência

das diversas facções de esquerda que integraram a Unidade Popular, no

Chile, no início dos anos 1970. Fala sobre a incapacidade de essas forças

conseguirem realizar uma política radical, mas não sectária, compreender e

conviver mediante o princípio da unidade na diversidade e com isso se

tolerarem.

Em À sombra desta mangueira, o termo aparece contextualizado no

espaço/tempo nomeado pelo autor como “a minha terra”, aquela que ele quer

ver livre dos horrores da guerra de classes. Para isso, preconiza, é preciso

“decisão política, mobilização popular, organização, intervenção política e

liderança lúcida, democrática, esperançosa, coerente, tolerante” (1995, p. 36).

A tolerância não é virtude que se transmita mecanicamente de um sujeito

falante a pacientes emudecidos. Seu aprendizado requer coerência entre

discurso e ação para não dar lugar à conivência e à concessão capazes de

deteriorar o “sonho possível”.

No livro Cartas a Cristina, Freire afirma que o tolerante reconhece o

conflito, não foge do embate, mantendo, contudo, profundo respeito ao

pensamento contrário à verdade que defende. Ressalta a exigência ética que o

acompanha no embate: “O dever de ao fazê-lo, não mentir” (1994, p. 195).

Adverte que ensinar tolerância às novas gerações pressupõe dar-se conta de

que nossas tradições histórico-culturais “são pouco claras quanto às relações

contraditórias liberdade-autoridade” (p. 196). Pressupõe reconhecer as

leituras de mundo, os desafios e as exigências que este mundo impõe aos

novos e admitir que isso os faz diferentes de gerações que os precederam. A

tolerância nas relações sociais livra o indivíduo do autoritarismo como

também da licenciosidade.

Em Pedagogia dos sonhos possíveis, ao abordar o tema tolerância,

manifesta-se “crítico do discurso neoliberal e que se alonga em pósmoderno”

(2001, p. 237). Afirma, contudo, dispor-se ao diálogo com os

neoliberais, o que não o obriga a estabelecer acordos com eles. Uma

compreensão democrática da intervenção pedagógica do intelectual

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