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Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

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autoproduzir e realizar uma autopoiése humanizadora na medida em que

transforma a humanidade, transformando o mundo.

O homem – diz Fiore – é levado a escrever sua história. Alfabetizar-se é

aprender a ler essa palavra escrita em que a cultura se diz e, dizendo-se

critica-mente, deixa de ser repetição intemporal do que passou, para

temporalizar-se, para conscientizar sua temporalidade constituinte, que é

anúncio e promessa do que há de vir. O destino, criticamente, recuperase

como projeto. (Freire 1994, p. 9)

O tempo é para Paulo Freire, como na feliz expressão de Carlos Brandão,

um irmão mais velho (BRANDÃO, 1996). Brandão distingue duas faces em que

o tempo se representa na cultura popular brasileira, o tempo do é: é tempo de

plantar, é tempo de partir; e o tempo do faz: faz chuva, faz sol, faz noite.

Todos os tempos são sempre acontecimentos ligados ao poder dos pobres ou

dos ricos. E o tempo de ambos possui abismos avassaladores: o tempo dos

pobres e o das longas filas, das esperas por justiça, do esquecimento nas

prisões; no tempo dos ricos, segundos valem milhões nas bolsas de valores.

Os tempos são razões de disputas à morte. Mas só existe tempo humano, feito

por nós que o criamos e nele habitamos. A tecnologia, e toda ela, é voltada

para poder manipular o tempo, feiticeiramente, parindo rostos singulares e

coletivos, de (des)valor previamente definido, moldados para a liberdade ou

para a reificação. Disputa-se o poder, na cultura do capital, de poder

acumular, deter, retardar ou acelerar o tempo, como forma de dominação

política. É assim que o tempo emerge nas obras de Paulo Freire, como tempo

a ser transformado em luta contra a destemporalização, contra sua

eternização; tempo histórico, incompleto, mutante e passageiro, porque o

tempo somos nós com nossas incompletudes. Freire, da janela do tempo, vê

todos os acontecimentos na perspectiva da temporalidade: processos de

conjunturas, eventos, promessas que se anunciam, passado que lhes deu

direção. Nada foge à implacável ação do tempo em nós, contaminados pelos

que vivemos e fazemos, por nossas relações e vivências, em conjunturas

com/como atores. Não estamos num tempo congelado, exterior à nossa

subjetividade; toda vivência temporal nos define pegajosamente por dentro:

somos temporalidades, e porque não dizer múltiplas temporalidades, nem

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