Dicionario-Paulo-Freire-versao-1

silvawander2016
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TTEMA GERADORLuiz Augusto PassosO dicionarista Houaiss registra a palavra “tema” como “assunto acerca doqual se conversa ou discorre” e na pintura é também assunto desenvolvidopelo artista numa obra”. Ambos significados se entrecruzam em Freire. Por“gerador” Houaiss define “o que gera, produz; cria ou procria; genitor,progenitor”. Paulo Freire busca no grupo de cultura resgatar o sentido deunidade e síntese entre conhecimento e vida que antes fora amordaçada eestilhaçada pela cultura do capital, procurando no universo de palavras dacomunidade temas geradores, isto é, “lugares” repletos de sentidos deexperiências nucleares para a existência que imantam sentidos cotidianos àsvivências. Se a razão moderna se investiu de autossuficiência, prescindindoda relação com o mundo e as coisas existentes, cindindo o reino das coisaspensadas (imateriais) com as coisas extensas (tangíveis e materiais), o novoconhecimento da educação libertadora é aquele que restabelece a conexão detudo com tudo, num recriar constante que se diz, estabelecendo síntesesprovisórias. Recupera, pela transformação, a difícil tensão entre polaridadesvivas e irreconciliáveis, superando as dicotomias, bem como a instauraçãodas ditaduras de um só polo vencedor, sob o esquartejamento do outro.Recupera a dialética viva, aquela da vida real, do movimento, da tensividadedos processos e sentidos históricos do inacabamento e da luta pela libertação.Essa é a razão primeira pela qual Freire alerta para o reino da confusãoentre verdadeiro e falso, entre conhecimento e falsa consciência, buscandoum “universo mínimo temático” concreto e vivenciado, onde o real se revelecomo síntese de múltiplas determinações e contradições dentro de um campotensivo. O tema gerador, por falar às experiências das pessoas, é generativo,criador, porque dialoga com oposições em um equilíbrio instável. Nele há

valores significativos adquiridos pelas experiências de vida, os quaiscontaminam signos que se expressam e parturizam pessoas novas.Pessoas não se dissociam de filosofias, pensares, saberes, práticas ecotidiano. Em Paulo Freire jamais podem dissociar-se vida e luta política,afeto e poder, conhecimento e valor, existência e essência, necessidade eliberdade. Não se pode pensar num cogito isolado, sem uma referênciasensível que o apreenda e lhe dê estrutura mundana, de sorte que ambos –espírito e matéria – não subsistem a sós, um sem o outro e vice-versa. Não hásubjetividade sem sua dimensão corpórea. Não serão dissociados sujeito eobjeto. “Quando minha mão toca no meu outro braço, quem toca e quem étocado?” (MERLEAU-PONTY, 1989, p. 195). A consciência intencional dissonos unifica. Ali coincidem, num mesmo tempo e espaço, o sujeito e o objeto,ontológicos, ônticos e, indiscriminavelmente, interdependentes. Não sedissociará do contexto de situações-limites de opressão: “É importantereenfatizar que o ‘tema gerador’ não se encontra nos homens isolados darealidade, nem tampouco na realidade separada dos homens. Só pode sercompreendido nas relações homens-mundo” (FREIRE, 1987, p. 56). Nemsubsistirá parturização de pessoas pelo pensar sem engajamento corporal naluta revolucionária. A palavra geradora não é um método, um meio neutro,uma metodologia. O universo temático não é uma estratégia mediadorainocente; é o núcleo mesmo cuja fissão nuclear imanta a direção política dalibertação. Também não dissociar-se-ão signos escritos de sua leitura, do seusleitores e dos sistemas de referência que os materializam num mundoeconômico, político, social que precede nossa existência. Os temasgeradores, substantivados pelas “palavras geradoras”, não são signos gráficoscom sentidos definidos; sempre serão, mimeticamente, tocados pelaspercepções de um corpo pensante, interpretante, amoroso, histórico,“contagioso” e prenhe de incompletudes e faltas. Os sentidos são formaspertinentes moldados na ancoragem das dimensões universais e genéricas queassumem forma concreta, tangível de uma singularidade pessoal. Nosprocessos de uma educação emancipatória não teremos uma generalidadeabstrata, mas uma subjetividade que, engajada em gestualidades corporais esimbólicas, se universaliza numa saga historiadora. O universal não é, nessecaso, uma substância idêntica e genérica que identifica todos e todas, postoque o que há de mais universal no ser humano é sua singularidade: todossomos diferentes (GEERTZ, 1989). É essa diferença que nos aproxima,

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TEMA GERADOR

Luiz Augusto Passos

O dicionarista Houaiss registra a palavra “tema” como “assunto acerca do

qual se conversa ou discorre” e na pintura é também assunto desenvolvido

pelo artista numa obra”. Ambos significados se entrecruzam em Freire. Por

“gerador” Houaiss define “o que gera, produz; cria ou procria; genitor,

progenitor”. Paulo Freire busca no grupo de cultura resgatar o sentido de

unidade e síntese entre conhecimento e vida que antes fora amordaçada e

estilhaçada pela cultura do capital, procurando no universo de palavras da

comunidade temas geradores, isto é, “lugares” repletos de sentidos de

experiências nucleares para a existência que imantam sentidos cotidianos às

vivências. Se a razão moderna se investiu de autossuficiência, prescindindo

da relação com o mundo e as coisas existentes, cindindo o reino das coisas

pensadas (imateriais) com as coisas extensas (tangíveis e materiais), o novo

conhecimento da educação libertadora é aquele que restabelece a conexão de

tudo com tudo, num recriar constante que se diz, estabelecendo sínteses

provisórias. Recupera, pela transformação, a difícil tensão entre polaridades

vivas e irreconciliáveis, superando as dicotomias, bem como a instauração

das ditaduras de um só polo vencedor, sob o esquartejamento do outro.

Recupera a dialética viva, aquela da vida real, do movimento, da tensividade

dos processos e sentidos históricos do inacabamento e da luta pela libertação.

Essa é a razão primeira pela qual Freire alerta para o reino da confusão

entre verdadeiro e falso, entre conhecimento e falsa consciência, buscando

um “universo mínimo temático” concreto e vivenciado, onde o real se revele

como síntese de múltiplas determinações e contradições dentro de um campo

tensivo. O tema gerador, por falar às experiências das pessoas, é generativo,

criador, porque dialoga com oposições em um equilíbrio instável. Nele há

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